Coincidentemente, os três filmes da
postagem de hoje flertam com um elemento bastante popular neste blog;
mesmo com temáticas diversas e concepções artísticas
diametralmente opostos pairam sobre eles camadas rugosas de solidão.
Aliás, sempre quando lembro deste sentimento, ressurge em meus
pensamentos a dolorosa poesia Lisbon Revisited de Álvaro de
Campos; uma das estrofes, outrossim, sempre dialogou com meu lado
sádico e dolorosamente sardônico, deixando explícito quem eu sou;
mesmo porque, se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a
vontade; assim, como sou, tenham paciência; vão para o diabo sem
mim; ou deixem-me ir sozinho para o diabo; pra que havermos de irmos
juntos?* A par do despropósito
da referida citação, deixo
claro que tenho a liberdade para desvirtuar todos os textos, digitar,
sem qualquer censura, o que me vier a mente. Aos
poucos e fieis leitores que acompanham os desabafos daquele que vos
escreve, considerem o poema de Pessoa uma delicada mesura. Eu sei:
ando perorando frases sem sentido, também tenho a noção que são
vocês os legitimados a pedir, pelo amor a Deus, para não serem
maçados; além de tudo,
confesso, apesar de não ser de companhia, algumas pessoas,
principalmente aquelas que leem este blog, são bastante agradáveis;
portanto, fiquem tranquilos, irei, com um sorriso no rosto e sem
qualquer hipocrisia, sozinho ao Diabo, e de lá, até a chegada do
Vazio e do Silêncio, trarei apenas boas recordações. Eis
a primeira: tive um bom dia,
boas conversas, encantadores encontros; chego em casa, é madrugada,
deito no sofá, com o controle na mão procuro algo conhecido,
desisto, ligo o computador, e só consigo pensar em silêncio; tenho
que escrever, então, escrevo sobre ele e tento encontrá-lo. Basta!
Tenho que cumprir uma promessa interna; o cinema, o cinema, eis um
belo começo... o cinema...
Alguns
segundos de delírio e volto ao normal, devo continuar; no
entanto, antes de adentrar nos comentários das respectivas obras,
gostaria de deixar publicado uma música presente na trilha do meu
44º lugar. Colateral
é um típico filme de canal a cabo, reprisado constantemente em
diversas emissoras, a obra de Michael Mann sempre me despertou um
grande interesse; todas as vezes que estou preguiçosamente relaxando
à frente da TV e encontro a película sendo exibida, revejo o filme;
algum magnetismo me prende a ele, a cidade de Los Angeles, o vazio,
e, é claro, Shadow On The Sun.
Staring at the loss,
Looking for a cause,
And never really sure.
Nothing but a hole,
To live without a soul
And nothing to be learned.
44. Colateral – Michael Mann – 2004
Estranho, já iniciei os comentários
sobre a obra e parece que devo reestruturá-lo, um(a) novo(a)
passageiro(a) adentrou em meu espaço e ainda não sei como devo
tratá-lo(a). Na nossa vida, à semelhança do que ocorre dentro de
um táxi, nunca sabemos ao certo quem aparecerá na próxima esquina,
tampouco imaginamos que este(a) suposto(a) estranho(a) dará sinal
para pararmos; durante nossa trajetória somos obrigados a conduzir
pessoas com personalidades múltiplas e diversos comportamentos,
algumas chatas, desinteressantes, outras, no entanto, incríveis e
apaixonantes; às vezes um mero olhar nos deixa anestesiados,
oferecemos carona, mesmo sem ser requisitado, na esperança do
sincero consentimento. Sozinhos, depois de um dia de trabalho, qual é
a inevitável conclusão? Tudo aquilo alheio ao destino, caros amigos, é mais
etéreo e rutilante.
Este texto introdutório pode parecer
nonsense, mas, acreditem, Colateral, nas estrelinhas, fala, em meio a
um vórtice de encontros e desencontros, sobre a paradoxal solidão
das multidões modernas. Jamie Foxx é a encarnação do homem
contemporâneo, trabalha duro, tem poucas relações e muitos sonhos;
taxista, vive o enigma do solitário, pois entre trajetórias
desconhecidas, conduz qualquer um ao destino, ao lugar determinado.
No vértice oposto e igualmente recluso encontramos o personagem de
Tom Cruise; matador de aluguel, assim como o taxista, ele entrega
pessoas avulsas à última estação, selando-lhes a sorte ao
conduzi-las ao derradeiro destino. Entre os dois, está Jada Pinkett
Smith; no final um deles a conquistará, um pelo o amor e o outro pela
morte, destinos opostos divididos pela solidão.
Tantas reflexões e esqueci o mais
importante; o trabalho de Michael Mann é soberbo, poucos conseguem
filmar ação com tamanha habilidade. Mas, aproveitando o ensejo,
voltarei às metáforas, afinal, hoje estou sem sono, olho o relógio
e vejo que as horas estão passando, daqui a pouco é um novo dia, uma
nova semana, um novo mês, um novo ano e, quem sabe, um novo olhar.
