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Don't Worry, I Killed the Facebook (part.III)




Antes de prosseguirmos é necessário um parêntese. Você (deixemos a impessoalidade de lado, afinal este discurso é apenas uma conversa) não se recorda dos eventos que irei narrar. Quando eles aconteceram estavas entretido com a garota russa, falando indiretamente sobre orgulho e paixão. Acontece que seu fiel e inseparável amigo Gabriel decidiu ficar sozinho no bar; foram 7 doses de whisky, 7 poemas e 7 cantadas que seduziriam qualquer personagem, moralista ou não, do universo Boccacciano.

A predileção do seu amigo pela bebida escocesa perfaz longa data. Desde menino Gabriel detestava a sobriedade, seu primeiro porre aconteceu durante uma extensa aula de ensino religioso. Naquele tempo era comum professoras inexpressivas lerem copiosamente as escrituras sagradas. Sem capacidade oratória, charme vocal ou sutileza argumentativa estas escravas da ignorância traziam de baixo dos braços volumosos exemplares do antigo testamento. Fingindo eloquência latiam:

“No princípio criou Deus o céu e a terra. A terra porém estava vazia e nua; e as trevas cobriam a face do abismo; e o espírito de Deus era levado por cima das águas. Disse Deus: Faça-se a luz. E viu Deus que a luz era boa; e dividiu a luz das trevas. E chamou à luz dia e às trevas noite; e da tarde e da manhã se fez o primeiro dia. Disse também Deus: faça-se o firmamento no meio das águas, e separe umas águas das outras águas. E fez Deus o firmamento, e dividiu as águas que estavam por baixo do firmamento das que estavam por cima do firmamento...”

O início da Gênesis sempre impressionou Gabriel, não pelo teor metafórico, mas por uma ligeira incoerência. A bíblia dizia que no princípio não havia nada, porém, antes de Deus criar o céu e a terra, as águas já existiam, não à toa o firmamento foi construído sobre as águas.

Eram curiosas as discussões que o menino travava com a professora.

- Se Deus não criou as águas, como elas surgiram?
- Deus criou tudo, ele é todo poderoso.
- Mas na bíblia...
- Você é um paspalho. Primeiro Deus criou a terra, e na terra havia água. A água fazia parte da terra, ela era a própria terra. Por cima das águas, criou o céu e viu que sua obra era boa.
- Não consigo entender. Se Deus é tão poderoso por que não há forças em suas palavras? Por quê tudo é nebuloso, estranho, mal escrito?

Gabriel, após o incidente, foi suspenso. Não se admitiam proeminentes blasfêmias em seu colégio. 

Depois daquele dia, passou a apreciar às avessas todos os falsos ensinamentos do suposto livro sagrado. Os dogmas judaico-cristãos, antes de serem assimilados pelo rapaz, passavam pelo crivo jocoso de seus pensamentos. Foi esta peculiar personalidade a culpada pelos pecados de sua estranha ebriedade. Junto com a bíblia, seu irmão e Sam Peckinpah também contribuíram na sua distopia alcoólica. Certa noite, assistindo à “Straw Dogs” ao lado de Lúcio, parceiro de sangue, ficara impressionado com a falta de unidade moral negligentemente dispostas sobre os personagem do filme. Perguntou ao irmão: “Por quê eles são maus?”. “Não são maus, são escoceses”. “Mas eles fazem horrores”. “Não, eles não fazem nada, a culpa é do whisky; o whisky livra qualquer um dos maus pensamentos e das más ações”.

Foi a incoerência da escritura sagrada que permitiu a Gabriel assimilar honestamente as palavras do irmão. A brecha encontrada na bíblia era o ponto vulnerável de Deus. Não haviam dúvidas, Deus tinha fraquezas literárias. No entanto, todos os adultos, religiosos ou não, consideravam Deus, ou no mínimo a ideia de Deus, algo isento de defeitos, imperfeições. Gabriel não compreendia, ele possuía certezas bastante sedimentadas para não entender o discurso alheio. A sensação que crescia em seu âmago assemelhava-se ao atordoamento diante dos fictícios escoceses. Quando assistiu ao filme, livrou-se do mal-estar com um raciocínio bastante simples. Homens que fazem maldade podem não ser maus; nascer na Escócia e consumir whisky são escusantes de culpabilidade.

Gabriel sentia-se enxovalhado por não conseguir, como os outros, enxergar em Deus a perfeição; ele deveria encontrar um método para eximir-se do pecado, algum elemento eficaz na tarefa de torná-lo inimputável. O álcool era o símbolo escocês de expiação, ao consumi-lo homens e mulheres não poderiam ser censurados por nenhum código moral. A correlação lógica feita pelo ingênuo menino legou o álcool, e mais precisamente o whisky, à sua vida.


Mas voltemos ao principal. Não me esqueci do proposto, irei narrar o primeiro porre do rapaz. Devo lembrar a todos que esta digressão foi exposta para nós saborearmos o incrível relato.

FG

PS: Volto mais tarde ao blog, para iniciar o relato sugerido. Até a próxima ou até nunca mais.            

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