You are all I need
Sou feito de matéria, tenho 46 cromossomos e ando sobre duas pernas;
como qualquer pessoa evolui de um emaranhado de proteínas, passei
por vários estágios embrionários até me tornar um feto; tempos
depois cheguei ao mundo, respirei e, certamente, provoquei um imenso
sorriso no rosto de minha mãe. Naquela época tinha algumas
necessidades; ar, leite e proteção talvez fossem as três mais
importantes. O tempo passou, aprendi a respirar sem sofrimento, além
de ter substituído o leite por um cardápio sofisticado, contudo
meus anseios protetivos infelizmente se modificaram, não me
satisfaço apenas com o amor familiar, preciso preencher novos
espaços, abrir a janela de casa para contemplar o universo social.
Entrementes, algo me puxa para trás ou me empurra para frente, não
sei ao certo se isto é bom ou ruim, mas hoje me sinto preso, sem
qualquer liberdade. Sei que sou o único culpado, que mereço todas
as privações; portanto, não irei apelar para instâncias
superiores, meu julgamento foi justo, a sentença bem aplicada e o
Estado tem me tratado bem, distante e sem alarde. Na prisão fiz
alguns amigos, eles me ensinam a converter meus pensamentos em alguma
forma rudimentar de expressão, lá os pequenos incentivos são
palavras de ordem, me impelem a continuar, seguir em frente,
persistir nesta inócua atividade de comunicação. But...
You are all I need
Tenho pensado bastante a respeito de minhas escolhas e objetivos, aos
poucos percebo que não me adéquo aos planejamentos, à organização
sistemática ou à lógica moderna da estruturação de futuros pré
moldados; no silêncio de meu quarto sou impulsivo, deixo-me levar
por qualquer entretenimento barato, inclusive tenho adorado rir e
chorar diante da cultura pop. Não irei desprestigiar os ingleses do
Radiohead, ao contrário, todas as referências que inspiram as
postagens deste blog são respeitadas e homenageadas pelo tolo
insensato que decidiu escrever bobagens dificilmente lidas, seria
hipocrisia de minha parte vilipendiar uma banda que tem acalentado
meus insignificantes sofrimentos. Ainda não sei se este texto
chegará ao fim, as palavras tem me deixado desamparado; minha amiga,
a linguagem, me abandonou; e não sinto mais a música, ela se foi
sem se despedir. No entanto, acho que um novo devaneio quer nascer,
gritar para o mundo que ele existe. Venha! Dispa minha alma e
desseque meu espírito, pois não tenho mais medo; o recalque de
outrora se perdeu, foi embora junto à toda falsa emulação dos
sentidos.
You are all I need
Antes de recomeçar devo escolher meus interlocutores, ainda não sei
se escrevo para tranquilizar meus sentimentos, para gritar que estou
vivo ou para anunciar ao mundo algo escondido dentro de mim. Na
realidade estou morto, a chama que fazia meus olhos dardejarem foi,
aos poucos, se atenuando, até se extinguir completamente. Sempre
estive atrás dos palcos, fui coadjuvante da minha própria vida, e
mesmo possuindo poucas falas, andei esquecendo o texto. Quando
escrevo o roteiro, fracasso; as comédias viram dramas, e os dramas
transforma-se em piadas; tenho sido alvo de chacota, mas não me
importo, minha imagem é assaz insignificante para ser preservada.
Fui convidado para dirigir uma tragédia POP, sentimentalmente
melancólica; aceitei com ar de indiferença, sem saber que estava
promovendo meu próprio assassinato. O enredo era simples, similar
aos mais simplórios romances adolescentes, no entanto a atriz, a
estrela da peça, passava longe do lugar comum, ela destoava
drasticamente dos outros atores; a peça foi um fracasso, mas ELA
voou para longe, alcançou o infinito, conquistou a fama merecida.
Hoje estou perdido, não consigo trabalhar com novos atores, e minha
companhia de teatro não possui um centésimo do capital para voltar
a contratar a atriz que cegou meus olhos com seu recrudescente
brilho. Portanto, desisto; irei fechar meus olhos e imaginá-la,
talvez assim eu volte à vida.
You are all I need
Acho que devo parar de escrever, a música fala muito mais do que
qualquer esclarecimento. Dependendo da perspectiva tudo está certo
ou tudo está errado. Lutar ou desistir nem sempre são as únicas
opções, pois é difícil definir o que buscamos ou queremos. Minto?