Meu táxi está vazio, e só vou pará-lo quando tiver vontade,
contudo, se um matador de aluguel decidir me ajudar, talvez, deixando
de ser uma sombra solar, eu vire a chama capaz de complementar a
prosa de alguma sequência de versos mal escritos. Aliás, vale lembrar, para concluir meus
estouvados pensamentos, que no meio de tantos, ninguém irá se
importar com as palavras de um reles blogueiro. Mas, a par de tudo
isso, e como sou um sujeitinho atoleimado, antes de terminar, serei
ousado; pedirei permissão a Fernando Pessoa para aprimorar seu canto
e dizer que enquanto tardar o abismo e o silêncio procurarei, se não
encontrar o amor, a solidão, a dor e o espanto.
Ish... Cruise tinha razão, quando
alguém morre no metrô de Los Angeles ninguém percebe; eis, ao lado do fracasso e da falta de talento, a nossa
nova dimensão do existir.
43. O Labirinto do Fauno – Guilherme Del
Toro – 2006
Serei mais sucinto neste novo
comentário, tentarei evitar o desabafo sentimental, pois não quero
ser, como infelizmente tenho sido, demasiadamente pedante. Como tenho
poucas recordações, será muito difícil escrever sobre este filme,
provavelmente já se passaram seis anos do meu primeiro e único
contato com a obra; ela entrou na lista, porque, apesar do tempo,
guardo a sensação agradável transmitida aos meus olhos. Em uma
mistura de realidade e fantasia, Guilherme Del Toro faz uma mordaz
crítica ao governo fascista do general Francisco Franco. Através do
olhar de uma garotinha, a protagonista do filme, somos forçados a
enfrentar dimensões paralelas; uma, repleta de criaturas fantásticas
e mórbidas, e outra, habitada pelos militares, membros do Estado
ditatorial; no fim, o mundo real parece ser o mais pernicioso e
ignóbil, e entre a fantasia e a realidade, a primeira certamente é
a melhor opção. Confesso que, sobre o enredo, estas são todas as
informações ainda armazenadas em minha memória; no entanto, o
roteiro não seria nada sem as imagens; todas inefavelmente belas.
Aos que não viram, corram, assistam logo; àqueles que, como eu, já
não têm muitas lembranças, não sejam bobos, revejam o quanto
antes.
42. Minority Report – Steven Spielberg –
2002
Mais um filme estrelado por Tom Cruise,
já são três e a lista está apenas no início; será que
negligenciei aquelas obras absconsas que tanto me agradavam? Na
verdade, sempre admirei o enredo e a estética de Minority Report.
Uma legítima ficção científica com o requinte da influência do
cinema noir, não poderia ficar alheia aos meus processos
avaliativos. A ambiguidade entre o claro e o escuro, tão comum no
gênero citado, aqui é substituída pelos contrastes das diversas
tonalidades do azul; esta cor, cheias de nuanças e mistério, dá ao
filme uma lôbrega placides perfeitamente amoldável à falsa
moralidade criada e proposta pelo roteiro; pois em um sistema penal
de mentira, dependente dos presságios, nada auspiciosos, de três
“robôs orgânicos”, a lei, substituídas pelos desejos, perde a
primazia e a importância; o penalmente relevante deixa de ser o que
as pessoas fazem e passa a ser o que as pessoas desejam fazer; o dolo
migra da conduta para o pensamento.
“Run, Cruise, Run”, foram estas as
palavras usadas por Spielberg para definir seu filme; a frase, uma
clara alusão ao super popular Corra, Lola, Corra, não sintetiza ou
resume a obra, pelo contrário, além do ótimo entretenimento, o
filme, mesmo assumindo uma postura humilde, é um excelente manancial
de boas e más reflexões.
FG
Obs* Este trecho faz parte da poesia Lisbon Revisited retirada do livro Antologia Poética de Fernando Pessoa da editora Ediouro. Abaixo a poesia na íntegra.
LISBON
REVISITED (1923)
Não: não quero nada.
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafisica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!)
Das ciências, das artes, da civilização moderna!
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na!
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
Não me macem, por amor de Deus!
Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?
Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!
Ó céu azul o mesmo da minha infância,
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflete!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.
Deixem-me em paz! Não
tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!
Ola escritor,como andas?
ResponderExcluirComo de costume volta e meia visito o blog e adoro o tom melancolico que encontro por aqui.Embora tristeza demais nem sempre seja bom.A realidade é mesmo frustrante e entre o peso e a leveza descobri que a vida escolhe quando podemos desfrutar da leveza e quando precisamos carregar o peso do mundo sobre nos.
As postagens estao pertinentes como sempre, "O labirinto do Fauno" é realmente um filmasso!diretor de renome que retoma o cinema expressionista europeu .. nao é atoa que ganhou muitas premiaçoes.De fato o livro do Milan esta em falta na livraria de minha cidade.Entretanto encontrei outras obras incriveis por la..Nao deixe de postar,tenho certeza que muita gente aprecia as dicas e as ideias aqui expressas.
A proposito voce deveria procurar um lugar além daqui pra escrever...Talvez uma coluna num blog de cinema,musica?algo um pouco mais cultural e menos obvio.Tenho certeza que agradaria um grande publico.
Do mais,uma boa semana (:
Olá. É ótimo ser incentivado a continuar, e sempre quando encontro um comentário seu no blog, fico muito feliz e satisfeito.
ExcluirSinceramente, escrevo, mesmo nos textos mais melancólicos, por prazer; sendo assim, caso eu conseguisse um espaço em outro endereço, o que é difícil, teria de assumir compromissos, perderia minha liberdade de homenagear o silêncio.
Ah... qual livro você está lendo? Confesso que fiquei curioso.
Um abraço.