Sua experiência na Polônia foi rápida e assustadora. Encontrou um país, mesmo depois de muitos anos, ainda destruído pela guerra. O partido comunista que controlava a região e obedecia as ordens diretas do Kremlin, oferecia enorme resistência aos cultos religiosos, porém a população era bastante temente a Deus e a cultura cristã ainda estava bem sedimentada no território. Lá conheceu Veronika, uma adolescente cheia de ideias radicais. A partir dela tentou colocar em prática toda a teoria da conversão.
Ela era contra as ideias marxistas e odiava toda aquela baboseira de igualdade. Vivia num país miserável, enquanto seus pares ocidentais se divertiam em Woodstock. Queria a igualdade dos capitalistas, cheio de amor, drogas e rock'roll. Queria aquela alienação poética de jovens que se divertiam com a liberdade. Na Polônia, tudo que gostava era proibido; seus livros, discos e até seus filmes preferidos não eram encontrados de forma oficial.
Se conheceram por acaso. Philippe, na Polônia, sempre vestia roupas comuns, muito embora estivesse com todos os documentos registrados, não queria chamar a atenção das autoridades e ter problemas indesejáveis. Numa noite amena de verão, voltava de um encontro com outros três bispos. Andando despreocupadamente numa rua deserta, de jaqueta e calças escuras, avistou uma garota de boa aparência pichando um muro. Na superfície encinzentada da parede, a palavra "Wolnosc" escorria como se tivesse sido pintada com sangue.
"Queres liberdade?" - perguntou o missionário em francês.
A garota assustada com a presença do intruso, ficou muda. Philippe julgou que ela não o entendera, então arriscou a mesma frase em polonês. Novo silêncio. O semblante pávido de Veronika o despertou para o embaraço; era pouco sensível e ainda não se ambientara com a atmosfera de pavor e repressão do lugar.
"Desculpe. Acho que te assustei, mas, fique tranquila, não trabalho para o governo. Não sou do tipo que infringe as regras; porém não vim à Polônia para obedecer as normas desse país, me guio por algo superior." - disse novamente em francês.
A garota continuava com a mesma expressão, e até aquele momento Philippe não saberia dizer se a moça entendia seu idioma. Quando tentou, desairoso, repetir em polonês, ouviu finalmente a contraventora.
"O que você quer?" - Veronika aparentava ter um francês perfeito.
"Nada. Estou voltando pra casa. Mas achei interessante sua pichação. Também admiro o valor da liberdade, ela é indispensável."
Desconfiada, Veronika recolheu suas coisas e guardou na mochila; sem olhar para o missionário, seguiu a passos rápidos por uma viela escura. A menina tinha os cabelos pretos e bastante finos, altura mediana, olhos verdes. Sua boca era fina e seu nariz bem desenhado. Não parecia com a maioria das polonesas que encontrara, era delicada e misteriosa. Deveria ter uns dezesseis ou dezessete, um pouco mais jovem que ele que naquela época já completara seus vinte e quatro anos.
Quando a moça foi embora julgou que nunca mais a encontraria, mas dois dias depois a viu comprando um jornal. Perguntou sobre o periódico e, quando soube que a polonesa adquirira um exemplar do L'Humanité, vislumbrou a brecha necessária para um possível vínculo.
"Minha irmã contribui com este jornal. Escreve artigos semanais sobre cultura e política."
Veronika olhou inquisitiva para o estrangeiro, novamente aquele homem insistia em perturbá-la. Ríspida, se desvencilhou do atrevimento com uma dose maior de insolência.
"Não gosto desse jornal. Estes artigos são fastidiosos, muitos defendem as barbáries da União Soviética e dos partidos do leste europeu. Desprezam a própria liberdade, sempre a choramingar bobagens."
"Por que comprou o jornal?"
