Philippe nasceu na França, numa noite de nevasca. Era o primeiro filho de um casal que se conhecera na guerra. Seu pai era brasileiro e tinha descendência italiana, sua mãe uma típica francesa. Durante a invasão das tropas aliadas ao norte da França, seu pai Francisco, integrante de uma das unidades militares que ofereciam suporte ao exército americano, foi atingido por estilhaços de bombas lançadas pelos alemães. Ferido foi levado à Le Havre, onde conheceu Adelie, sua futura esposa. Com o fim da guerra, casou-se e permaneceu na França ao lado da mulher. Mudaram-se para Giverny, cidadezinha bela e pacata nos arredores de Paris. Era mecânico, por isso, graças à sua habilidade diante de um motor, conseguiu ter uma vida digna no difícil período do pós guerra. Teve três filhos com a mulher, dois meninos e uma menina. Ela, enfermeira de formação, após o casamento viveu exclusivamente para educar os filhos.
Católico praticante, Francisco sempre incentivou Philippe nos estudos da fé cristã. Malgrado não tivesse grande bagagem teórica, adquirira bastante conhecimento com os ensinamentos da vida e os augúrios da guerra. Era sábio, amável com a mulher, e bom provedor; porém cheio de preconceitos. De certa forma, quando o filho mais velho decidiu seguir pelo caminho do sacerdócio, sentiu-se realizado. Sempre pensou que suas virtudes eram um presente de Deus, e ver um filho tão próximo daquele que lhe proporcionava respeito e estima lhe enchia de admiração. Seus outros filhos, ao contrário de Philippe, fizeram escolhas pouco dignas aos seus olhos. Os outros dois se afastaram da igreja ainda muito jovens. Laura, entrou na universidade de Paris para estudar filosofia, e nos primeiros anos na capital se filiou ao partido comunista. Não casou, nem teve filhos; e se tornou reconhecida no meio acadêmico como uma grande crítica da moralidade burguesa. Para o pai, a filha era uma decepção. Ela deveria ter se casado com algum homem probo, e lhe dado netos. Porém, seu maior desgosto foi Pietro, o caçula. Embora nunca tivesse admitido para si mesmo, sabia que o filho, um pintor mequetrefe, vivia com outro homem. Ficaram anos sem se falar, e só se reconciliaram com a morte da mãe, Adelie.
Na época do falecimento da mãe, Philippe vivia no Congo; não pôde participar das condolências, já que a triste notícia demorou alguns dias para chegar até ele. Após a tragédia no país africano voltou para a França e largou o sacerdócio. Quando começou a lecionar na escola de Giverny, estreitou os laços com o pai. Em seus primeiros anos de volta à cidade de origem, morou na mesma casa que havia sido criado, ao lado pai. Francisco, durante este período, abatido pela idade e pela perda da mulher, ainda não tinha se reconciliado com Pietro, e quase não encontrava com Laura. O primogênito passou a ser sua única companhia. Passava as tardes ouvindo rádio, prática adquirida na infância e que o acompanharia até os seus últimos dias. O massacre do Congo teve muita repercussão na França, e, mesmo depois da volta do filho, os noticiários, que ouvia na rádio, ainda falavam sobre o assunto. Muito embora tenha acompanhado cada minúcia das informações sobre a tragédia congolesa, Francisco nunca comentara com o filho sobre a experiência. Seus anos na guerra, talvez tenham lhe ensinado que os nossos grandes traumas devem ser sepultados nas profundezas da memória.
Quando o filho se casou com Veronique e anunciou a gravidez da mulher, o pai, já muito adoentado, teve um novo sopro de vida. Reconquistou a alegria, já que sempre sonhara com netos. Com o espírito renovado, perdoo Pietro e tentou ser mais amável com Laura. Em agosto, um mês antes de Ravi nascer, promoveu um encontro com os filhos; relembrando e resgatando a época em que eles eram meninos. Foi uma tarde adorável de muito sol e calor. Todos compartilharam experiências, deixando os ressentimentos de lado. Porém, mais tarde, o encontro se transformou em despedida; Francisco faleceu semanas depois, sem conhecer o neto.
Com a morte do pai, Philippe, que já morava em outra casa com Veronique, cuidou dos bens deixados pelo velho. A antiga casa de infância foi vendida, e os irmãos aos poucos se distanciaram. Ravi nasceu no final de setembro, no hospital público da cidade. Tudo foi feito com toda a diligência médica. Veronique, anestesiada, nada sentiu; foi mera expectadora do próprio parto. Seu filho veio ao mundo pelas mãos higienizadas de um homem vestindo branco. Philippe não quis ver o trabalho dos profissionais, esperou o filho ficar asseado e limpinho para poder contemplá-lo. O nascer do filho seguiu a lógica da vida paterna; obedecendo regras e protocolos, sem questionamentos, sem sensibilidade.
Desde, pequeno o homem rinoceronte demonstrava espírito ordeiro e facilidade em se submeter aos comandos. Não questionava o pai, obedecia a mãe e respeitava sem o mais tênue senso crítico as normas morais impostas pela educação cristã. O caminho do celibato caiu com perfeição ás sua personalidade. Bom filho, bom aluno, bom cristão, bom menino; sempre impecável no comportamento, sempre correto e submisso à autoridade. Tirava boas notas na escola e tinha um interesse genuíno pelas histórias da bíblia. Era querido pelos professores, mesmo tendo aversão à simpatia. Sua altivez e respeito aos mais velhos sempre lhe proporcionaram boas impressões.
Quando jovem entrou no seminário, onde cursou teologia. Sua facilidade com idiomas o transformou em missionário. Antes do Congo, esteve na Polônia. Falava com perfeição o italiano, o espanhol, o português e o inglês. Entendia um pouco de alemão e de polonês. No país africano, se comunicava normalmente em francês, já que a maior parte da população falava o idioma, mas na aldeia, onde muitos não reconheciam a linguagem europeia, teve que estudar o kituba, língua assaz querida por ele. A gramática era o que mais lhe seduzia. Saber que tudo se estruturava em regras perfeitas, que homens de diferentes lugares e culturas podiam se entender caso se submetessem às mesmas estruturas rígidas de trocas fonéticas, exultava sua compreensão, e enchia seu espírito de prazer. Através da linguística contemplava a excelência de Deus.
FG
Quando jovem entrou no seminário, onde cursou teologia. Sua facilidade com idiomas o transformou em missionário. Antes do Congo, esteve na Polônia. Falava com perfeição o italiano, o espanhol, o português e o inglês. Entendia um pouco de alemão e de polonês. No país africano, se comunicava normalmente em francês, já que a maior parte da população falava o idioma, mas na aldeia, onde muitos não reconheciam a linguagem europeia, teve que estudar o kituba, língua assaz querida por ele. A gramática era o que mais lhe seduzia. Saber que tudo se estruturava em regras perfeitas, que homens de diferentes lugares e culturas podiam se entender caso se submetessem às mesmas estruturas rígidas de trocas fonéticas, exultava sua compreensão, e enchia seu espírito de prazer. Através da linguística contemplava a excelência de Deus.
FG
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