Pular para o conteúdo principal

Don't Worry, I Killed the Facebook (part.IV)




Por favor Miguel, não me interrompa, sempre fui um amante da performance, e se conto tais fatos com tamanha paixão e porque me sinto diante de uma imensa plateia. Talvez você seja meu único ouvinte, mas gosto de imaginar a ilusão de ser um ídolo reverenciado e observado. Minto, digo apenas bobagens, esqueça minhas palavras; não há possibilidade de confranger meu espírito demonstrando falsas fraquezas; lembre-se: eu sou o novo Deus do terceiro milênio. Eu sei o que as pessoas pensam. Eu sei o que as pessoas gostam. Eu sei o que pessoas fazem. Eu sei o que as pessoas sentem. Eu sei tudo e posso, caso deseje, lhe fornecer este poder. Não quero exortá-lo, tampouco pretendo corrompê-lo, mas pense nas vantagens, em seus amores.

Acalme-se, o achincalhe não me afeta. Volte ao seu lugar, preciso continuar minha narrativa.

Falávamos sobre a infância de Gabriel. Havia prometido revelar o primeiro porre do seu amigo. Pois bem, tudo aconteceu na escola durante a classe de ensino religioso. Na ocasião, a professora fanática lia o evangelho de São Mateus:

“Mas desde a hora sexta até a hora nona se diluíram trevas sobre toda a terra. E perto da hora nona deu Jesus um grande brado, dizendo: Eli, Eli, lamma sabachthani? Isto é: Deus meu, Deus meu, por que me abandonastes?”

Para Gabriel, sincero amante da estória de Cristo, esta passagem representava um grande momento de fraqueza. Para ele Jesus era humano. Suas falhas de caráter revelavam uma única e incerta verdade: Deus, uma entidade repleta de imperfeições e desvios, talvez fosse o próprio homem. As discussões ou quizílias linguísticas entre ele e sua professora foram severas; na ocasião o jovem rapaz foi jogado à lama.

- Professora, tenho uma dúvida?
- Diga Gabriel, mas tenha cuidado Deus está observando.
- Por que Jesus fraquejou nos momentos finais de sua passagem pela terra?
- Deus tenha misericórdia, esta infeliz criança não sabe o que diz.
- Sinceramente não compreendo. Admiro a história de Jesus; os evangelhos, principalmente o de São Mateus, são tão belos; mas a tradição cristã parece deturpar o óbvio. Não seria muito mais interessante se, como nós, Jesus também pecasse?
- Saia daqui demônio encarnado, não volte a pisar neste solo sagrado. Vejam criança, o anticristo enfim veio até nós – bravejava a insana mulher ao delírio.

Naquele instante ela ameaçou agredir Gabriel, mas antes que conseguisse, caiu no chão e começou a regurgitar palavras estranhas, uma espécie de aramaico misturado com outras línguas proibidas. Minutos depois recebeu atendimento médico. Mais tarde veio a notícia: a professora desenvolvera um tumor maligno no lóbulo frontal do cérebro; seu progressivo fanatismo era resultado natural da evolução da doença; morreu cinco semanas após o incidente.

Por sua vez, Gabriel, após o ocorrido, decidiu beber. Sentia-se culpado pela doença da professora e precisava de algo para aliviar a pungente culpa. Voltou para casa, furtou o Cavalo Branco de seu pai e teve seu primeiro porre diagnosticado. Nunca mais abandonou o álcool. Em todos os momentos de tristezas, decepções ou alegrias, o rapaz lavava as mãos com generosas doses de whisky. Assim como Pilatos dormia tranquilo, embora nem sempre acordasse em bom estado.


Com a morte da professora, a vaga para lecionar ensino religioso no colégio cristão ficou aberta. Mestre Zózimo a ocuparia. Este, brilhante em conhecimento, compreensão e compaixão, virou um grande amigo de Gabriel. Foi ele o responsável pelo amadurecimento existencial e filosófico do rapaz. No entanto, não quero me antecipar com relatos inúteis; voltemos à Diabolik, ainda precisamos revelar muito sobre o sábado retrasado.

FG

PS: mais tarde continuo, ou talvez nunca.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Camões vs. Gonçalves Dias - um duelo aos olhos verdes

Redondilha de Camões Menina dos olhos verdes Por que me não vedes? Eles verdes são, E têm por usança Na cor esperança E nas obras não Vossa condição Não é de olhos verdes, Porque me não vedes. Isenção a molhos Que eles dizem terdes, Não são de olhos verdes, Nem de verdes olhos. Sirvo de geolhos, E vós não me credes, Porque me não vedes. Havia de ser, Por que possa vê-los, Que uns olhos tão belos Não se hão de esconder. Mas fazeis-me crer Que já não são verdes, Porque me não vedes. Verdes não o são No que alcanço deles; Verdes são aqueles Que esperança dão. Se na condição Está serem verdes, Por que me não vedes? (poema retirado do livro Lírica Redondilhas e Sonetos de Camões da editora Ediouro) Olhos Verdes de Gonçalves Dias São uns olhos verdes, verdes, Uns olhos de verde-mar, Quando o tempo vai bonança; Uns olhos cor de esperança Uns olhos por que morri; Que, ai de mi! Nem já sei qual

Carta de Despedida

Sentir? Sinta quem lê! Fernando Pessoa Quando alguém ler estas palavras já estarei morto. Não foi por impulso, refleti muito, ao tomar esta decisão; percebi que o melhor não seria viver, mas desistir. Venho, através desta carta, me despedir de algumas pessoas; tenho, antes de tudo, a responsabilidade de amenizar a dor, causada por esta autônoma escolha, que infelizmente afligirá quem não a merece. Cansei de ser covarde, ao menos nesta derradeira atitude assumirei a postura obstinada e corajosa dos homens de fibra; não será por medo e nem por desesperança do futuro que abdicarei da existência, são razões bem mais simplórias que me autorizaram a colocar em prática resoluta solução; na verdade, talvez não exista razão alguma, esta será uma decisão como qualquer outra, e, portanto, será oriunda da mais depurada liberdade de meu espírito. Não quero responsabilizar ninguém, pois apenas eu, sem nenhuma influência exterior, escolhi por um ponto final nesta frase mal escrita

Narrativa Erótica

Um homem cansado fumava seu cigarro refestelado ao sofá, ouvia um pouco de jazz e não pensava em nada; Miles Davis, o inigualável músico americano, preparava seu organismo para uma vindoura noite de prazer. A atmosfera era cálida, desaconselhava as formalidades de qualquer andrajo ou vestimenta; em uma espécie de convite, o calor exortava-o à nudez. Não era belo, tampouco repugnante, tinha alguns atrativos capazes de seduzir mulheres mais liberais, apesar de magro possuía um corpo atlético, bem definido. Três baganas já pendiam sobre o cinzeiro, sua vitrola sibilava o ar com um doce almíscar sonoro de Blue in Green, criando um clima perfeito para possíveis relaxamentos sexuais . D e olhos fechados, aguardava, dentro de uma tranquilidade incomum, ansioso e apoplético; seus movimentos eram delicados, sincronizados, quase poéticos; levava o cigarro à comissura dos lábios, inspirava a fumaça para depois soltá-la, tentando criar figuras mágicas, inebriadas pela falta de pudor. A s