Colère, antes de ir ao Povo do Maracujá, decidiu passar em casa. Precisava de alguns mantimentos extras, uma sopa de fungos, um guizado de larvas frescas e uma salada de cascas de árvore seriam suficientes; porém, mais do que qualquer iguaria, ansiava pelo machado. Aquelas horas longe do instrumento de estimação estavam deixando-o louco. A lâmina afiada e o cabo comprido trariam conforto e proteção contra criaturas suspeitas.
De volta ao tapete e ao lado do menino que parecia dormir um sono intranquilo, pensou sobre tudo o que acontecia. No dia anterior estava na floresta colhendo e semeando plantas e sementes saborosas para ele e seus irmãos, agora teria de entrar no território desconhecido de um povo exótico. Eles poderiam ser perigosos, traiçoeiros; se não fosse a lealdade e afeto que nutria por Giallo e Bleu, certamente não se aventuraria nesta tarefa tão imprudente; afinal, Ravi era um qualquer, e como tal não merecia esforço algum para ser salvo.
O caminho percorrido era relativamente longo. Primeiro o deserto, depois a estepe para finalmente chegar nas savanas férteis habitadas por maracujás gigantes. Durante o percurso não encontrou nenhuma alma viva, apenas o colorido do céu, as multiformas do relevo e a nuvem azul. Quando avistou o primeiro maracujá, todo alaranjado e cheio de rugas marrons, diminuiu o ritmo; a qualquer momento poderia ser surpreendido por um ataque ou emboscada. Bastante vigilante, atento ao menor ruído, conseguiu perceber uma canção vindo ao longe. Homens e mulheres, em circulo, faziam uma espécie de celebração; a luz do local era intensa e o calor abusivo. Parou a uma distância de cinquenta metros e esperou até que alguém notasse sua presença e viesse ao seu encontro. Quando as vozes cessaram, um homem com a mesma aparência de Ravi, porém com a pele mais escura e de tamanho consideravelmente maior, se aproximou.
"Amigo cogumelo, vejo que traz com você um menino. Ele não parece bem."
"Vim apenas trazê-lo, não pretendo me aproximar do seu território. Esta criatura apareceu em minha casa, pedindo abrigo. Eu e meus irmãos o acolhemos, mas por algum motivo misterioso ele passou mal. Agora está inconsciente e precisa de algum tratamento. Nós, no entanto, não sabemos como revivê-lo, por isso resolvi trazê-lo até vocês." - Colère tentava ser amistoso, porém sua carranca mal humorada era insubstituível.
"Não se preocupe amigo, sabemos como tratá-lo. Alguns dias de repouso e uma alimentação vivificante serão suficientes para trazê-lo de volta. Aqui temos sementes em abundância, muitas delas são mágicas, capazes de curar qualquer criatura. Não importa a doença ou o ferimento, nossas sementes são de vida, deixam todos mais fortes e sábios." - O homem falava com suavidade. O contraste de sua expressão e tom de voz com a de Colère era imenso.
"Quantos dias para recuperá-lo? Tenho que levar o menino de volta o quanto antes."
"Cada organismo é único, e por isso o tempo de recuperação não pode ser calculado. Um dia, uma semana, um mês ou mais; tempo e espírito trafegam em dimensões distintas. Paciência e cuidado é o que o corpo desse menino precisa. Nosso povo pode oferecer cuidado, tu necessitarás de paciência."
Contrariado, Colère entregou o garoto ao homem e disse que esperaria ali quantos dias fossem necessários. Não aceitou o convite de se juntar ao grupo, preferiu ficar sozinho, a uma distância que lhe trouxesse proteção e ao mesmo tempo lhe permitisse ficar de olhos atentos em Ravi e nas estranhas práticas daquele povo.
FG
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