“Quando disse ao meu filho que também havia visto a árvore
de folhagem azul, pensava estar fomentando sua imaginação, ou, no mínimo,
protegendo-o das cruezas do mundo. Como tu mesmo disseste, ninguém nunca
comentou sobre esta peculiar espécie de vegetação, ninguém nunca a viu; ninguém
nunca admitiu sua existência. Não entendo suas intenções, tampouco posso
acreditar que tiveste a mesma ilusão visual do meu menino.”
“Quando seu filho descreveu a árvore, de folhas azuis
espessas e ao lado de uma portentosa cachoeira, foi como se ele tivesse
resgatado meu passado. Tive a mesma visão, e na época não julgava estar louco.
Sei que pode parecer estranho, inacreditável; mas amanhã, quando partirmos em
nossa busca, procurarei pela árvore com a mesma paixão da criança. Aliás, minha
intuição diz que encontraremos esta árvore e que ela nos trará conforto e
respostas que tanto eu quanto você procuramos”
“Supondo que a árvore exista e que nós a encontraremos, qual
resposta ela poderá nos fornecer? O que faremos com uma mera experiência visual
de algo que a princípio tu e meu filho supõem ser bela? No máximo faremos uma
descoberta biológica, encontraremos uma espécie nova de vegetação; porém, como
não somos botânicos ou biólogos, de nada servirá nossa empreitada.”
“Acho que a fé cristã te fez cético. Somos adultos e como
tais carecemos de inocência. Temos nossos traumas, réprobas lembranças; talvez
um desazo da consciência que insiste em retirar de nós a pulsão criadora, o
contado, o sentimento e o sentido que transcende a realidade. Nem tudo que
existe se oferece, muitas vezes vivemos alheio ao que se dispõe do nosso lado.
Seu filho, no entanto, ainda guarda dentro de si a pureza que o permite ver além das aparências. Ele nos conduzirá até a árvore, e diante dela recuperaremos a potência, o frêmito da vida, os auspícios das paz de espírito." - olhou para Philippe que parecia confuso, não entendendo ao certo aquelas insinuações; a fisionomia do amigo modificou o tom e o teor da sua prosa - "O que fizemos no Congo foi diabólico, subvertemos a cultura de dezenas de camponeses e em troca eles receberam a morte. Nós éramos os instrumentos necessários para limpar o terreno antes do massacre. Sem saber, fomos usados pela igreja, pela França e pelos políticos congoleses. Todos aqueles milicianos que promoveram o massacre estavam a mando do governo central, tenho certeza que sabe disso. No processo, no qual participou e ajudou na farsa, condenaram os homem que participaram diretamente das atrocidades, mas no fim associaram o grupo a uma organização terrorista que intentava eliminar comunidades cristãs. Este grupo nunca existiu, todos aqueles homens eram mercenários contratados pelo ministro de guerra. A verdade foi camuflada, e as relações do governo com o massacre ficou escondida. Massacres semelhantes foram feitos ao longo desses anos, e associaram todos eles a divergências religiosas entre grupos paramilitares e camponeses. Comunidades islâmicas fundadas nas últimas décadas também foram alvo dos achaques violentos dessa falsificação política, e não me assustaria nem um pouco pensar que uma suposta cúpula do islamismo instrumentaliza fieis para a promoção de interesses econômicos escusos. Hoje no Congo praticamente inexiste comunidades agrícolas voltadas para o cultivo não predatório da terra; a maior parte dos camponeses trabalha em grandes latifúndios, vivendo um vida miserável e em condições subumanas. Ter consciência da minha participação neste jogo espúrio de relações econômicas, lacera qualquer condolência que por ventura julgava ter pela nossa corrompida instituição cristã."
"Não posso acreditar nesta sua revelação conspiratória. Sei que o governo participou do massacre e que, ao longo do processo, uma imensa atmosfera de injustiça impossibilitou a descoberta da verdade. Em vários momentos me senti angustiado por ter corroborado com tamanha farsa, mas pensar que tudo o que aconteceu tinha sido planejado desde o início, que nós e outros missionários fomos enviados para a África com o objetivo diabólico devidamente arquitetado pela igreja e pelos governos da França e do Congo, não passa de uma fantasia espetaculosa de suas interpolações traumáticas."
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