Em uma das minhas recreações na biblioteca da UFJF, encontrei um livrinho de citações, uma em especial chamou minha atenção, não perdi tempo em transcrevê-la, algo naquelas palavras parecia me impulsionar a uma nova verdade. Coincidentemente, hoje ao ler, na última edição da revista Carta Capital, uma matéria sobre o finado historiador Eric Hobsbawm, fui surpreendido pelos mesmos dizeres. Agora, tentando desvendar esta casualidade sincrônica, descubro meu retrocesso linguístico; minha memória sentimental, ao ludibriar o intelecto, subverteu minha escrita, transformando-a em um joguinho de erros e acertos. Alguns preferem a sugestão, outros são aficionados por pés, há ainda aqueles que detestam incomodar a imagem com música; eu, ao contrário, adoro camuflar o óbvio e sugerir o impossível, tenho certa predileção pelos olhos que, ao escolherem o verde em nosso lindo espectro de cores, amplificam minha sensibilidade a níveis apaixonantes, e, é claro, sobre formas e barulhos, tenciono em converter ambas em arte.
Teria Confúcio algum ensinamento a passar aos nossos três cineastas de hoje? Sinceramente, não sei; no entanto, a mim, estou convencido, suas palavras modificaram, por frações de segundos, minha compreensão; naquele lapso temporal, ao perceber o óbvio imiscuído em infindáveis segredos, consegui desvelar todos os meus erros. Mas não se enganem, foi muito saboroso errar.
Por fim, eis os dizeres do filósofo quase pré histórico:
Se a linguagem não estiver correta, o que é dito não é o que se quer dizer. Se o que é dito não é o que se quer dizer, o que precisa ser feito não será feito. Se isso não é feito, a moral e a arte se deterioram. Se a justiça se extravia, o povo esperará em impotente confusão. Por conseguinte, não deve haver arbitrariedade no que se diz. Isso é mais importante do que tudo.
35. Deixa Ela Entrar - Tomas Alfredson - 2008
Coincidências à parte, ontem foi dia dos namorados, e o primeiro filme do post de hoje versa sobre a delicada relação entre dois estranhos pré adolescentes. Oskar, personagem principal da trama, é um menino tímido e introspectivo; vítima constante de bullying, vivia isolado, preso à sugestiva solidão das planícies gélidas do país escandinavo. Quando conhece Eli, menina igualmente reclusa, o garoto descobre o amor; no entanto, um elemento sobrenatural permeará a bizarra aproximação. Ao contrário da nova série de constipação estomacal com vampiros metro sexuais e lobisomens depilados, Deixa Ela Entrar não subestima a inteligência dos seus espectadores; na obra, terror, suspense e drama se misturam em um roteiro completamente adaptado ao presente; Tomas Alfredson, com uma habilidade incomum para iniciantes, filma com maestria e sensibilidade, transformando cenas sombrias e recheadas de sangue em primorosas mesuras ao sentimento amoroso. Dosando com precisão homeopática sequências de violência explícita e outras apenas sugestivas, o sueco conseguiu elevar seu filme ao panteão das grandes obras primas do gênero; os minutos derradeiros da película, na inefável e absurda cena da piscina, são inesquecíveis, provando que o cinema é uma arte completa.
34. À Prova de Morte - Quentin Tarantino - 2007
Todos sabem que Tarantino sempre foi um grande cinéfilo; em sua juventude, quando trabalhava em uma sofisticada locadora de VHS, passava os dias assistindo filmes dos mais diversos estilos. Apaixonado pela sétima arte, ao virar diretor decidiu homenagear todos os sub-gêneros obscuros que tanto o fascinava. Com o sucesso estrondoso de Pulp Fiction, Tarantino iniciou sua jornada de mestre ao criar odes inigualáveis ao cinema marginal. Jackie Brown ressuscitava os blacksploitations, já Kill Bill, em uma miscelânea de referências, revivia as antigas películas japonesas de samurais e kung fu. Com À Prova de Morte a deferência passou a ser as películas motorizadas dos anos 70, fissurado em Vanish Point, 60 Segundos e Bullit, sua nova mesura não poderia deixar de ser tecnicamente impecável. Duas longas sequências de ação pontuam o filme, e, sinceramente, eu ainda não conheço ninguém com a habilidade cinematográfica deste gênio. Se Olavo Bilac no estilo parnasiano era o rei da métrica poética, Tarantino no estilo "eu amo cinema" é o deus da orquestração cênica. O resto do filme poderíamos definir como espaços mortos, mas os diálogos afinados, danças eróticas e Kurt Russel fazem o desimportante ficar super interessante. Tenho certeza, se Tarantino filmasse uma sessão do STF, ele conseguiria transformar aquele engodo em algo empolgante.
