As folhas azuis tinham desaparecido e após a tempestade uma nuvem de coloração semelhante pendia curiosa e arredondada no céu. Ao que tudo indicava, estava preso do outro lado da colina sem saber se aquele ambiente era a continuação da realidade ou um mundo paralelo. De qualquer forma, independente da situação encontrada, precisava voltar pra casa; talvez ainda conseguisse salvar o cavalo Colossos, ou ajudar seu pai e o velho Ancian. Se o túnel não oferecia saída, teria de explorar as paisagens do local. O primeiro passo seria escalar a montanha da cachoeira, e do alto tentar enxergar alguma coisa que o permitisse inventar a solução que o levasse ao caminho de volta.
Quando olhou para a montanha, já sentindo o spray refrescante criado pela colisão da água com o solo, se assustou. Não sabia como subir aquele intransponível paredão; e por mais que tentasse olhar ao redor, a escalada era a única forma de escapar daquele vale. Se estivesse com sua corda resistente, as chances de sucesso seriam maiores, mas não tinha nada, apenas a força dos braços, a habilidade das mãos e a inteligência da memória. Minutos de insistência não foram suficientes para movê-lo do lugar; continuava lá embaixo. A frustração dos primeiros fracassos foi se substituindo pelo desespero, algum íncubo interno o oprimia. Se estar preso àquele novo mundo já era angustiante, estar preso nos pequenos limites do vale, que oferecia apenas uma árvore sem folhas e uma cachoeira, era ainda pior. Sem saber qual medida tomar, se lamentava estertorante; os lamentos aos poucos se transformavam em gritos que em segundos já se prolongava num eco ressonante. A mensagem "socorro, socorro; alguém me ajuda" reverberava dramática ao redor daquele ambiente ensolarado, luminoso e vigiado pela misteriosa nuvem azul.
Seus gritos foram interrompidos por um sonoro barulho de passos que vinham do alto da montanha. Os passos eram tão estridentes que o menino se sentiu confrangido e ameaçado, alguma coisa monstruosa parecia se aproximar. Os ruídos causavam medo e insinuavam perigo. Sem racionalizar o que poderia acontecer, decidiu voltar à caverna. No interior da cavidade rochosa, os passos ficavam cada vez mais audíveis. De repente, um pavoroso tremor de terras, que fez lascas de pedras caírem sobre Ravi, sugeria que alguma coisa muito grande se lançara do alto da montanha para dentro do vale. Acossado pelas paredes estreitas do túnel, teve vontade de espiar pelas frestas do abrigo, mas o temor lhe incutia prudência. Segundos após o estrondo, a luz que adentrava a caverna foi parcialmente ofuscada. Ravi percebeu que um imenso olho negro o observava. Uma estranha criatura, agachada ao chão, se esforçava para encontrá-lo, e as intenções da busca ainda eram misteriosas para o menino. Finalmente, percebendo a presença de Ravi, a criatura, em tom modorrento, falou: "O que faz aí? Foi você que estava pedindo ajuda?" Ainda em pânico, respondeu: "Desculpe, mas estou perdido." A frase foi dita com perceptíveis sinais de medo. "Não se assuste, vim para ajudá-lo. Se quiser pode sair daí." O menino saiu da caverna, deparando-se com uma imensa criatura negra, do tamanho da árvore azul. Ela parecia um panda, só que sem as manchas brancas; seu pelo era todo escuro.
"Ouvi seus gritos, e vim em socorro. Como chegastes até aqui? Está machucado? Tem fome?"
"Estou bem, mas com muita fome. Obrigado por vir em meu auxílio. Estou preso a este vale, e não consigo subir este paredão."
"Eu te ajudo. Mas não disseste como veio parar aqui."
"Vim deste túnel, mas por algum motivo, a abertura foi obstruída. Preciso voltar pra casa e ajudar meu pai que se perdeu no rio."
"Você é de onde?"
"Sou da França, cheguei a China a poucos dias?"
"França? Não conheço. É alguma floresta ou bosque distante?"
"França é um país, que fica muito, muito longe daqui." - de repente percebeu que falava com uma criatura e que ela dificilmente entenderia o que era um país. Provavelmente estava em outro mundo, e qualquer detalhe sobre o seu local de origem seria incompreensível.
"Não sei o que é isso. Mas conheço criaturas iguais a você. Posso te levar até elas."
"Homens? Existem homens neste lugar?"
A imensa criatura não entendeu a pergunta, mas meneou a cabeça como se concordasse com o menino.
Colocou Ravi na palma de suas mãos e o conduziu, esticando os braços, ao alto do montanha. Logo depois, se apoiando à borda do paredão, lançou seu corpo para cima.
Agradeceu a criatura e antes de se localizar, olhou para os olhos de seu ajudante e lembrou do cavalo Colossos.
"Não perguntei seu nome. Como se chama?"
"Não tenho nome. Vivo sozinho e nunca precisei de um."
"Então vou dar um nome a você. Se importaria?"
Fez que não com os olhos.
"Você me lembra muito um animalzinho que vi a pouco tempo; porém seus pelos e olhos são semelhantes ao do nobre amigo que me acompanhava. Vou chamá-lo pelo nome dos dois. A partir de agora tu serás o Panda Colossos."
"Panda Colossos? Gostei... gostei do meu nome. E tu, como se chama?"
"Me chamo Ravi, mas gostaria de ser chamado de Mister. Este é um nome que os adultos do meu povo usam para se referirem a alguém mais velho. Nunca fui chamado de Mister, pois ainda sou uma criança; mas adoraria que você me chamasse assim."
"Tudo bem. Mas, como me deu dois nomes, vou escolher outro para você. Assim ficaremos iguais. Te chamarei Ravras, que, na língua das criaturas negras, significa pequenino. Portanto, eu, Panda Colossos, vou guiá-lo, Mister Ravras, por estas cadeias de montanhas. Se queres voltar pra casa, os pequeninos como tu talvez saibam como ajudá-lo."
Os dois com olhares que já denunciavam afeto seguiram juntos. Panda Colossos colocou o menino sobre os ombros. A passos largos e vagarosos seguiu em frente. Quando Ravi olhou para o horizonte teve a certeza de estar em outro mundo.
FG
Comentários
Postar um comentário