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Aventuras de Ravi (Abertura)

Abertura


O menino Ravi, herói dessa e de muitas outras aventuras, antes de ser levado ao Mundo da Nuvem Azul, vivia acossado pela solidão e pelo frio de sua velha mansarda no norte da França. Ele era filho único de Philippe, um velho e cansado missionário que lesionava teologia a alunos secundaristas. Desde o nascimento do filho, interrompera sua vida nômade, fixando-se naquela terra de atmosfera álgida e inóspita; porém ainda tinha o intuito de prosseguir em suas errantes viagens, pois acreditava na linguagem da fé cristã e no poder curativo de Deus. Seu filho, no entanto, até então alheio às misteriosas migrações de seu pai, ainda não vislumbrava qualquer possibilidade de deixar seu local de origem; talvez por isso sonhava, perdido na imaginação, com lugares cálidos, paisagens ensolaradas e reconfortantes.

Certo dia, como se houvesse despertado de um sonho que se tornaria real, Ravi ouviu da boca de seu pai o anúncio de uma viagem, ou melhor, de uma mudança. Dentro de um mês iriam ao sul da China. Philippe pregaria o evangelho para aldeões chineses, com a certeza de levar um pouco de conforto ou uma suposta cura espiritual àquele povo tão sofrido. Ao saber da notícia o menino Ravi ficou estupefato, mas logo passou a fazer planos dos mais fantasiosos. Achava que encontraria elefantes gigantescos, tapetes mágicos, feiticeiros poderosos e animais falantes. Em poucos dias traçou um imenso roteiro, que envolvia desde o estudo do mandarim até a aquisição de objetos que julgava importantes, tais como um afiado canivete, um chapéu de aventureiro, uma bússola, e uma corda forte e resistente.

Chegada a viagem, Ravi não conseguia conter a euforia. Perguntava a todo o instante ao pai se os chineses eram amigáveis e se encontrariam seres fantásticos pelo caminho. Seu pai, desejoso de fomentar a imaginação do filho, descrevia, com minúcias de detalhes, a vegetação, os animais, as rochas, montanhas, rios e lagos da região. Tudo aquilo era absorvido com vivacidade pelo menino, de forma que seria inevitável, aos que observassem tal situação, pensar que tais desejos se frustrariam com uma realidade decepcionante.

Durante a longo viagem pai e filho conversaram. A curiosidade do menino, no entanto, sempre encontrava barreiras na autoridade sacerdotal do pai.

"O que o senhor irá ensinar aos chineses?"

"Vou fornecer a verdade, tentar ensinar o que nunca puderam aprender."

"Vai ensinar a palavra de Deus aos chineses? Como fazia na escola?"

"Sim, mas lá tudo será diferente. Eles não conhecem a história de cristo, muitos sequer ouviram falar dele."

"Mas eles não têm outros deuses? Talvez saibam outras histórias tão belas quanto a de cristo."

"Talvez... Porém nada se compara com a verdade. Se tu imaginares um lindo leão alado pode se iludir com a impressão de que este leão é o maior e o mais vistoso de todos, mas este sempre será um leão falso, e a beleza dele não seria comparável a do leão verdadeiro."

"E se existirem leões alados, e se existir uma outra verdade ainda mais incrível do que a nossa própria imaginação poderia conceber?"

"Mas a verdade que temos, a verdade de Deus, é a mais incrível de todas; ela não transcende só a nossa imaginação, ela transcende nosso espírito; diante dela leões alados, dragões de multicabeças, deuses do olimpo, fantasmas do bosque ou qualquer figura, objeto ou sensação imaginada é parca de riqueza, é oca, miserável. Todos os mitos inventados pelo homem podem nos levar a diversos caminhos, e alguns desses caminhos são bons, mas nenhum deles, a não ser o caminho em cristo, nos guia verdadeiramente à vida boa. Para encontrar Deus precisamos seguir seus passos, e isto nos conduz à ascese, uma depuração do espírito tão recrudescente que somos levados a praticar todas as virtudes cristãs."

"Mas Deus determina tudo o que é bom? O que é bom pra mim, pra você, pros chineses, pros animais e seres mágicos?"

"Deus é o grande arquiteto da realidade. Criou o céu, a terra, as montanhas, as árvores, os animais e todas as pessoas; e para cada um forneceu uma finalidade, um propósito. A finalidade do céu é proteger a terra; da terra gerar a vida; dos animais servir aos homens; e dos homens louvar a Deus e sua criação. Se existissem seres fantásticos, e talvez eles existam, certamente Deus os concedeu alguns desígnios; pois tudo em sua obra é perfeito e acabado, tudo obedece suas leis."

"Talvez na China encontremos alguns seres fantásticos. Se encontrar tentarei descobrir o que Deus reservou a eles."

"Sim meu filho, faça isso. Deus abençoará sua sabedoria."  

FG     

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