You are all I need
Venho tentando descobrir o que é o Amor; não sei se amo uma
palavra, uma imagem ou um significado, mas tenho medo do ridículo,
das pessoas que me lançam olhares secos, amargos, opressores e
incompreensíveis, das risadas vomitadas pelas minhas costas, do
sarro ofensivo direcionado ao meu sofrimento, do menosprezo que
aflige meus sentidos e, principalmente, da indiferença, de ser
invisível aos olhos de tudo e de todos. Bobagens, apenas bobagens...
You are all I need
Nestes devaneios improfícuos, tento
destilar meus sentimentos, ensinar, ao ébrio langoroso que entorpece
minha sensibilidade, o poder da razão, enganar o óbvio, iludindo
meus olhos para que eles não enxerguem minhas infindáveis feridas
emocionais. A quem eu engano?
You are all I need
Quando estou sozinho quero me comunicar, mas no meio da multidão
adoro o silêncio. Não me entendo, devo ser paranoico, neurótico ou
louco. A comodidade em escrever na solidão de um quarto vazio, a
segurança, a falta de censura e dos olhares indiscretos, talvez
expliquem esta propensão ao isolamento. O pior de tudo, é que a
internet apazígua nossas necessidades comunicativas; ao optar pelo
discurso indireto, incorpóreo e virtual, fechamos as portas para o
mundo; na frente da tela somos verborrágicos, no entanto, diante das
pessoas, um simples “olá” pode travar a garganta. Putz, quanta
asneira.
You are all I need
Serei sincero, o melhor sinônimo para Amor talvez seja Obsessão.
Segundo o Aurélio obsessão é “uma ideia fixa que persegue”,
para o mesmo dicionário, o amor é “um sentimento de dedicação
absoluta de um ser a outro”. Não haveria uma proximidade entre os
significados? Sei que existe obsessão sem amor, no entanto todo o
amor exige um certo grau de obsessão. Se o amor não for uma ideia
fixa, ele não é amor; portanto, não posso me culpar por algo
natural.
You are all I need
Posso chorar, gritar, rir ou gargalhar; no fundo tudo é uma comédia,
nada importa; vivemos em um tempo improvável, sobre uma atmosfera
indecifrável e em lugares indefiníveis. O mundo está ao contrário,
nossos novos ídolos dão porrada, quebram dentes e arrebentam
costelas; não há mais espaço para a delicadeza, a poesia morreu e,
junto com ela, foi embora a minha esperança.
You're so fucking special
I wish I was special
But I'm a creep...*
Acabei de jogar o dado, tirei 1, estou sem sorte; perdi mais uma vez.
You are all I need
Tenho a impressão que este é meu pior texto; frases desconexas e
sem sentido; toda a enrolação textual apenas pra dizer:
You are all I need
FG
Obs:*Referência à música mais conhecida do Radiohead
Este texto ficou quebrado, mas a lógica dos "devaneios" é assentar na cadeira, ouvir a música quantas vezes for necessário, e escrever, sem interrupções, tudo que vier na cabeça.
Só posso dizer que seu texto não está desconexo!De um parágrafo a outro o sentimento é despejado... muito intenso! O personagem não é uma aberração, diferente de todo o resto... apenas possui a lucidez para captar todo o seu sentimento e transformar em palavras suas aflições. A maioria das pessoas são incapazes de reconhecerem a si mesmas, não sabem nada sobre suas vidas, angústia, sonhos...
ResponderExcluirTalvez não saber de nada seja melhor.
Excluir"Há ainda uma terceira porta, saída de emergência para os desiludidos do amor, não, nada de matar o objeto da paixão ou esperar com o pensamento negro de ódio que ela vire uma megera jogando moscas na sopa do marido hemiplégico, mas renunciar. Simplesmente renunciar com o coração limpo de mágoa ou rancor, tão limpo que em meio do maior abandono (difícil, hem!) ainda tenha forças para se voltar na direção da amada como um girassol na despedida do crepúsculo. E desejar ao menos que ela seja feliz."
ResponderExcluiro-direito-de-nao-amar-lygia-fagundes
Ótimo texto, tentarei lê-lo na íntegra.
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