Pular para o conteúdo principal

Aventuras de Ravi - XXXI

Colère, antes de ir ao Povo do Maracujá, decidiu passar em casa. Precisava de alguns mantimentos extras, uma sopa de fungos, um guizado de larvas frescas e uma salada de cascas de árvore seriam suficientes; porém, mais do que qualquer iguaria, ansiava pelo machado. Aquelas horas longe do instrumento de estimação estavam deixando-o louco. A lâmina afiada e o cabo comprido trariam conforto e proteção contra criaturas suspeitas.

De volta ao tapete e ao lado do menino que parecia dormir um sono intranquilo, pensou sobre tudo o que acontecia. No dia anterior estava na floresta colhendo e semeando plantas e sementes saborosas para ele e seus irmãos, agora teria de entrar no território desconhecido de um povo exótico. Eles poderiam ser perigosos, traiçoeiros; se não fosse a lealdade e afeto que nutria por Giallo e Bleu, certamente não se aventuraria nesta tarefa tão imprudente; afinal, Ravi era um qualquer, e como tal não merecia esforço algum para ser salvo.

O caminho percorrido era relativamente longo. Primeiro o deserto, depois a estepe para finalmente chegar nas savanas férteis habitadas por maracujás gigantes. Durante o percurso não encontrou nenhuma alma viva, apenas o colorido do céu, as multiformas do relevo e a nuvem azul. Quando avistou o primeiro maracujá, todo alaranjado e cheio de rugas marrons, diminuiu o ritmo; a qualquer momento poderia ser surpreendido por um ataque ou emboscada. Bastante vigilante, atento ao menor ruído, conseguiu perceber uma canção vindo ao longe. Homens e mulheres, em circulo, faziam uma espécie de celebração; a luz do local era intensa e o calor abusivo. Parou a uma distância de cinquenta metros e esperou até que alguém notasse sua presença e viesse ao seu encontro. Quando as vozes cessaram, um homem com a mesma aparência de Ravi, porém com a pele mais escura e de tamanho consideravelmente maior, se aproximou.

"Amigo cogumelo, vejo que traz com você um menino. Ele não parece bem."

"Vim apenas trazê-lo, não pretendo me aproximar do seu território. Esta criatura apareceu em minha casa, pedindo abrigo. Eu e meus irmãos o acolhemos, mas por algum motivo misterioso ele passou mal. Agora está inconsciente e precisa de algum tratamento. Nós, no entanto, não sabemos como revivê-lo, por isso resolvi trazê-lo até vocês." - Colère tentava ser amistoso, porém sua carranca mal humorada era insubstituível.

"Não se preocupe amigo, sabemos como tratá-lo. Alguns dias de repouso e uma alimentação vivificante serão suficientes para trazê-lo de volta. Aqui temos sementes em abundância, muitas delas são mágicas, capazes de curar qualquer criatura. Não importa a doença ou o ferimento, nossas sementes são de vida, deixam todos mais fortes e sábios." - O homem falava com suavidade. O contraste de sua expressão e tom de voz com a de Colère era imenso.

"Quantos dias para recuperá-lo? Tenho que levar o menino de volta o quanto antes."

"Cada organismo é único, e por isso o tempo de recuperação não pode ser calculado. Um dia, uma semana, um mês ou mais; tempo e espírito trafegam em dimensões distintas. Paciência e cuidado é o que o corpo desse menino precisa. Nosso povo pode oferecer cuidado, tu necessitarás de paciência."

Contrariado, Colère entregou o garoto ao homem e disse que esperaria ali quantos dias fossem necessários. Não aceitou o convite de se juntar ao grupo, preferiu ficar sozinho, a uma distância que lhe trouxesse proteção e ao mesmo tempo lhe permitisse ficar de olhos atentos em Ravi e nas estranhas práticas daquele povo.  


FG

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Camões vs. Gonçalves Dias - um duelo aos olhos verdes

Redondilha de Camões Menina dos olhos verdes Por que me não vedes? Eles verdes são, E têm por usança Na cor esperança E nas obras não Vossa condição Não é de olhos verdes, Porque me não vedes. Isenção a molhos Que eles dizem terdes, Não são de olhos verdes, Nem de verdes olhos. Sirvo de geolhos, E vós não me credes, Porque me não vedes. Havia de ser, Por que possa vê-los, Que uns olhos tão belos Não se hão de esconder. Mas fazeis-me crer Que já não são verdes, Porque me não vedes. Verdes não o são No que alcanço deles; Verdes são aqueles Que esperança dão. Se na condição Está serem verdes, Por que me não vedes? (poema retirado do livro Lírica Redondilhas e Sonetos de Camões da editora Ediouro) Olhos Verdes de Gonçalves Dias São uns olhos verdes, verdes, Uns olhos de verde-mar, Quando o tempo vai bonança; Uns olhos cor de esperança Uns olhos por que morri; Que, ai de mi! Nem já sei qual

Carta de Despedida

Sentir? Sinta quem lê! Fernando Pessoa Quando alguém ler estas palavras já estarei morto. Não foi por impulso, refleti muito, ao tomar esta decisão; percebi que o melhor não seria viver, mas desistir. Venho, através desta carta, me despedir de algumas pessoas; tenho, antes de tudo, a responsabilidade de amenizar a dor, causada por esta autônoma escolha, que infelizmente afligirá quem não a merece. Cansei de ser covarde, ao menos nesta derradeira atitude assumirei a postura obstinada e corajosa dos homens de fibra; não será por medo e nem por desesperança do futuro que abdicarei da existência, são razões bem mais simplórias que me autorizaram a colocar em prática resoluta solução; na verdade, talvez não exista razão alguma, esta será uma decisão como qualquer outra, e, portanto, será oriunda da mais depurada liberdade de meu espírito. Não quero responsabilizar ninguém, pois apenas eu, sem nenhuma influência exterior, escolhi por um ponto final nesta frase mal escrita

Narrativa Erótica

Um homem cansado fumava seu cigarro refestelado ao sofá, ouvia um pouco de jazz e não pensava em nada; Miles Davis, o inigualável músico americano, preparava seu organismo para uma vindoura noite de prazer. A atmosfera era cálida, desaconselhava as formalidades de qualquer andrajo ou vestimenta; em uma espécie de convite, o calor exortava-o à nudez. Não era belo, tampouco repugnante, tinha alguns atrativos capazes de seduzir mulheres mais liberais, apesar de magro possuía um corpo atlético, bem definido. Três baganas já pendiam sobre o cinzeiro, sua vitrola sibilava o ar com um doce almíscar sonoro de Blue in Green, criando um clima perfeito para possíveis relaxamentos sexuais . D e olhos fechados, aguardava, dentro de uma tranquilidade incomum, ansioso e apoplético; seus movimentos eram delicados, sincronizados, quase poéticos; levava o cigarro à comissura dos lábios, inspirava a fumaça para depois soltá-la, tentando criar figuras mágicas, inebriadas pela falta de pudor. A s