Hoje,
em Juiz de Fora, voltaremos às ruas para novamente chamar a atenção.
Segunda-feira milhares caminharam da praça São Mateus até o centro
da cidade. Meus companheiros etários, felizes em participar de algo
novo, naquele dia, tentaram manter a seriedade, disfarçaram o
júbilo, e esconderam a satisfação. Eles estavam protestando e,
portanto, era necessário assumir um esgar indignado. Não
participei da caminhada, pois já na concentração me senti acossado
por tristes e contraditórios pensamentos, sabia da importância
simbólica daquele ato, mas tive medo, e ainda tenho, de ser apenas
mais um convidado de uma camuflada orgia manipulativa. É estranho
perceber que no meio de tantos que se dizem enxovalhados por uma
realidade perversa, não haver nenhum reflexo sincero de humilhação;
estavam todos felizes, sorridentes. Tudo bem, este sentimento é
natural, pela primeira vez estávamos abraçando à cidadania. Aquele
foi nosso primeiro e mais robusto protesto, mesmo assim me senti uma
peça desimportante de uma grande obra kitsch. Não sou totalmente
cético com o nosso movimento, pelo contrário, quem leu meu texto
anterior sabe que tenho grandes expectativas e esperanças com o
vindouro sucesso de nossos atos. Há pouco mais de uma semana, por
exemplo, abríamos o facebook e encontrávamos apenas fotos de
festas, recadinhos plangentes, mensagens insignificantes. Eu mesmo
estava postando, neste blog, uma lista dos melhores filmes da década
passada; aliás, quem já leu meus textos conhece minha persona
introspectiva e individualista, pouco preocupada em discutir temas
políticos, sociais e coletivos. Hoje, quem diria, 90% das postagens
do face estão relacionadas aos protestos. Vídeos, músicas, poemas,
depoimentos, relatos de incentivo, manifestos, cartas de apoio e
criativas frases inundam nossa mais famosa rede social; todos,
felizmente, querem palpitar e participar dessa nova onda de
engajamento cívico. Este estupor democrático de cidadania que vem,
ao longo dos últimos dias, politizando nosso espírito me deixa
bastante otimista, contudo precisamos de mais organização e foco,
caso contrário, ir a passeatas ou expor, via internet,
descontentamento tornar-se-á mera atividade perfunctória.
Somos
uma geração inexplicável, nossos conflitos internos e externos,
sempre cheios de ambiguidades, não obedecem uma trajetória linear;
somos dispersos, desorganizados, estamos em constante mutação e
muitas vezes, sufocados por ideias contraditórias, seguimos
desordenados à procura de objetivos opostos. Hoje, à semelhança de
segunda, iremos as ruas para marcar presença, protestar contra tudo.
Sei que haverão protestos específicos, sábado ocorrerá uma
manifestação em repúdio ao estatuto do nascituro, e nas próximas
semanas passeatas contra a “cura gay” e a PEC 37 entrarão em
pauta. Mas se hoje é contra tudo, o certo seria todos os juizforanos
participarem do movimento, afinal não há ninguém totalmente
satisfeito, e sempre existirá reivindicações justas a serem
levantadas. Sendo assim, temos que parar a cidade, juntar cinco mil,
dez mil, vinte mil, cinquenta mil no parque Halfeld e gritar por
direitos. Vamos caminhar conscientes com a certeza de que o nosso
movimento é sim um movimento político; desprezar bandeiras
partidárias é burrice, pois confraternizar um ideal de maior
participação popular ao lado de indivíduos com pensamentos
diametralmente oposto é a maior prova democrática e cidadã que
podemos dar. A luta de hoje é por maior espaço, respeito,
consideração; queremos ser ouvidos por nossos representantes, para
tanto, temos de dar o exemplo; aos apartidários, psdbistas,
petistas, radicais de esquerda ou de direita, homossexuais,
heterossexuais, bissexuais, pansexuais, mulheres, homens,
transgêneros, ricos, pobres, estudantes, trabalhadores e aposentados
peço: vamos dar as mãos e lutar juntos, vamos provar a Bertold
Brecht que na nossa cidade não exitem analfabetos políticos*, vamos
cantar o hino nacional com orgulho, ser espontâneos e sorrir de
felicidade por tentar fazer história ou chorar pelo descontentamento
de viver em um país aviltado por governantes escroques, capadócios
aproveitadores e poderosos imundos, vamos nos abraçar, sibilar e
depois gritar palavras belas, dizer “sim, nós podemos”, pedir
com respeito que motoristas deixem seus carros, parar delicadamente
os ônibus, conclamar os moradores do entorno para que eles se juntem
ao movimento; vamos unidos fazer poesia, homenagear a arte, a beleza
do universo, exultar, por enquanto, apenas bons sentimentos. Hoje
seremos aplaudidos; mobilizados, mostraremos força e harmonia. Com
sutileza tiraremos a máscara resignada do conformismo, para
finalmente nascer aos olhos do mundo. Porém, algo precisa ficar
claro, se hoje é poesia, amanhã teremos de converter a qualidade
literária dos nossos versos, para transformá-los em ação. Hoje
caminharemos juntos, vamos mostrar a quem manda que somos fortes, mas
amanhã, quando tudo parecer calmo, assumiremos o controle, para
mostrar que quem manda somos nós.
