Ao ver Giallo chegar, desceu a montanha e bateu a porta dos cabeçudos. Nesta altura o amarelo já estava à parte do ocorrido. Abriu a porta, e deixou que o garoto entrasse. Em sorrisos, disse chistoso:
"Meu amigo, vejo que ainda nos faz companhia. Queria te lembrar que nosso acordo ainda está de pé. Se disseres onde encontrou a flauta, te levaremos pra casa. Hoje mesmo conversei com um ancião na cidade, um antigo afeto do meu pai. O Senhor Green, exímio viajante, conhece muito bem as localidades mais longínquas. Disse que para chegar a França, a bela França, precisa atravessar o deserto de gelo que fica a oeste das perigosas terras da feiticeira Kundrum. O caminho até lá é absconso. Eu diria que poucos ousariam entrar no território negro da feiticeira; no entanto, o nobre Senhor Green conhece criaturas dispostas a auxiliá-lo. Se me deres a informação correta, arranjarei os meios para que possa voltar pra casa em segurança."
"Feiticeira? Um andarilho me falou sobre uma feiticeira. Talvez eu precise cruzar com ela para concluir minha jornada. Mas, Giallo, eu realmente não sei nada sobre as ruínas das criaturas negras. Por favor, acredite em mim."
Desapontado, o amarelo ficou alguns minutos sem reação; em pouco tempo, porém, desenvolveu novo raciocínio:
"Ok menino, suponhamos que esteja dizendo a verdade. Posso pedir ao Senhor Green que lhe arranje escudeiros para sua longa viajem até a França; no entanto ele me cobrará um preço. Eu e meus irmãos não podemos pagá-lo. Se passares algum tempo com ele, ajudando-o em alguns afazeres domésticos, talvez ele concorde em lhe fornecer o subsídio necessário. Estou sendo muito generoso contigo, mas às vezes fico com coração mole."
Na verdade Giallo tinha uma pequena dívida com Senhor Green, algumas promissórias não pagas que o velho ancião ameaçava levar à justiça. Nem mesmo seus irmãos sabiam da dívida. Acreditava que o menino poderia servir ao seu credor como escravo por algum tempo em troca do perdão da sua inadimplência. O astuto amarelo mais uma vez tentava levar vantagem, no entanto esqueceu de um pequeno detalhe, a flauta. Ele acabara de entregar o instrumento ao velho, abatendo parte da dívida.
"Obrigado. Mas antes de ir, queria minha flauta de volta."
Giallo ficou desconcertado, mas não se abateu, concluindo a farsa:
"Ah... sim, a flauta! Eu emprestei ao Senhor Green, ele é um grande apreciador da música e um instrumentista de talento. Irá adorar saber que a flauta lhe pertencia. Mas de princípio não comente nada sobre ela, se disser que o instrumento é seu, ele não permitirás que parta, provavelmente tentará te ensinar por anos tudo que sabe de música. Portanto, te aconselho que só reivindique a flauta quando já estiveres com tudo pronto para a partida."
Ravi ficou um pouco confuso e desconfiado, porém resolveu acreditar no discurso nada atilado do seu interlocutor. Combinaram de ir à cidade pela manhã. Os três irmãos iriam juntos para convencer o velho e cuidar de outros assuntos.
O menino, após nova noite fria, foi até a casa de alvenaria esperar os irmãos. Os três apareceram em cima do tapete; Colère aparentava estar descontente, não gostava de ir à cidade, já que não podia levar seu machado. Ravi subiu no transporte e com grande prazer admirou a paisagem.
Do alto tudo parecia mais belo. A vegetação do lugar se assemelhava a uma estepe ou cerrado, as árvores eram pequenas e permeadas por longos campos de gramíneas. O solo alaranjado combinava com perfeição ao céu de coloração semelhante, e a nuvem azul dava um contraste inebriante àquela atmosfera fantasiosa.
Quando chegaram às muralhas que cercavam a cidade, pousaram. Não podiam trafegar com o artefato voador pelas ruas do local, havia uma lei proibindo tal artimanha. Os muros eram de madeira maciça e aparentavam bruta rigidez. Anunciaram a chegada antes dos portões se abrirem. Ravi percebeu que dois guardiões vermelhos, com cabeças um pouco menores que a dos irmãos, tomavam conta da entrada. Vestiam roupas pretas e carregavam à cintura objetos que pareciam ser armas.
A medida que adentravam a cidade, o cheiro forte ficava, ao olfato de Ravi, cada vez mais insuportável. Percebeu que precisaria de alguma máscara para resistir ao odor. Muitos cogumelos trafegavam pelas ruas cheias de lojas e ambulantes. A maioria dos vendedores eram amarelos; dentre os consumidores, os roxos estavam mais bem vestidos. Muito embora o garoto não soubesse avaliar a qualidade das vestimentas daquele povo, conseguia notar diferenças a depender da coloração da cabeça. Muitos marrons estavam deitados ao chão, eram, obviamente, mendigos. As casas e construções eram feitas de uma gosma verde muito estranha, e por todos os lados existiam pedaços gigantescos de árvores mortas. O amarelo informou ao garoto que estavam no subúrbio da cidade, local onde o comércio era efervescente. Os palácios e os prédios públicos, incluindo o parlamento, a universidade e a catedral, ficavam mais ao centro; eram construções suntuosas, de encher os olhos de qualquer visitante.
Alguns cogumelos olhavam para o menino desconfiados. Malgrado fosse permitido e até comum a visita de estrangeiros; aquele povo estava pouco afeito à espécie de criaturas humanas. Antes de chegar à casa do Senhor Green, foram abordados por um policial de cabeça vermelha um pouco maior do que a deles.
"Quem é essa criatura? O que ela faz aqui com vocês? Por acaso tem documentos?"
"É um amigo que veio prestar serviços. Está de passagem e logo irá embora. Sua raça não confecciona documentos, mas posso garantir que ele é ordeiro." - disse Giallo com voz amena.
"Tudo bem, mas se ele passar a noite na cidade terá que ir até a unidade policial para formalizar sua estadia."
"Sim, cumpriremos a ordem." - Colère respondeu, se antecipando ao irmão.
O amarelo, após se livrarem do policial, fingiu, mesmo com os resmungos insistentes do irmão vermelho, que a ordem não tinha sido dada. Para ele aquela formalidade burocrática não tinha importância. Acreditava que não seriam abordados por outro policial. Bleu não se manifestou, e a contenda ficou por isso mesmo.
A paisagem exótica e aquele cheiro estavam confundindo os pensamentos de Ravi. No meio de uma das movimentadas ruas que percorriam, o menino, para espanto dos cabeçudos, perdeu a consciência. O desmaio poderia ser um mero achaque ou um grande envenenamento.
FG
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