Pular para o conteúdo principal

Don't Worry, I Killed the Facebook (part.II)




Versão 01: Como Eu Desejava (Ao lado de Deus)


Que visão maravilhosa, um deleite aos sentidos, uma inesquecível ode ao bom gosto artístico. Não seria esta a melhor forma de iniciar tão reconfortantes lembranças, caro rapaz? Você e seus amigos representam uma nova esperança, o renascimento do espírito engajado pela e para a poesia. Como é bom saber que a juventude, mesmo dentro de um oásis de futilidade, ainda possui o espírito nobre e belo dos grandes artistas.

Recorda-se daquele sábado, neste mesmo apartamento? Quatro jovens discutindo, recitando, sonhando com os versos de Byron, Baudelaire, Rimbaud, Mallarmé, Pessoa, Maiakovski e tantos outros poetas inigualáveis, só poderiam representar um delicado bálsamo sonoro. Você cantava com aristocrática leveza, parecia exalar sílabas divinas. Um dos últimos versos desenhados por suas belas cordas vocais, foram os sombrios versos românticos do príncipe inglês:

It is not love, it is not hate,
Nor low ambition's honours lost,
That bids me loathe my present state,
And fly from all I prized the most:

It is that weariness which springs
From all I meet, or hear, or see:
To me no pleasure beauty brings;
Thine eyes have scarce a charm for me.*

Quão doce discussão provocastes entre seus amigos. Gabriel, sereno, discordava; dizia que a beleza encantava qualquer espírito e que nenhum fastio teria o condão de deprimir o poder divino. Reclamava da falsidade de suas palavras; sabia que tu eras um apaixonado, e que amavas os portentosos olhos verdes de Sofia. Rafael, melindroso, refletia; analisava, com cuidado, cada palavra da poesia; com os olhos fechados, no fundo pressentia que aqueles versos revelavam um pequeno esboço dos próximos dias. Uriel, por sua vez, não projetava qualquer reação; diante do vinho apenas apreciava a nobre querela linguística.

Após o sarau, vocês, quatro jovens unidos pelo encanto literário, dispostos a desafiar a realidade para viver somente através da arte, decidiram sair; era necessário encontrar Sofia para provar a verdade ou a mentira.

Foram até a famosa boate Diabolik; Sofia provavelmente estaria lá. Miguel (doravante irei referir-me a você na terceira pessoa) dirigia apreensivo, afinal teria de encarar os olhos verdes de uma mulher aparentemente desconhecida. O jovem bardo amava Sofia? Seria possível apaixonar-se apenas por um olhar? Ou tudo aquilo era mentira, algo lucubrado para se livrar do tedioso achaque do dia a dia? Certamente um poeta é capaz de descobrir o mais puro sentimento com o mais efêmero movimento; para ele uma fração de segundos é suficiente para fazer arte e sobretudo para descobrir um novo amor. Mas um pobre bardo, reles menestrel? Será?

Miguel: tu és ou não és um homem comum?

Chegaram à Diabolik. Uriel, já bastante alcoolizado, decidiu voltar para casa e escrever sua própria obra. Os outros três Arcanjos adentraram ao ambiente com as palavras de Byron na ponta de seus ouvidos. O lugar era apertado, sua atmosfera, ligeiramente lôbrega, reprimia qualquer delírio. Gabriel parou no bar, pediu alguma bebida; Rafael e Miguel iniciaram a busca, precisavam reencontrar os olhos de Sofia. Vasculharam o ambiente e nada, só encontraram uma banda com péssimos músicos tocando rock inglês. No meio de um oásis de futilidade, ouvir Oasis tornar-se-ia a única alternativa.

Depois de horas, a conclusão óbvia: Sofia não viria, mas eis que seus olhos estavam lá. Miguel se aproximou e hipnotizado mergulhou palavras ao ar: “seus olhos... seus olhos... seus olhos...”; pequenas lágrimas começaram a sorrir, tentavam sequiosamente auxiliá-lo na estranha experiência de não conseguir se expressar. A moça que carregava tamanha dádiva ocular se assustou, de chofre disse: “I don't understand!”. Rafael que observava a situação se aproximou em auxílio. “Sorry! My friend is dizzy. But don't worry. I'm sure, he will recover”. De volta à realidade Miguel sorriu e transmitindo algum charme tentou se recuperar. “Don't be scared. I'm a poet and your eyes inspire me.”