Minutos
atrás, escrevendo os parágrafos anteriores, pensava sobre os ideais
que estão em jogo, refletia, preocupado, sobre a heterogeneidade do
movimento. Naquele sincopado lapso temporal minha memória foi
presenteada com as lembranças de um inefável texto de Saramago. “O
Conto da Ilha Desconhecida” não me fez mudar de opinião, mas
desanuviou meus contraditórios pensamentos. Na estória um homem,
desejando encontrar e explorar uma ilha desconhecida, vai à porta
das petições exigir do rei um barco. Sua insistência é premiada,
o rei lhe concede a oferenda. No porto, ele, na companhia da mulher
da limpeza - personagem que, encantada com a persistência daquele
homem, deixa o palácio real pela porta das decisões - passa a
procurar uma tripulação. Triste pelo insucesso da busca diz:
Disseram-me
que já não há ilhas desconhecidas, e que, mesmo que as houvesse,
não iriam eles tirar-se do sossego dos seus lares e da boa vida dos
barcos de carreira para se meterem em aventuras oceânicas, à
procura de um impossível, como se ainda estivéssemos no tempo do
mar tenebroso.
Não
sei por quais ideais lutamos, a esquerda fracassou, o liberalismo
mostrou-se perverso e ainda não sabemos qual é o alcance da
democracia. Somos uma geração perdida, queremos justiça, amor,
conforto; temos, à semelhança dos jovens de épocas passadas, uma
ânsia em mudar o mundo, mas até pouco tempo qualquer sonho era
ingenuidade. Sempre quando olhávamos pra trás ficávamos com inveja
das gerações passadas, eles lutavam pela democracia e sonhavam com
um ideal lírico de igualdade, naqueles tempos o socialismo ainda era
uma esperança. Nós nascemos na era do fim das utopias, e, portanto,
sem ideais ou objetivos, lutar seria praticamente inviável. Mas eis
que a chance aparece; imiscuído em uma crise ética, política e
social, nosso país nos instigou a protestar. Não podemos perder a
oportunidade de procurar novas soluções, sonhos, utopias, temos que
acreditar nelas, e ter a certeza que nem tudo foi investigado ou
estudado. Muitos dirão, conforme os marinheiros do conto, que não
há mais ideais a serem descobertos ou explorados, outros preferirão
o sossego do lar, da vida metódica de estudo e trabalho; estes
fracos e acomodados irão se arrepender no futuro, serão perguntados
por seus filhos e netos se participaram daquelas transformadoras
manifestações; envergonhados, terão uma única resposta:
infelizmente não.
Se
durante nossos protestos não encontrarmos nenhuma ilha, apenas a
tentativa já será transformadora; aliás, no conto de Saramago o
belo desfecho da obra sinaliza exatamente nesta direção. Temos que
buscar, ávidos e compungidos pela necessidade de mudança,
objetivos, sonhos, metas, soluções, utopias e ideais; mas enquanto
eles estiverem obscuros, nebulosos, o melhor é seguir o exemplo do
homem e da mulher da limpeza. Os dois, no final do conto, decidem
nomear o barco de Ilha Desconhecida; Saramago, então, encerra sua
estória com os poéticos dizeres:
Pela
hora do meio-dia, com a maré, A Ilha Desconhecida fez-se enfim ao
mar, à procura de si mesma.
