Versão 01: Como Eu Desejava (Ao lado de Deus)
Que visão maravilhosa, um deleite aos
sentidos, uma inesquecível ode ao bom gosto artístico. Não seria
esta a melhor forma de iniciar tão reconfortantes lembranças, caro
rapaz? Você e seus amigos representam uma nova esperança, o
renascimento do espírito engajado pela e para a poesia. Como é bom
saber que a juventude, mesmo dentro de um oásis de futilidade, ainda
possui o espírito nobre e belo dos grandes artistas.
Recorda-se daquele sábado, neste mesmo
apartamento? Quatro jovens discutindo, recitando, sonhando com os
versos de Byron, Baudelaire, Rimbaud, Mallarmé, Pessoa, Maiakovski e
tantos outros poetas inigualáveis, só poderiam representar um
delicado bálsamo sonoro. Você cantava com aristocrática leveza,
parecia exalar sílabas divinas. Um dos últimos versos desenhados
por suas belas cordas vocais, foram os sombrios versos românticos do
príncipe inglês:
It is not love, it is not hate,
Nor low ambition's honours lost,
That bids me loathe my present
state,
And fly from all I prized the most:
It is that weariness which springs
From all I meet, or hear, or see:
To me no pleasure beauty brings;
Thine eyes have scarce a charm for
me.*
Quão doce
discussão provocastes entre seus amigos. Gabriel, sereno,
discordava; dizia que a beleza encantava qualquer espírito e que
nenhum fastio teria o condão de deprimir o poder divino. Reclamava
da falsidade de suas palavras; sabia que tu eras um apaixonado, e que
amavas os portentosos olhos verdes de Sofia. Rafael, melindroso,
refletia; analisava, com cuidado, cada palavra da poesia; com os
olhos fechados, no fundo pressentia que aqueles versos revelavam um
pequeno esboço dos próximos dias. Uriel, por sua vez, não
projetava qualquer reação; diante do vinho apenas apreciava a nobre
querela linguística.
Após o sarau,
vocês, quatro jovens unidos pelo encanto literário, dispostos a
desafiar a realidade para viver somente através da arte, decidiram
sair; era necessário encontrar Sofia para provar a verdade ou a
mentira.
Foram até a famosa
boate Diabolik; Sofia provavelmente estaria lá. Miguel (doravante
irei referir-me a você na terceira pessoa) dirigia apreensivo,
afinal teria de encarar os olhos verdes de uma mulher aparentemente
desconhecida. O jovem bardo amava Sofia? Seria possível apaixonar-se
apenas por um olhar? Ou tudo aquilo era mentira, algo lucubrado para
se livrar do tedioso achaque do dia a dia? Certamente um poeta é
capaz de descobrir o mais puro sentimento com o mais efêmero
movimento; para ele uma fração de segundos é suficiente para fazer
arte e sobretudo para descobrir um novo amor. Mas um pobre bardo,
reles menestrel? Será?
Miguel: tu és ou
não és um homem comum?
Chegaram à
Diabolik. Uriel, já bastante alcoolizado, decidiu voltar para casa e
escrever sua própria obra. Os outros três Arcanjos adentraram ao
ambiente com as palavras de Byron na ponta de seus ouvidos. O lugar
era apertado, sua atmosfera, ligeiramente lôbrega, reprimia qualquer
delírio. Gabriel parou no bar, pediu alguma bebida; Rafael e Miguel
iniciaram a busca, precisavam reencontrar os olhos de Sofia.
Vasculharam o ambiente e nada, só encontraram uma banda com péssimos
músicos tocando rock inglês. No meio de um oásis de futilidade,
ouvir Oasis tornar-se-ia a única alternativa.
Depois de horas, a
conclusão óbvia: Sofia não viria, mas eis que seus olhos estavam
lá. Miguel se aproximou e hipnotizado mergulhou palavras ao ar:
“seus olhos... seus olhos... seus olhos...”; pequenas lágrimas
começaram a sorrir, tentavam sequiosamente auxiliá-lo na estranha
experiência de não conseguir se expressar. A moça que carregava
tamanha dádiva ocular se assustou, de chofre disse: “I don't
understand!”. Rafael que observava a situação se aproximou em
auxílio. “Sorry! My friend is dizzy. But don't worry. I'm sure, he
will recover”. De volta à realidade Miguel sorriu e transmitindo
algum charme tentou se recuperar. “Don't be scared. I'm a poet and
your eyes inspire me.”
- What your name
and where are you from? - gritou Rafael, após o tumultuado início
de conversa.
- My name is Lilya
Brik; I'm russian – disse a jovem com um singelo sorriso.
- Ohh... really?
I'm Maiakovski and my boring friend is Baudelaire – Miguel se
preparava para iniciar um longo e irônico discurso, mas preferiu uma
pequena pergunta – Liliók, sweet Liliók, why don't you answer my
letters?
- Sorry again –
interrompeu Rafael ligeiramente embaraçado – I'm Rafael and the
crazy man is Miguel.
- Crazy man? No,
he's an artist – falou a nobre estrangeira tentando se adaptar ao
cáustico humor introduzido pelo belo rapaz ao seu lado; e solfejando
palavras, respondeu a pergunta – I didn't answer your letters,
because my heart couldn't express the true feelings I fell for your
work.
Rafael aturdido se
afastou, percebeu que estava sobrando. Os outros dois jovens, Lilya
Brik e Maiakovski, continuaram por horas um inexpugnável colóquio.
Conversaram sobre a poesia de Byron, o amor, o tédio e a vida. O
rapaz falou sobre Sofia e confessou ter ficado espantado com a
semelhança das duas moças. Ao final se despediram. Miguel sabia que
aquele seria o último e único encontro entre os dois. Olhou no
fundo dos olhos de Lilya e se despediu: “I will never forget your
beatiful green eyes. Perhaps, I may back to see them when I find
Sofia”. Lilya retribuiu as palavras de Miguel com um doce
incentivo: “Good luck and look for Sofia. She will be good to you.
Tell her how is beatiful her eyes”.
FG
Ps: * os versos transcritos acima integram o poema "To Inez" de Lord Byron e foram retirados do livro "Byron poemas" da editora Hedra.
A primeira versão do estranho relato ainda não chegou ao fim, continuo amanhã ou talvez nunca.
Estou.lendo.....gostando!!!
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