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Narrativa Erótica



Um homem cansado fumava seu cigarro refestelado ao sofá, ouvia um pouco de jazz e não pensava em nada; Miles Davis, o inigualável músico americano, preparava seu organismo para uma vindoura noite de prazer. A atmosfera era cálida, desaconselhava as formalidades de qualquer andrajo ou vestimenta; em uma espécie de convite, o calor exortava-o à nudez. Não era belo, tampouco repugnante, tinha alguns atrativos capazes de seduzir mulheres mais liberais, apesar de magro possuía um corpo atlético, bem definido. Três baganas já pendiam sobre o cinzeiro, sua vitrola sibilava o ar com um doce almíscar sonoro de Blue in Green, criando um clima perfeito para possíveis relaxamentos sexuais. De olhos fechados, aguardava, dentro de uma tranquilidade incomum, ansioso e apoplético; seus movimentos eram delicados, sincronizados, quase poéticos; levava o cigarro à comissura dos lábios, inspirava a fumaça para depois soltá-la, tentando criar figuras mágicas, inebriadas pela falta de pudor. A silhueta de uma fêmea bem delineada e ungida por seu recrudescente desejo podia ser contemplada, aos poucos, naquela sala enfumaçada; sua visão, neste instante de relaxada concupiscência, turvava-se, prejudicando a lucidez aparente dos seus sentidos inconsequentes. Por mais alguns segundos o homem alcançaria o nirvana sexual, um gênero de orgasmo singelo, união singular entre lentos fluxos cerebrais e intensas atividades testiculares, explosão de calmaria e volúpia, silencioso gozo meditativo e visceral, no entanto a campainha interrompeu as engrenagens performáticas de nicotina que auxiliavam seu exercício masturbatório; abriu os olhos contente, sua parceira havia chegado.

Ela era ruiva, de altura mediana, pele muito clara com algumas charmosas sardas, sua iris era verde água, brilhavam com a menor luminosidade. Eles não trocaram palavras, ela, à semelhança de seu parceiro, ficou nua, despiu-se em alguns segundos. Ao visualizá-la o homem percebeu a opulência da maior criação divina, a mulher exibia curvas exuberantes, seios belos que cabiam na palma de suas mãos, ombros largos porém delicadamente femininos. Seu ventre lascivo, naquele momento, anunciava a chegada de profetas libidinosos, mas, antes de qualquer contato corporal, eles dariam as boas vindas ao deus Baco. Duas taças de vinho tinto foram servidas pelo másculo corpo que instantes atrás fundia seu membro à fumaça de seus pensamentos; beberam ainda em silêncio, apenas o LP de Kind of Blue agitavam o ar em invisíveis e magistrais ondas sonoras. Entrementes, ela, aproximando-se dele, soprou em seus ouvidos, como uma atriz bem treinada, vogais desesperadas que ansiavam o limite, a fronteira do prazer, o pináculo do desejo.

Seus lábios se tocaram, chuvas de saliva misturavam-se pelos portais da linguagem, as línguas entrelaçavam-se como se tentassem perfurar os poros do paladar alheio; naqueles centímetros de tempo, todos os idiomas eram pronunciados, as vozes se entendiam em ardente volúpia, palavras transformavam-se em chamas que precisavam ser apagadas, ambos, naquela suposta realidade, eram bombeiros e vítimas. A conexão dos orifícios alimentares, saciava a insaciável fome dos dois, longos períodos de asfixia eram compensados pelo deleite de um beijo inigualável; o homem era leniente com a perversão feminina, a mulher, ao contrário, resistia mesmo provocando sua virilidade. Aos poucos o prazer incendiário, causado pelas deletérias chispas dos lábios momentaneamente apaixonados, sofria uma ousada mutação, uma espécie de estupro bucal compartilhado; as línguas lutavam por mais espaço, sufocando e torturando as gengivas os dentes e a própria garganta, elas se acusavam simultaneamente sem que, no entanto, houvesse qualquer vencedor; o lucro auferido seria distribuído pelos corpos intransigentes, cada qual possuía a mesma porcentagem de ações, ninguém era o sócio majoritário.

