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Devaneio IV - Radiohead



You are all I need

Sou feito de matéria, tenho 46 cromossomos e ando sobre duas pernas; como qualquer pessoa evolui de um emaranhado de proteínas, passei por vários estágios embrionários até me tornar um feto; tempos depois cheguei ao mundo, respirei e, certamente, provoquei um imenso sorriso no rosto de minha mãe. Naquela época tinha algumas necessidades; ar, leite e proteção talvez fossem as três mais importantes. O tempo passou, aprendi a respirar sem sofrimento, além de ter substituído o leite por um cardápio sofisticado, contudo meus anseios protetivos infelizmente se modificaram, não me satisfaço apenas com o amor familiar, preciso preencher novos espaços, abrir a janela de casa para contemplar o universo social. Entrementes, algo me puxa para trás ou me empurra para frente, não sei ao certo se isto é bom ou ruim, mas hoje me sinto preso, sem qualquer liberdade. Sei que sou o único culpado, que mereço todas as privações; portanto, não irei apelar para instâncias superiores, meu julgamento foi justo, a sentença bem aplicada e o Estado tem me tratado bem, distante e sem alarde. Na prisão fiz alguns amigos, eles me ensinam a converter meus pensamentos em alguma forma rudimentar de expressão, lá os pequenos incentivos são palavras de ordem, me impelem a continuar, seguir em frente, persistir nesta inócua atividade de comunicação. But...

You are all I need

Tenho pensado bastante a respeito de minhas escolhas e objetivos, aos poucos percebo que não me adéquo aos planejamentos, à organização sistemática ou à lógica moderna da estruturação de futuros pré moldados; no silêncio de meu quarto sou impulsivo, deixo-me levar por qualquer entretenimento barato, inclusive tenho adorado rir e chorar diante da cultura pop. Não irei desprestigiar os ingleses do Radiohead, ao contrário, todas as referências que inspiram as postagens deste blog são respeitadas e homenageadas pelo tolo insensato que decidiu escrever bobagens dificilmente lidas, seria hipocrisia de minha parte vilipendiar uma banda que tem acalentado meus insignificantes sofrimentos. Ainda não sei se este texto chegará ao fim, as palavras tem me deixado desamparado; minha amiga, a linguagem, me abandonou; e não sinto mais a música, ela se foi sem se despedir. No entanto, acho que um novo devaneio quer nascer, gritar para o mundo que ele existe. Venha! Dispa minha alma e desseque meu espírito, pois não tenho mais medo; o recalque de outrora se perdeu, foi embora junto à toda falsa emulação dos sentidos.

You are all I need

Antes de recomeçar devo escolher meus interlocutores, ainda não sei se escrevo para tranquilizar meus sentimentos, para gritar que estou vivo ou para anunciar ao mundo algo escondido dentro de mim. Na realidade estou morto, a chama que fazia meus olhos dardejarem foi, aos poucos, se atenuando, até se extinguir completamente. Sempre estive atrás dos palcos, fui coadjuvante da minha própria vida, e mesmo possuindo poucas falas, andei esquecendo o texto. Quando escrevo o roteiro, fracasso; as comédias viram dramas, e os dramas transforma-se em piadas; tenho sido alvo de chacota, mas não me importo, minha imagem é assaz insignificante para ser preservada. Fui convidado para dirigir uma tragédia POP, sentimentalmente melancólica; aceitei com ar de indiferença, sem saber que estava promovendo meu próprio assassinato. O enredo era simples, similar aos mais simplórios romances adolescentes, no entanto a atriz, a estrela da peça, passava longe do lugar comum, ela destoava drasticamente dos outros atores; a peça foi um fracasso, mas ELA voou para longe, alcançou o infinito, conquistou a fama merecida. Hoje estou perdido, não consigo trabalhar com novos atores, e minha companhia de teatro não possui um centésimo do capital para voltar a contratar a atriz que cegou meus olhos com seu recrudescente brilho. Portanto, desisto; irei fechar meus olhos e imaginá-la, talvez assim eu volte à vida.