"É um dos poucos periódicos franceses de fácil circulação por aqui. Faço isso para melhorar meu francês, intuito em me mudar pra França em breve. Mas não sei por que estou a confessar tantas coisas a um estranho. Me desculpe, você não me afeiçoa; tem algo no seu semblante que incomoda." - Sua fala foi tão antipática que até mesmo Philippe, pouco sensitivo a estas nuanças de humor, percebeu.
O homem rinoceronte não entendia aquela vulgaridade depreciativa. A moça queria se mudar pra França e aperfeiçoar seu idioma; não gostava da atmosfera polonesa e idealizava uma vida de liberdade em alguma nação capitalista. Ele era francês e se esforçava para ser simpático; então, por que ela não se interessava? Um homem oriundo do país que lhe inspirava fantasias deveria lhe incutir ao menos certa afinidade; no entanto sua presença causava repulsa, e sempre quando ela lhe olhava sentia-se consumido pelo desapreço. Talvez ela pensasse que, por estar ali, ele seria algum simpatizante do ideário comunista, ou um tartufo aproveitador de esquerda. Sem saber ao certo a origem da depreciação, viu novamente a moça se afastar, cada vez mais instigado pelo anseio de tê-la por perto.
Num domingo ensolarado, alguns dias após o último encontro, viu Veronika, com outros dois adolescentes e enrolada numa bandeira de seu país, num caminhar lépido e jovial. Tentando não ser notado, a seguiu. As ruas estavam cheias, a seleção polonesa jogaria no Estádio da Década e muitas pessoas se dirigiam pra lá. A garota, junta com os companheiros, entrou eufórica no estádio. Philippe, que não tinha ingresso, foi até a bilheteria garantir sua entrada. Alguns minutos na fila talvez o impedisse de encontrar Veronika nas arquibancadas; seriam milhares de poloneses absorvidos naquele entretenimento futebolístico. Mesmo assim persistiu. Quando entrou os jogadores já estavam perfilados aguardando as formalidades antes do pontapé inicial. Quando o hino polonês ressoou, as conversas, gritos e burburinhos que permeavam todo o ambiente se interrompeu. Concentrados, os torcedores em uníssono cantaram emocionados a canção do país. O estrangeiro ficou absorvido com os semblantes e as expressões daquele povo. Não gostava de multidões, e mesmo nos seus cultos preferia plateias mais reservadas. Aquele jogo foi o primeiro evento de grande público a presenciar, e ver tantas pessoas juntas sibilando as mesmas frases o comovia. Se encontrasse Veronika, naquele instante de comoção, se verteria em lastros de eternidade.
FG
Num domingo ensolarado, alguns dias após o último encontro, viu Veronika, com outros dois adolescentes e enrolada numa bandeira de seu país, num caminhar lépido e jovial. Tentando não ser notado, a seguiu. As ruas estavam cheias, a seleção polonesa jogaria no Estádio da Década e muitas pessoas se dirigiam pra lá. A garota, junta com os companheiros, entrou eufórica no estádio. Philippe, que não tinha ingresso, foi até a bilheteria garantir sua entrada. Alguns minutos na fila talvez o impedisse de encontrar Veronika nas arquibancadas; seriam milhares de poloneses absorvidos naquele entretenimento futebolístico. Mesmo assim persistiu. Quando entrou os jogadores já estavam perfilados aguardando as formalidades antes do pontapé inicial. Quando o hino polonês ressoou, as conversas, gritos e burburinhos que permeavam todo o ambiente se interrompeu. Concentrados, os torcedores em uníssono cantaram emocionados a canção do país. O estrangeiro ficou absorvido com os semblantes e as expressões daquele povo. Não gostava de multidões, e mesmo nos seus cultos preferia plateias mais reservadas. Aquele jogo foi o primeiro evento de grande público a presenciar, e ver tantas pessoas juntas sibilando as mesmas frases o comovia. Se encontrasse Veronika, naquele instante de comoção, se verteria em lastros de eternidade.
FG
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