33. A Fita Branca - Michael Haneke - 2009
Muitos disseram que a intenção do diretor com esta obra foi explicar as origens do ânimo belicoso que incutiram os alemães à segunda guerra mundial, apesar de plausível, a visão me parece incompleta, principalmente se analisarmos a carreira de Haneke. Obcecado pelo mal e suas implicações, ele sempre procurou abordar esta temática em seus filmes. Analisando um pequeno povoado alemão às vésperas do primeiro grande conflito mundial do século passado, com A Fita Branca o realizador tencionava em prescrutar a gênese do sentimento. A estrutura simplória da obra, filmada em preto e branco, não compromete a profundidade da discussão proposta, pelo contrário, apenas ajuda ao diretor a sugerir, em cena, violências perversas que parecem comuns. Toda a hierarquia social envolvendo crianças e adultos e o rígido sistema educacional de autoridade, imposição e medo intensificam o clima sádico construído pelo diretor. Em uma cena, uma mulher tranca a porta de um quarto para castigar uma pequena malcriação de uma das crianças, nada é mostrado, no entanto quando a câmera, em um primeiro plano de arrepiar, fecha no rosto assustado, lacrimoso e violentado do menino, somos despertados por uma epifania de crueldade. Insistindo na sugestão, Haneke consegue ser explícito em afirmar seu pessimismo social, ele, ao lado de Foucault, vai além de Nietzsche, anunciando não a morte de Deus, mas sim a morte do Homem. (Aff...).
FG
Caro escritor ,sua postagem sobre a "Fita Branca" me teria sido muito util a uns 5 dias atras,afinal o filme foi tema de uma das questoes do vestibular da Uerj.
ResponderExcluirDo mais passei aqui pra lhe dizer que existem escritos seus perdidos aqui por Volta Redonda ,e a amiga que me indicou esse blog encontrou dia desses o que talvez fosse um caderno seu,ou do irmao dela,seu amigo de faculdade,com alguns poemas seus.. Irei postar,caso lhe seja conveniente, quando puder..Acho que reler um texto escrito por nos mesmos sempre sera a melhor forma de reencontrar com o passado e nos reconciliar com quem nos eramos... Te desafio a tentar se lembrar a tematica dos poemas,quem sabe um verso da poesia que ela achou?
Até breve menininho hahaha!
Nossa, estou surpreso. Mas, por favor, queime este caderno. Não me lembro do conteúdo, no entanto tenho certeza que todas as palavras e frases são apenas lixo.
ExcluirPensando bem, se você quiser pode postar neste espaço meus supostos "poemas", será engraçado rir do meu recente passado; aliás, confesso que venho adquirindo, aos poucos, um ligeiro prazer em sentir vergonha.
Muito provavelmente algo naquele caderno versava sobre minha ingenuidade, sua despedida foi um pouco sugestiva. Um abraço e até a próxima.
"No campo deserto das flores
ResponderExcluirvejo a seca encharcada
atraves do horizonte sem cores
busco o vazio da alma
Em um sentimento confuso
encontro a beleza apasiguada
por uma lagoa de aguas rasas
Me afogo no obscuro da palavra
O vapor da solidao
qual mesmo sem razao
esconde o certo no errado
sem conseguir tocar no coraçao
sossego em meu jardim
alma eterna em solidao
no deserto colho mil jasmins
Queria fechar os olhos
enxergar(? nao entendi a letra rs) flores e passarinhos
Na ingenuidade do menininho
Queria fechar a boca
para ouvir o canto da sereia
Na calmaria insana da areia
Queria tampar os ouvidos
e gritar o mais alto possivel
contemplando o belo invisivel
Queria tampar o nariz
sentindo o aroma
maravilhoso da pamplona
Mas nao queria perder os sentidos
Pra nao me esquecer de imaginar ... "
Achei incrivel como de costume.Nao vou queimar o caderno haha ele nao me pertence e acredito que os proprietarios do seu pequeno acervo nao queiram se desfazer assim das suas palavras.Caso encontre mais lhe aviso e posto haha até mais Felipe! Ps: as manifestaçoes estao acontecendo porai também ?
Lendo, achei super engraçado; parece pedaços de poemas, ou melhor de tentativas de poemas, interligados por algo misterioso. Como havia dito, não passa de lixo que felizmente eu já não me recordo de ter escrito. Sobre os protesto, foi até coincidência, acabei de escrever um texto sobre o assunto, quando você ler, fique à vontade para comentar. Abraço.
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