You are all I need

Acho que devo parar de escrever, a música fala muito mais do que qualquer esclarecimento. Dependendo da perspectiva tudo está certo ou tudo está errado. Lutar ou desistir nem sempre são as únicas opções, pois é difícil definir o que buscamos ou queremos. Minto?

You are all I need

Venho tentando descobrir o que é o Amor; não sei se amo uma palavra, uma imagem ou um significado, mas tenho medo do ridículo, das pessoas que me lançam olhares secos, amargos, opressores e incompreensíveis, das risadas vomitadas pelas minhas costas, do sarro ofensivo direcionado ao meu sofrimento, do menosprezo que aflige meus sentidos e, principalmente, da indiferença, de ser invisível aos olhos de tudo e de todos. Bobagens, apenas bobagens...

You are all I need

Nestes devaneios improfícuos, tento destilar meus sentimentos, ensinar, ao ébrio langoroso que entorpece minha sensibilidade, o poder da razão, enganar o óbvio, iludindo meus olhos para que eles não enxerguem minhas infindáveis feridas emocionais. A quem eu engano?

You are all I need

Quando estou sozinho quero me comunicar, mas no meio da multidão adoro o silêncio. Não me entendo, devo ser paranoico, neurótico ou louco. A comodidade em escrever na solidão de um quarto vazio, a segurança, a falta de censura e dos olhares indiscretos, talvez expliquem esta propensão ao isolamento. O pior de tudo, é que a internet apazígua nossas necessidades comunicativas; ao optar pelo discurso indireto, incorpóreo e virtual, fechamos as portas para o mundo; na frente da tela somos verborrágicos, no entanto, diante das pessoas, um simples “olá” pode travar a garganta. Putz, quanta asneira.

You are all I need

Serei sincero, o melhor sinônimo para Amor talvez seja Obsessão. Segundo o Aurélio obsessão é “uma ideia fixa que persegue”, para o mesmo dicionário, o amor é “um sentimento de dedicação absoluta de um ser a outro”. Não haveria uma proximidade entre os significados? Sei que existe obsessão sem amor, no entanto todo o amor exige um certo grau de obsessão. Se o amor não for uma ideia fixa, ele não é amor; portanto, não posso me culpar por algo natural.

You are all I need

Posso chorar, gritar, rir ou gargalhar; no fundo tudo é uma comédia, nada importa; vivemos em um tempo improvável, sobre uma atmosfera indecifrável e em lugares indefiníveis. O mundo está ao contrário, nossos novos ídolos dão porrada, quebram dentes e arrebentam costelas; não há mais espaço para a delicadeza, a poesia morreu e, junto com ela, foi embora a minha esperança.

You're so fucking special
I wish I was special
But I'm a creep...*

Acabei de jogar o dado, tirei 1, estou sem sorte; perdi mais uma vez.

You are all I need

Tenho a impressão que este é meu pior texto; frases desconexas e sem sentido; toda a enrolação textual apenas pra dizer:

You are all I need

FG

Obs:*Referência à música mais conhecida do Radiohead
Este texto ficou quebrado, mas a lógica dos "devaneios" é assentar na cadeira, ouvir a música quantas vezes for necessário, e escrever, sem interrupções, tudo que vier na cabeça. 


Comentários

  1. Só posso dizer que seu texto não está desconexo!De um parágrafo a outro o sentimento é despejado... muito intenso! O personagem não é uma aberração, diferente de todo o resto... apenas possui a lucidez para captar todo o seu sentimento e transformar em palavras suas aflições. A maioria das pessoas são incapazes de reconhecerem a si mesmas, não sabem nada sobre suas vidas, angústia, sonhos...

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  2. "Há ainda uma terceira porta, saída de emergência para os desiludidos do amor, não, nada de matar o objeto da paixão ou esperar com o pensamento negro de ódio que ela vire uma megera jogando moscas na sopa do marido hemiplégico, mas renunciar. Simplesmente renunciar com o coração limpo de mágoa ou rancor, tão limpo que em meio do maior abandono (difícil, hem!) ainda tenha forças para se voltar na direção da amada como um girassol na despedida do crepúsculo. E desejar ao menos que ela seja feliz."

    o-direito-de-nao-amar-lygia-fagundes

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