- What your name and where are you from? - gritou Rafael, após o tumultuado início de conversa.
- My name is Lilya Brik; I'm russian – disse a jovem com um singelo sorriso.
- Ohh... really? I'm Maiakovski and my boring friend is Baudelaire – Miguel se preparava para iniciar um longo e irônico discurso, mas preferiu uma pequena pergunta – Liliók, sweet Liliók, why don't you answer my letters?
- Sorry again – interrompeu Rafael ligeiramente embaraçado – I'm Rafael and the crazy man is Miguel.
- Crazy man? No, he's an artist – falou a nobre estrangeira tentando se adaptar ao cáustico humor introduzido pelo belo rapaz ao seu lado; e solfejando palavras, respondeu a pergunta – I didn't answer your letters, because my heart couldn't express the true feelings I fell for your work.

Rafael aturdido se afastou, percebeu que estava sobrando. Os outros dois jovens, Lilya Brik e Maiakovski, continuaram por horas um inexpugnável colóquio. Conversaram sobre a poesia de Byron, o amor, o tédio e a vida. O rapaz falou sobre Sofia e confessou ter ficado espantado com a semelhança das duas moças. Ao final se despediram. Miguel sabia que aquele seria o último e único encontro entre os dois. Olhou no fundo dos olhos de Lilya e se despediu: “I will never forget your beatiful green eyes. Perhaps, I may back to see them when I find Sofia”. Lilya retribuiu as palavras de Miguel com um doce incentivo: “Good luck and look for Sofia. She will be good to you. Tell her how is beatiful her eyes”.


FG

Ps: * os versos transcritos acima integram o poema "To Inez" de Lord Byron e foram retirados do livro "Byron poemas" da editora Hedra.
A primeira versão do estranho relato ainda não chegou ao fim, continuo amanhã ou talvez nunca.

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Camões vs. Gonçalves Dias - um duelo aos olhos verdes

Redondilha de Camões Menina dos olhos verdes Por que me não vedes? Eles verdes são, E têm por usança Na cor esperança E nas obras não Vossa condição Não é de olhos verdes, Porque me não vedes. Isenção a molhos Que eles dizem terdes, Não são de olhos verdes, Nem de verdes olhos. Sirvo de geolhos, E vós não me credes, Porque me não vedes. Havia de ser, Por que possa vê-los, Que uns olhos tão belos Não se hão de esconder. Mas fazeis-me crer Que já não são verdes, Porque me não vedes. Verdes não o são No que alcanço deles; Verdes são aqueles Que esperança dão. Se na condição Está serem verdes, Por que me não vedes? (poema retirado do livro Lírica Redondilhas e Sonetos de Camões da editora Ediouro) Olhos Verdes de Gonçalves Dias São uns olhos verdes, verdes, Uns olhos de verde-mar, Quando o tempo vai bonança; Uns olhos cor de esperança Uns olhos por que morri; Que, ai de mi! Nem já sei qual

Carta de Despedida

Sentir? Sinta quem lê! Fernando Pessoa Quando alguém ler estas palavras já estarei morto. Não foi por impulso, refleti muito, ao tomar esta decisão; percebi que o melhor não seria viver, mas desistir. Venho, através desta carta, me despedir de algumas pessoas; tenho, antes de tudo, a responsabilidade de amenizar a dor, causada por esta autônoma escolha, que infelizmente afligirá quem não a merece. Cansei de ser covarde, ao menos nesta derradeira atitude assumirei a postura obstinada e corajosa dos homens de fibra; não será por medo e nem por desesperança do futuro que abdicarei da existência, são razões bem mais simplórias que me autorizaram a colocar em prática resoluta solução; na verdade, talvez não exista razão alguma, esta será uma decisão como qualquer outra, e, portanto, será oriunda da mais depurada liberdade de meu espírito. Não quero responsabilizar ninguém, pois apenas eu, sem nenhuma influência exterior, escolhi por um ponto final nesta frase mal escrita

Narrativa Erótica

Um homem cansado fumava seu cigarro refestelado ao sofá, ouvia um pouco de jazz e não pensava em nada; Miles Davis, o inigualável músico americano, preparava seu organismo para uma vindoura noite de prazer. A atmosfera era cálida, desaconselhava as formalidades de qualquer andrajo ou vestimenta; em uma espécie de convite, o calor exortava-o à nudez. Não era belo, tampouco repugnante, tinha alguns atrativos capazes de seduzir mulheres mais liberais, apesar de magro possuía um corpo atlético, bem definido. Três baganas já pendiam sobre o cinzeiro, sua vitrola sibilava o ar com um doce almíscar sonoro de Blue in Green, criando um clima perfeito para possíveis relaxamentos sexuais . D e olhos fechados, aguardava, dentro de uma tranquilidade incomum, ansioso e apoplético; seus movimentos eram delicados, sincronizados, quase poéticos; levava o cigarro à comissura dos lábios, inspirava a fumaça para depois soltá-la, tentando criar figuras mágicas, inebriadas pela falta de pudor. A s