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Don't Worry, I Killed the Facebook (part.VII)




Não quero acelerar minha narrativa, mesmo tendo pressa, preciso ser muito cuidadoso com a exposição de suas ideias. Por quê o espanto? Não me diga que nunca soube o óbvio? Acredita mesmo no poder criativo de minhas palavras? Tudo que digo é seu, todas as reações de meu rosto são suas; a ironia, a comiseração, o desazo, tudo, absolutamente tudo lhe pertence. Não acredito que nunca soube que minhas frases são simples ressonâncias de seus pensamentos. Se não me julgas original é porque não acredita no próprio talento. Mas fique tranquilo, você não está louco, eu sou real, sempre existi e sempre aguardei com parcimônia cognitiva o nosso encontro. Não quero confundi-lo, muito menos assustá-lo. Quando digo que tudo lhe pertence estou sendo literal; nada existe fora de seus pensamentos; nenhuma emoção, dor, alegria, angústia, nenhum medo, trauma, júbilo fogem ao seu alcance, todos estes sentimentos são internos e correspondem às suas vontades. Você se censura, você se impõe limites; suas fraquezas são bloqueios de autopreservação.

Caro Miguel, seja sincero, você sempre desejou o desprezo; fez tudo para abraçá-lo. Quanta covardia e quanta coragem empregastes para conviver ao lado do silêncio. Ah... amo-te muito por isso. Sua abnegação egoísta me comove, consterna meus sentidos. Todos os seus gestos, quando falsos, são belos. Nasceste para ser artista, não à toa procuraste conquistar, como um caçador que liberta suas presas capturadas, amores indesejados. Se ousasse refletir entenderia melhor suas próprias palavras, saberia que o silêncio, sinônimo de tolerância, incuti duas interpretações. Por um lado reflete o mais etéreo sentimento humano, a compaixão; há nestes casos um discurso indulgente, pré-programado a perdoar o estouvado, indelicado ou intransigente comportamento alheio. Por outro significa apenas indiferença, menosprezo; não dizer seria negar a existência do interlocutor; nesta modalidade nunca haverá raiva e muito menos perdão, porque a ausência de agente impede a assimilação da linguagem, e sem esta não há discurso.

Tente entender Miguel, você é o único culpado. Sua covardia afastou Sofia, sua coragem também. Por quê não olhou nos olhos dela para dizer o que precisava dizer? Por quê, mesmo reconhecendo sua total incapacidade em esperar, preferiu o silêncio? Sua coragem em assumir a covardia teve a força para desconstruir belas frases. Sem saber você extinguiu o discurso, fez do silêncio indiferença. Miguel, desafortunado Miguel, a vida quase lhe ofereceu diversas oportunidades para reencontrar Sofia; foram detalhes, minúcias, minutos, talvez segundos os grandes responsáveis pela ficção. No entanto, quando só há silêncio a ficção torna-se a única realidade; pois para preencher os espaços vazios é necessário criar, através da imaginação, novos discursos. Ouse Miguel, vá em frente, continue, é seu dever moral, poético, sepultar quem nunca existiu.

Não chore, suas lágrimas irão estragar o papel. Vamos voltar ao que interessa, tenho muito a falar e pouco tempo a perder com consolações enfadonhas. Recomponha-se Miguel, limpe seu rosto, recupere o ânimo, volte a sorrir, acalme-se. Tudo bem vou colocar música para reavivar seu espírito criativo, pois, no fundo, nosso principal órgão sensorial são os ouvidos. Vejamos... bossa nova... João Gilberto irá acalmá-lo, ninguém consegue ficar alheio ao solfejar melódico deste grande artista. Aliás, sempre soube, no peito dos desafinados também bate um coração.

Acho que agora já posso continuar. Foi até bom interromper nossa conversa com este doce deleite musical, porém, acredite, não foi por acaso que pausei meu discurso com reflexões insípidas e uma música igualmente fastidiosa. Não me olhe com desdém, a incoerência de minhas palavras é reflexo da sua paradoxal alma. Não preciso lembrá-lo que a beleza exige futilidade; desconstruir sua falsa essência, desmistificando qualquer ranço de seriedade, é tarefa básica na apreciação estética. A obra ou o artista, quando circunspecto em demasia, perde seu valor, sua graça. Por isso você não deve se levar a sério, em verdade, mesmo se alguém ousar dizer o contrário, o seu comportamento sempre será anti-musical.

Sim, sempre haverá falta de ritmo, linguagem sincopada, e frustrações estilísticas em sua prosa. Neste ponto, você e Gabriel se assemelham. Ambos possuem a necessidade existencial de conviver ao lado do abismo, do fracasso; ambos são desafinados e sofrem calados; ambos racionalizam com o coração. Seu amigo errou, não deveria ter se exasperado por tão pouco em Diabolik, foi ao pub pois procurava redimir seus erros com mais álcool. Não vou mentir, ao sugerir bossa nova, me antecipei aos fatos. Quando seu amigo depositou suas frustrações em uma solitária cadeira no supramencionado pub, uma excepcional bandolinista tocava a doce canção de Tom Jobim. Machucado e ligeiramente embriagado, Gabriel, naquele momento, em voz quase inaudível, cantarolava seguindo os acordes do bandolim.


Se você disser que eu desafino amor
Saiba que isto em mim provoca imensa dor
Só privilegiados tem o ouvido igual ao seu
Eu possuo apenas o que deus me deu

Se você insiste em classificar
Meu comportamento de anti-musical
Eu mesmo mentindo devo argumentar
Que isto é Bossa Nova, isto é muito natural

O que você não sabe nem sequer pressente
É que os desafinados também tem um coração

Fotografei você na minha Rolley-Flex
Revelou-se a sua enorme ingratidão

Só não poderá falar assim do meu amor
Ele é o maior que você pode encontrar
Você com a sua música esqueceu o principal
Que no peito dos desafinados
No fundo do peito

Bate calado, que no peito dos desafinados

Também bate um coração.*


Quando a música terminou, o ébrio sorriu em lágrimas; sua emotividade e seu estado deprimente chamaram a atenção de uma bela mulher; ela se aproximou perguntando: “sente-se bem?”. Antes de responder, Gabriel pediu outra dose. 



FG


PS:*A música foi retirada do site vagalume: acesse aqui

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