As frases que antecedem os comentários dos filmes não são meros desabafos, tampouco representam confidências inúteis de um sujeitinho desavergonhado e boçal. O objetivo em criar uma super postagem dividida em várias partes é, além de opinar sobre as respectivas obras, exercer a escrita diariamente. Estabelecer um caminho ou uma meta facilita meu empreendimento, e, vale lembrar, que, quando escrevo, crio um personagem atormentado pela dor de não possuir dor alguma; minha multifária persona social, alienada, sado masoquista e compungida por um imenso sentimento de culpa e remorso, segue a inspiração das películas em comento, nada é gratuito e todos os textinhos de abertura obedecem, em maior ou menor grau, a temática sugerida. Ao leitor mais atento, ofereço um pequeno enigma facilmente desvendável; basta assistir aos filmes e tudo passa a fazer sentido.
Confesso: sinto prazer em me expor ao ridículo, pois minha liberdade e desapego às falsas aparências apenas se elevam quando escrevo. Esconder o produto de um crime, amoldando-se às circunstâncias por medo, é o apanágio medíocre do extrovertido. Se queres me acusar que acusem, não me importo. Aliás, se é pecado revelar a própria insinceridade, já tenho meu lugarzinho guardado na vetusta fogueira da eternidade. E se eu fosse livre para escolher, escolheria, sem titubear, o diabo; ele, certamente, é divertido, encantador e muito simpático. Cansei de vagar sem rumo, não quero mais acordar, trabalhar, estudar, dormir e descansar; minha alienação, socialmente imposta, será convertida em palavras; dane-se as obrigações, compromissos; foda-se a coletividade, o outro; sejamos individualistas, egoístas, burgueses. O prazer solitário, o exercício masturbatório, a contemplação no espelho, a retroalimentação do próprio ego, e o falso escrutínio de votos meramente financeiros, escondidos em esgotos e bueiros, serão alçados à superfície não por uma enchente de verdade, mas pela impossibilidade de armazenar, por inteiro, a enxurrada de vergonha, caos e desespero.
Caros leitores, o ideal é saber ver, pois a alma do palhaço ri, já a do mercenário despreza. Portanto, vou chorar pela boca, sorrir pelos ouvidos, raciocinar pelos olhos, caminhar sem pernas e contemplar a alegria sofrível de não saber a ótica sincera da fealdade. Viva a arte, viva o belo, viva o indivíduo!
38. Todo Mundo Quase Morto - Edgar Wright - 2004
A primeira comédia da lista é uma sátira dos filmes de zumbis; cheio de referências aos clássicos de George Romero, Shaun of the Dead, trocadilho com o nome do protagonista claramente inspirado na obra máxima do gênero Down of the Dead, conseguiu, com um humor cáustico e afiado, potencializar as críticas sociais tão comuns no estilo. Imagino o prazer, para a dupla criadora do roteiro Simon Pegg e Edgar Wright, filmar tamanha insanidade. Com um enredo absurdo e inventivo, os realizadores nos oferece algumas horas da mais insofisticada satisfação. A história gira em torno de Shaun; homem comum sem grandes qualidades, ele vive uma vida pacata, tem emprego, namorada e um grande amigo; seu cotidiano metódico transforma suas ações em atividades mecânicas. Alheio a tudo, quando uma epidemia passa a transformar todos em zumbis, nosso herói demora séculos para perceber, afinal, fora o aspecto físico, a condição de morto vivo já era apanágio da população. A cena final dos dois amigos jogando vídeo-game é de rachar de rir. O bom humor aliado à sarcástica reflexão alçaram Todo Mundo Quase Morto ao meu 38º lugar.
37. Match Point - Woody Allen - 2005
O primeiro longa de Woody Allen filmado fora da cidade de Nova York é, desde Crimes e Pecados, seu melhor trabalho. Sem dar espaço para a comédia, o diretor, inspirado pelo clássico de Dostoiévski Crime e Castigo, criou um suspense denso que, à semelhança do livro citado, incuti em seu espectadores uma série de reflexões sobre dilemas morais. Entrementes, ao contrário de Raskolnikov, protagonista da obra russa, o personagem de Jonathan Rhys Meyers, ex jogador de tênis, malgrado seu temor em ser descoberto, não se aflige em demasia em relação ao crime praticado. No romance eslavo o sentimento trabalhado é a culpa, já em Match Point o que irá sedimentar todo o enredo é a angústia antecipatória da ação criminosa; os quase dois séculos que separam as obras foram determinantes para esta inversão de valores.
Antes de terminar não poderia esquecer o ápice do filme. O ponto final, sugerido pelo título, será um lance típico do esporte genuinamente inglês. Não à toa a abertura da película ocorre nas quadras de tênis, pois o desfecho do drama acontecerá em um magnifico plano que sugere uma jogada de sorte ou azar para os tenistas. Aliás, Allen parece ter orquestrado todo o seu filme em função da referida cena. Sempre um elemento secundário na maior parte de sua obra, nesta os planos e enquadramentos receberam um tratamento especial, a bela fotografia só corrobora meus argumentos.
36. Ichi, The Killer - Takeshi Miike - 2001
Se na literatura Balzac foi um escritor incansável, produzindo centenas de obras, entre contos, romances e novelas; no cinema Takeshi Miike é o seu similar. Filmando entre seis e oito filmes por ano, a produtividade do diretor japonês é absurda. Como é fácil de supor existe um desnível de qualidade brutal entre as obras. Filmes infantis, de androides, de robôs estilo power rangers, terrores pornográficos, épicos de samurai, entre um zilhão de outros sub-gêneros figuram na filmografia irregular do realizador. Ao lado de Audition, Ichi - The Killer é sua melhor obra. Com um visual arrojado, cheios de insanidades estéticas, a película, inspirada no mangá homônimo, talvez tenha criado o personagem sado masoquista mais bizarro da história do cinema; Ichi não é um mero assassino, ele, além do prazer no sofrimento físico, regozija-se na frente de corpos dilacerados e mutilados. Não obstante a violência desproporcional sugerida, o filme é muito divertido e seu preciosismo formal compensa as toneladas de sangue gratuitamente jogadas em cena.
FG
Comentários
Postar um comentário