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Aventuras de Ravi - XIII

A floresta ficou para trás, e o céu esverdeado adquiriu um novo tom, uma mistura do cobre com o amarelo. Andavam numa superfície arenosa, semelhante a um deserto. Ravi percebeu que ao redor nada havia, apenas quilômetros sem fim de areia. O Panda informou que seguiriam para o norte, que após o deserto encontrariam terras férteis habitadas por diversos povos. 

O solo era quente, queimavam as patas do animal, pouco habituadas ao calor. Para aliviar as queimaduras, intensificou o ritmo. Usando as mãos, correu a toda velocidade como se fosse um quadrúpede.

Vencido o deserto, avistaram uma casinha no alto de uma montanha.

"Meu nobre amigo, não posso mais acompanhá-lo. Naquela casa vivem pequeninos como tu. Vá até eles e pergunte como chegar onde deseja; talvez eles possam ajudá-lo."

"Por que não vem comigo? Não quero ficar sozinho."

"Não posso, Mister Ravras. Eles têm medo de mim. Suas lendas dizem que sou mal. Minha palavra e até mesmo a sua não teriam qualquer força frente suas milenares crenças. Aliás não diga que estava comigo; eles podem se assustar e não querer oferecer abrigo. Vou voltar para a floresta. Quando precisares de minha ajuda venha até este local e assopre este bambu." - retirou um pauzinho diminuto da cintura. O objeto era tão pequeno, se comparado ao corpanzil do animal, que Colossos teve dificuldades em manuseá-lo. O bambu parecia uma flauta. - "Quando soprar, virei em auxílio."

Ravi agradeceu ao amigo, se despediu dizendo que voltaria, assim que reencontrasse o pai, para que Colossos lhe ensinasse a sabedoria e a linguagem das criaturas negras. Colossos, colocando a língua pra fora, na sua característica expressão cômica, acenou para o garoto. Antes de tomar o caminho de volta, disse apontando para o céu.

"Está vendo aquela nuvem azul? Ela sempre aponta para o norte. Se se sentires perdido, olhe para a nuvem, ela lhe indicará o caminho."

Ravi se deu conta que havia esquecido daquela nuvem. A companhia do amigo fora tão prazerosa e lhe deu tanta segurança que não se lembrou de perguntar sobre ela.

"Nem lembrava da nuvem azul. Parece que ela está em todos os lugares, e resguarda sempre a mesma forma."

"É apenas uma nuvem. Está no céu e o seu mistério pode incutir falsas crenças."

"Quando a vi no céu pela primeira vez, pensei que ela me indicaria o caminho de volta. Mas agora acho que terei que me guiar por aquilo que está dentro de mim e não fora."

"Ela será como um mapa, nada mais que isso. Não se iluda com seus mistérios. Meus antepassados acreditavam que ela era uma divindade, mas eram apenas crenças; uma narrativa ilusória, falsa."

"Às vezes acho que você é muito duro com a realidade que o rodeia."

"Tem razão, mas foi a vida que me ensinou a ter prudência com aquilo que não está ao meu alcance."

*** 


Enquanto Ravi se aventurava no novo mundo, Philippe e Ancian enfrentavam a tormenta da inundação. O velho topógrafo havia se lançado às águas para tentar resgatar o amigo. Conhecia bem o rio e se conseguisse chegar até Philippe saberia conduzi-lo até um leito seguro. Alguns metros rio abaixo, Ancian, se esforçando muito para superar a correnteza, encontrou o corpo do homem rinoceronte. Segurando-o pelos braços, ainda sobre o efeito deletério das águas que insistia em afogá-lo, conseguiu salvar o amigo. Com hercúlia perícia, nadou até a margem. Deitou Philippe sobre o solo e após os primeiros socorros, viu seu amigo recobrar a consciência. Ainda atordoado, perguntou sobre o filho. Em completa ingratidão, acusou Ancian de ter abandonado Ravi; e mesmo antes de recobrar as forças saiu em sua procura. Não poderiam encontrar o menino naquele dia, já que o garoto estava do outro lado do rio e tentar atravessá-lo de novo seria suicídio. Ancian acalmou o pai desorientado, dizendo que Ravi estava seguro ao lado do cavalo Colossos. No dia seguinte, quando as águas do rio tivessem baixado, sairiam em sua busca. Inconformado teve de voltar com o topógrafo à cidadezinha.

Na manhã seguinte, guiados por dois cavalos cinzentos, voltaram à floresta; atravessaram o rio, novamente calmo e raso, à procura do menino. Após horas percorrendo cada esguelha de superfície, encontraram o cavalo negro deitado ao chão e já sem vida. Presumiram que Colossos tinha caído do barranco.

"Meu Deus, como pude permitir que meu filho se aventurasse nesta busca infortuna e perigosa. Onde ele estará? Ele é apenas uma criança, talvez esteja machucado agonizando em dores." - dizia Philippe em desespero.

"Acalme-se, se o garoto não está aqui é porque nada sofreu. Ele deve estar tentando voltar pra casa. Quem sabe não esteja preocupado conosco, já que não sabe se nós nos safamos do rio."

"Tudo sua culpa, seu velho idiota. Por que abandonou meu filho?" - o missionário já não conseguia conter as lágrimas. Para um homem tão frio e circunspecto, tão calejado pelas intempéries da vida; a possível perda do filho parecia desvelar uma amplitude nova do seu ser. Estava inconformado, fora de si.   

Continuaram procurando o garoto. Ao anoitecer estavam tão longe da cidadezinha que já não poderiam retornar. No meio da floresta avistaram uma pequena charneca que se destacava. No meio do terreno vazio havia uma casinha, e a fumaça que saia pela chaminé indicava que alguém vivia naquela pequena construção. Batendo palmas, se anunciaram. Um mulher de porte delicado apareceu a porta, e em mandarim disse algo aos visitantes. Philippe que não compreendia bem o idioma, deixou que o topógrafo conversasse com ela. Após as explicações, permitiu que os dois entrassem; daria abrigo aos missionários. Já no interior da mansarda, perceberam que a mulher estava grávida, e que pelo tamanho da barriga o bebê não tardaria em nascer. Ela estava sozinha, e durante alguns minutos, antes dos três repousarem, prosearam.

FG

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