Façamos
igual, vamos protestar para aprender quem somos e o que queremos. O
desafio é enfrentar o
mar, pois apenas protestando e marcando presença, seremos ouvidos e
conseguiremos, ao identificar nossos anseios, mudar algo.
Dito
isso, convoco todos os habitantes de Juiz de Fora a se reunirem hoje
na praça São Mateus e caminharem juntos em busca de novas
esperanças.
Força
e coragem, o futuro é nosso!
FG
Obs: *a expressão refere-se ao seguinte poema de Bertold Brecht:
O pior analfabeto é o analfabeto
político.
Ele não ouve, não fala,
nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida,
o preço do feijão, do peixe,
da farinha, da renda de casa,
dos sapatos, dos remédios,
dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro
que se orgulha e enche o peito de ar
dizendo que odeia a política.
Não sabe, o idiota,
que da sua ignorância política
nasce a prostituta, o menor abandonado,
e o pior de todos os bandidos
que é o político vigarista,
aldrabão, o corrupto
e lacaio dos exploradores do povo.
nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida,
o preço do feijão, do peixe,
da farinha, da renda de casa,
dos sapatos, dos remédios,
dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro
que se orgulha e enche o peito de ar
dizendo que odeia a política.
Não sabe, o idiota,
que da sua ignorância política
nasce a prostituta, o menor abandonado,
e o pior de todos os bandidos
que é o político vigarista,
aldrabão, o corrupto
e lacaio dos exploradores do povo.
O conto de Saramago citado no texto pode ser encontrado no seguinte link:
Ola escritor,minha presença vem se tornado constante em teu blog por ter encontrado afinidade as suas palavras,e nenhum outro texto dentre os inumeros que li internet afora sintetizam meu pensamento no dia de hoje como os seus dois ultimos posts...Quando li o primeiro estava no mesmo impeto de ir as ruas,manifestar-me embora nao sabendo ao certo se vale a pena lutar - nao por questoes de comodismos,mas por certo receio de que a manifestaçao tome outros rumos e grupos politicos se aproveitem de um povo desnorteado para assumir o controle sabe Deus como..- eram sem-fim demonstraçoes de patriotismo e amor a patria repentinas pelas redes-sociais e um grande choque entre geraçoes que desejam mudança e as que descobriram que mudar nem sempre é pra melhor.Pois hoje fui as ruas, vi e participei de um protesto bonito,porém mal embasado,eu mesma admito meu erro em nao ter me interessado anteriormente pela politica nacional e por estar de fato tao perdida quanto todos os outros...Sao tantas reinvidicacoes que mal se pode escolher por onde começar,mas ainda acho que a luta nao pode parar e apoio o movimento independente do que aconteca quero defender o ideal da minha juventude.Por isso la fui,em parte movida também pela busca da utopia por voce citada,e por aquele momentaneo pulsar de adrenalina que me tiraria da apatia habitual.O que la encontrei foi o kitsch,mas ao mesmo tempo uma especie de força sobrenatural que mantinha todos os manifestantes unidos,e nao da pra negar.é um sentimento que so se experimenta umas raras vezes na vida ,e geralmente numa final de copa do mundo.rs.Embora queira que as guerras acabem estou feliz por todas as mudanças.
ResponderExcluirSeus textos sao incriveis.Sua melhor arma de protesto.
espero que a utopia juvenil de mudar o mundo(ou ao menos mudar sua propria realidade) permaneca viva em voce...Até Mais.
ps: poemas nunca sao lixo ( nem aquele "poema do cu" que voce escreveu tempos hahahahahahahhahaha e que encontraram junto das suas coisas - assim como inumeras listas de filmes separadas por ano/genero/diretor e um quase roteiro de filme..qualquer dia posto)
Olá, é sempre bom dialogar com você neste espaço. Admito que, além do prazer gerado pela escrita descompromissada, ter conquistado, ao criar este blog, uma leitora assídua foi meu maior premio. Meus textos geralmente são escritos no calor do momento, assento na cadeira e digito da primeira até a última frase. Desta forma, não raras vezes, transmito um sentimentalismo exagerado; impulsionado pelo próprio entusiasmo da escrita, atropelo a reflexão sendo engolido por minha autenticidade ingênua. Este texto é um exemplo.