Após o longo e indescritível beijo, o membro masculino já estava rijo, a mulher chorava de ansiedade prazerosa, sua vulva sorria, aguardando o aconchego do preenchimento. Mas antes o homem continuou utilizando sua boca, desceu seus lábios até os magistrais seios rosado. Deixava a púrpura caverna para encontrar montes floridos, um delicioso jardim com begônias e orquídeas, lá ele conseguia sentir o esvoaçar de pássaros, o ciciar convulsivo da flora e da fauna além do doce marejar suave e refrescante do orvalho adocicado. Ao deslizar delicadamente pequenos blocos de gelo sobre o corpo despido à sua frente, o homem fertilizava o campo árido, untava, com o orgulho viril, a pele que explodia na temperatura de todos os segredos; naquele instante ele equilibrava-se sobre a calma; qualquer descuido e a obra prima que os dois corpos tentavam produzir poderia ser extirpada. O jazz já não orquestrava o ambiente sozinho, algumas vogais matizadas por escassas consoantes ornamentavam a atmosfera.

Os olhos fechados, as mãos entrelaçadas, o ofegante respirar, a interrupção do pensamento, o êxtase momentâneo, a entrega, a cobiça, os afagos delirantes e o reconhecimento da materialidade dos corpos anunciavam o início da conjunção. Mesmo sem comunicar suas almas, aqueles dois indivíduos chegavam próximo à comunhão espiritual; o movimento do homem parecia uma idílica poesia campestre, seu membro era utilizado pela parceira como um velcro de ouro, naquele instante nada existia e o contato etéreo daqueles órgãos sexuais poderiam ser admirados, descritos e oblatados por todas as entidades celestiais. O que acontecia era belo, eles haviam atingido a essência do ato supostamente libidinoso. Para o homem aquilo significava o sucesso, o domínio e o poder, entretanto para a mulher era a eternidade, a fotografia perfeita, o amor espontâneo que sentimos diante das obras de arte.

O clímax se aproximava, os movimentos eram frenéticos quase violentos, os corpos flutuavam sobre os lenções brancos, a mulher gritava de prazer, o homem urrava de desejo e posse, e o saxofone, do já esquecido Miles Davis, acompanhava a livre exsudação do ambiente. As cortinas pegavam fogo, o céu recobria o teto do apartamento com nódoas úmida de furor, o tapete - acanhado pelo medo - observava lívido, as paredes, emocionadas, rachavam, despedaçavam-se em milhares de pedaços, e o chão, optando pelo suicídio, perdera a primazia e importância. O sexo havia virado dança, quando em alguns segundos ambos encenariam o ato final; o cavalheiro, conduzindo a dama, ejaculou sincronizado à perfeição, ela, igualmente, delirou garbosos orgasmos múltiplos. Alternando lágrimas e sorrisos, ambos chegavam à exaustão; estava feito e era o fim. Eles se amaram, fizeram amor, no entanto foi tudo muito efêmero, em suas lembranças não haveriam mais os sentimentos, nelas o amor seria sexo, apenas sexo e nada além.

A mulher recolheu seu dinheiro e foi embora, não se despediu. Pegou um ônibus, chegou em casa, tomou um banho, vestiu roupas limpas, ligou a televisão e começou a chorar. O sexo tinha sido bom, para ela isto era inaceitável. Pobre moça, não sabia que tinha feito amor.

O homem, depois de fechar a porta de sua casa e ver a mulher indo embora pela varanda da sala, voltou ao sofá, acendeu um novo cigarro e pensou, pensou bastante. Alguns minutos se passaram e ele sentia uma vontade estuporante de ligar para ex namorada. Ligou e foi logo dizendo: “Eu te amo!”. 

Aquela noite seria recordada, pela cognição de ambos, como sexo; no inconsciente, ao contrário, seus corpos identificariam o desejo como amor e vice-versa. As lembranças das flores seriam sub-repticiamente conectadas às alegrias sexuais; eis a legitimação espúria do romantismo. Sendo assim, os jogos escusos da memória impulsionariam todas as perniciosas traições. Ao ser refém do amor somos igualmente reféns do sexo*; a diferença? O amor é celetista, amamos um por vez; já o sexo é solidário, democrático, pode ser feito com uma multiplicidade de pessoas. No entanto devemos ficar atentos, as vezes confundimos a profundidade com a superfície; nossas formas de amor são imperfeitas, podem se esconder sobre as circunstâncias aparentemente mais abjetas, pois como já anunciava o mago da poesia, Carlos Drummond de Andrade, o amor absoluto é revel à condição de carne e alma.



FG

Obs:* Aqui excluo o amor platônico, este é delicado e ingênuo
Este texto foi apenas uma diversão, talvez um treinamento. É a primeira historinha escrita por mim na terceira pessoa, dessa forma não me responsabilizo pela baixa qualidade. No entanto, confesso: duas ou três frases escrevi com orgulho, não obstante a idiotice do conjunto.

Comentários

  1. Adorei a narrativa,simplesmente incrível, continue a escrever!!!:)

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