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O Amor e Seus Contratos - Carlos Drummond de Andrade




Voltas a um mote de Joaquim Francisco Coelho
.
Nos contratos que tu lavras
não vi, Amor, valimento.
Só palavras e palavras
feitas de sonho e de vento
.
.
Tanto nas juras mais vivas
como nos beijos mais longos
em que perduram salivas
de outras paixões ainda ativas,
sopro de angolas e congos,
eu sinto a turva incerteza
(ai, ouro de tredas lavras)
da enovelada surpresa
que põe tanto de estranheza
nos contratos que tu lavras.
.
Por mais que no teu falar
brilhe a promessa incessante
de um afeto a perdurar
até o mundo acabar
e mesmo depois – diamante
de mil prismas incendidos,
amarga-me o pensamento
de serem pactos fingidos
e nos seus subentendidos
não vi, Amor, valimento.
.
Experiências de escrituras,
eu tenho. De que me serve?
Após sofridas leituras
de ementas e de rasuras,
no peito a dúvida ferve,
se nos mais doutos cartórios
de Londres, Londrina, Lavras
para assuntos amatórios,
teus itens são ilusórios,
só palavras e palavras.
.
As nulidades tamanhas
que te invalidam o trato
não sei se provêm de manhas
ou de vistas mais estranhas.
Serão talvez teu retrato
gravado em vento ou em sonho
como aéreo documento
que nunca mais recomponho.

São todas – digo tristonho –
feitas de sonho e de vento.

(poema retirado do livro "Corpo" de Carlos Drummond de Andrade da Editora Record)

Obs: Colóquio interno: "Engraçado, a tempos atrás este poema fazia algum sentido" 


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