ExcluirNa quinta-feira estava mobilizado e muito animado, naquela ocasião pensava: hoje irei extravasar. No entanto, minha animação inicial virou decepção. De fato nunca pensei que conseguiria ver em JF tantas pessoas reunidas protestando, mas os gritos de guerra pareciam mecânicos, insinceros; todos repetiam frases como se estivessem cantando uma péssima marchinha de carnaval; e isto não foi o pior, observando alguns manifestantes ouvi conversas inacreditáveis e hilárias. Um grupo de rapazes, acredite, chegou a comentar: "no próximo protesto vamo toma umas, tá cheio de gatinha".
Não sei como foi as manifestações em outros lugares, acompanhei pela TV e pela internet os vídeos de vandalismo, saques, depredações; e, sinceramente, ainda não tenho opinião formada sobre isso; mas me parece que o que impulsiona grande parte dos manifestantes é a diversão; alguns gostam de destruir, outros preferem flertar com garotas ou garotos bonitos(as), alguns sentem-se acalentados pelo calor humano da multidão, e há ainda o grupo dos delicados e sensíveis que adoram fantasiar uma irrealidade para tentar escrever textos poéticos e sonhadores. Grande ironia, temos motivos de sobra pra protestar, e estamos fazendo isto em meio a grande diversão; ainda não conheci uma geração tão criativa, somos fantásticos.
Talvez este meu repentino ceticismo e o sarcasmo de minhas palavras a decepcione, mas no fundo ainda tenho esperança; não sei se voltarei às ruas, talvez um protesto melhor fundamentado me desperte novamente o interesse, assim espero. Mas, apesar de tudo, tentarei usar este espaço para provocar em mim mesmo, e porventura em algum leitor, reflexões; é difícil me desvincular da minha excessiva individualidade, no entanto tenho que tentar.
Por fim, apenas um conselho; não leve minhas palavras à sério, continue protestando, indo às ruas, bote fogo na CSN, piche a casa do prefeito, sei lá... no fundo ficar parado é pior.
Hoje estou triste, com poucas esperanças, mas mudo de ideia rápido e pode ser que em breve eu recupere o barco e volte, novamente, a procurar sonhos. Talvez, parafraseando Alberto de Campos, minha desesperança seja apenas uma consequência de estar mal disposto. Amanhã é outro dia, e quem sabe eu recupere o ânimo.
Abraço e bons protestos.
Ola, bom me parece que o gigante acordou e ja voltou a dormir rsrs - piada infame- de qualquer modo,as manifestaçoes calorosas que ocorreram nos ultimos dias foram de alguma forma abafadas ou perderam a força..A da minha cidade foi uma verdadeira micareta com direito a carros de som.Pra falar a verdade,ceticismo nao me decepciona,ja que perdi ha um tempo essa noçao ilusoria de um pais melhor,um mundo perfeito...embora soe individualista, acho que um mundo melhor sao coisas que podemos fazer para que a vida faça sentido,olhando por esse lado,ir ao protesto é uma forma de contribuir nao so com o pais,mas com a nossa formaçao pessoal também.A csn continua de pé,e espero que a Ufjf e o resto da sua cidade também continuem.Continuo na busca por livros do Kundera mas pelo que me parece estao extintos das bibliotecas,nao tem pra download e até nas livrarias estao em falta-um absurdo.Me foram sugeridos dois bons titulos que começarei a ler e vim compartilhar com voce , " O medo a liberdade" e "Meu encontro com Marx e Freud" ambos do Erich Fromm..E também lhe sugerir um bom filme do Bergman , "Morangos Silvestres".
ResponderExcluirObrigado,conto com mais posts e boas sugestoes por aqui (: