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Aventuras de Ravi - VII

Acordaram bem cedo, antes do nascer do sol. Ravi estava super agitado e seus movimentos denunciavam grande ansiedade. Ancian calmamente se preparava para jornada e Philippe, com o semblante em resmungos, não conseguia disfarçar o fastio, que poderia ser tanto pela ressaca da noite anterior, quanto pelo desânimo de se aventurar numa busca sem sentido. Enquanto pai e filho se arrumavam no quarto, o velho topógrafo preparava torradas com geleia de broto de bambu, comida tipicamente chinesa que ao longo dos anos aprendera a apreciar. Após a refeição, os três deixaram a mansarda em direção ao estábulo, onde três cavalos, prontos para a cavalgada, despunham-se inertes, aguardando o primeiro comando. Um dos cavalos era negro, os outros dois cinzas. O cavalo negro chamava-se Colossos, os cinzas não tinham nome. Diante dos cavalos, Philippe desautorizou o menino de seguir viagem sozinho, achava-o muito jovem para controlar um animal tão grande. Ancian, sem querer abalar a autoridade paterna, comentou.

"Venha comigo, cavalgaremos com o Colossos. Ele é um cavalo dócil e muito sensível; é capaz de adivinhar o caminho certo, mesmo quando nos sentimos perdidos. Acho que se você mentalizar a figura da árvore azul que avistou ontem, Colossos saberá nos guiar até ela" - Ravi olhou para o pai como se esperasse algum sinal de autorização. Ao consentir com a cabeça, ajudou o menino a subir no cavalo; Ancian já estava sobre o animal.

"E você papai, vai com qual cavalo, o mais claro ou o mais escuro?"

Philippe, achou estranha a pergunta do filho, não conseguia discernir qual dos outros dois era mais escuro. Sem dizer palavra, montou sobre o que se encontrava mais perto do seu corpo.

"Como ele chama?" - Ravi perguntou a Ancian.

"Estes outros dois não têm nome. Colossos foi batizado com o nome do pai. Quando eu era jovem, o pai Colossos me ajudou muito na feição desses mapas que carrego na bolsa. Juntos identificamos a maior parte da superfície dessas terras. Ele também era um lindo cavalo negro" - acariciou a crina do animal, antes de prosseguir - "a sensibilidade do nosso colega foi herança do pai, e como os dois eram tão semelhantes, tanto em aparência quanto em comportamento, decidi manter o nome."

"Ah... mas os outros dois deveriam ter nome, tudo deve ter nome. Por que não escolhemos um nome para o cavalo de papai? Já que seguiremos viajem juntos é importante batizá-lo"

Os dois adultos concordaram, sugerindo que a escolha caberia ao menino.

"Vamos chamá-lo de Mago. Mestre Mago."

Com as primeiras nesgas de sol, deixaram a cidadezinha em direção à floresta. Colossos liderava o pequeno comboio. Cavalgavam com lentidão, se orientando pela bússola do velho topógrafo. Tudo indicava que a árvore azul encontrava-se a leste de onde estavam. A primeira hora de jornada foi divertida; Ancian contou diversas histórias da região, lendas e mitos que compunham a cultura local. Ravi atento às palavras do senegalês e ao mesmo tempo de olho na exuberante paisagem que percorriam, absorvia tudo com muita energia. As imensas moitas de bambu e as curiosas árvores dispostas ao seu maravilhado olhar o ajudavam a compor os cenários das narrativas poéticas que ouvia dos lábios do seu companheiro de viagem. Philippe seguia mais calado, fazendo, entre longos intervalos de tempo, pequenos comentários sem vigor ou entusiasmo. 

Ao sol apino, pararam para descansar. Estavam na soleira do rio Verde. Deixaram os animais beberem água e pastarem um pouco, enquanto comiam algumas frutas e o guisado de arroz preparado exclusivamente para a viagem.

"Tenho a impressão que já nos distanciamos em demasia da cidade. Não encontramos nada, e pelo visto este rio não aparenta desembocar numa cachoeira mais pra frente. Talvez seja melhor voltarmos." - disse o homem rinoceronte já tentando identificar os primeiros sinais de decepção nos olhos do seu velho amigo.

"De forma alguma. Conheço muito bem este rio. Quando chove ao norte seu volume aumenta muito. As águas cobrem metros de superfície que circundam seu leito perene. Muito dessa água segue por outros vãos e caminhos. Provavelmente a cachoeira vista pelo seu filho é oriunda das inundações ocasionadas pela chuva. Não encontraremos a árvore azul se seguirmos o rio; se fosse tão fácil assim, todos na região a conheceriam" - apontou para a terra que parecia bastante úmida e continuou - "olhe para o chão, está tudo encharcado; é bem provável que ontem o rio inundou."

Pegou seus mapas e após detalhada observação percebeu que precisavam cruzar o rio e seguir para o sul. Juntaram as coisas, montaram nos cavalos e seguiram viagem. O rio estava raso, sem correnteza; os cavalos o atravessaram com facilidade. Philippe, mesmo desconhecendo os fenômenos naturais e climáticos, achava impossível um rio tão raso após uma enchente no dia anterior. Apesar da dúvida e do descontentamento, nada comentou.

Um pouco mais a frente encontraram um panda que, sem perceber a presença dos invasores, se alimentava, aparentando prazer, bambus acochambrados ao seu redor. Ravi ficou encantado com a delicadeza do animal. Aquele ursinho tão fofo parecia ser um sinal de que logo encontrariam a árvore azul. Ainda preso à contemplação da criatura, o menino ouviu as palavras em tom pesaroso do velho topógrafo.

"Temos que retornar. Olhem para o norte, as nuvens se enegreceram. Provavelmente chove, e em poucos minutos a enxorada irá nos impedir de atravessar o rio." 

Olharam para as nuvens e perceberam os repentinos tons sombrios que matizavam seus contornos. A cada segundo elas ficavam mais plúmbeas, e o próprio panda, que instante atrás aparentava tranquilidade, se inquietou a procura de abrigo. Deram meia volta. Decepcionado, Ravi nem pôde protestar. 

De volta ao leito do rio, Colossos, que ainda seguia à frente de Mestre Mago, empacou. Por algum motivo recusava a transpor as águas. Philippe, açoitando a lombar do seu cavalo, ultrapassou os companheiros de viagem e iniciou a travessia. Ainda era cedo, porém o dia já aparentava sinais de escuridão; as nuvens negras filtravam a luminosidade e dava um aspecto tenebroso ao ambiente. O rio estava mais profundo. Na metade do percurso, Mestre Mago se desesperou, já não conseguia mais vencer a correnteza. Aos gritos, Philippe tentava incentivar o animal a seguir a travessia, mas aos poucos o rio enchia e a violência das águas se acentuava. Uma camada espessa de corredeira afogou o cavalo, inçando Philippe ao interior do rio. Num gesto repentino, Ancian saltou de Colossos e se jogou às águas, com a expectativa de salvar o amigo, que a esta altura já era transportado pela correnteza. Ravi, confrangido, observava o infortúnio do pai sem esboçar reação. Viu os adultos serem levados pelo rio, sem qualquer indício de que eles conseguiriam vencer a hostilidade inesperada da natureza.

Ainda petrificado com o incidente, o menino percebeu que Colossos se distanciava da margem do rio Verde. Sem comandar o animal, deixou que o mesmo o conduzisse a algum lugar seguro. O cavalo, aos poucos, galvanizava a energia dos seus passos; em minutos já galopava em grande velocidade. Ravi, segurando firme as rédeas, adejava sobre o animal. Já não pensava em nada, sua racionalidade estava amorfa.             

FG

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