Se aventurar nas cartas do jovem Werther é tarefa delicada,
aconselhável apenas àqueles que já sofreram a dor de um amor não
correspondido; pois para inebriar-se com o ambiente ultrarromântico,
melindrosamente trabalhado pelo arguto e fantástico escritor alemão,
temos que assumir a postura ingênua dos apaixonados, lembrar do
desespero mesquinho, das lágrimas injustificadas, da falta de ânimo,
da letargia inviolável e, principalmente, do sentimentalismo oco,
vazio, irracional e egoísta. Todos nós, que já perdemos nosso
precioso tempo prostrados, com a cabeça no travesseiro, ao rememorar
os momentos idílicos de um passado idealizado e corrompido,
sentiremos um poder nostálgico ao ler as cartas de Werther, por
vezes graciosas e descritivamente belas, mas outras vezes amargas e
desesperançosas. Neste livro a literatura assume seu papel mais
genuíno, emocionar pela reprodução de uma irrealidade vivida e
compartilhada por quase todos nós; ao instigar a imaginação do
leitor, desanuviando uma verdade intima construída por falsos
pensamentos, Goethe dá ao público momentos sublimes e grotescos, em
que as lembranças pré fabricadas fingem, simultaneamente,
engrandecer e destruir nosso âmago. Para os que nunca amaram, toda
a dor de Werther não faz sentido, são apenas adereços de um estilo
literário importante, porém já esquecido.
A revolução literária proporcionada pelo Romantismo desestruturou
todas as formas de si trabalhar a linguagem; a grandiloquência das
tragédias antigas, a exacerbada erudição do classicismo e a
realidade objetivamente construída através da reprodução de
parâmetros estéticos considerados belos por excelência, comuns à
arte aristocrática, foram, aos poucos, substituídas por mecanismos
de expressão mais populares. Com a ascensão da burguesia, uma nova
classe de letrados, ávidos pelo entretenimento literário, passaram
a exigir textos que expressassem sensações e sentimentos humanos
mais íntimos e verdadeiros; ao deturpar a realidade com a força das
idealizações imagéticas, os escritores deste período corromperam
a estética objetiva, implementando o poder da imaginação e
amplificando o alcance da arte literária.
Os Sofrimentos do Jovem Werther é
um digno exemplar da literatura Romântica; suas minuciosas
descrições da natureza, o preciosismo na contemplação da
simplicidade da vida humana, e, é claro, o amor impossível,
platônico e idealizado que surge no transcorrer da trama, podem
resumir com precisão todo o estilo. O livro é constituído por duas
partes, ambas são basicamente transcrições das cartas de Werther
ao seu amigo de infância Wilhelm. Na primeira parte o personagem
título, demonstrando imensa felicidade, relata sua tranquila estadia
na pequena província de Wahlheim, conta o deleite que a vida simples
dos camponeses proporcionava ao seu coração e descreve, com apreço,
a natureza exuberante. No entanto, em um dia matizado pelo espectro
de nuvens plúmbeas, Werther conhece Carlota, e não consegue
disfarçar sua admiração pela beleza da delicada donzela; ao se
apaixonar vai aos poucos destruindo sua existência. Vale lembrar que
Carlota adquire imensa amizade pelo nosso jovem apaixonado; nos
primeiros dias de convívio seus encontros são frequentes, mas ambos
reconhecem a impossibilidade de qualquer envolvimento amoroso, pois
Carlota já era comprometida a Alberto. De fato, Carlota e Alberto se
casam, Werther desesperado foge de Wahlheim, dando início a segunda
parte do romance.
Werther, longe da mulher amada,
ingressa no serviço público, iniciando uma promissora carreira ao
lado do ranzinza
embaixador; contudo, alguns problemas com a aristocracia provinciana
o impele a abandonar seus serviços; decide, após a escolha
intempestiva, retornar à Wahlheim, pois não conseguia mais ficar
longe de Carlota. Ao voltar a província, seus encontros com a amada
já não podiam ser tão frequentes, a amizade entre os dois causava
ciúmes em Alberto. Por ser uma boa esposa e admirar profundamente o
marido, Carlota evitava encontros prolongados com nosso infeliz
protagonista, este, inflamado por anelos irrealizáveis, começa a
pensar na própria morte. Em conversa com Alberto, Werther expõe
seus pensamentos sobre o suicídio:
“'A natureza
humana',prossegui, ' tem seus limites: pode suportar, até certo
ponto, alegrias, tristezas e dores; se ultrapassar este limite
sucumbirá. Não se trata, portanto, de discutir se um homem é fraco
ou forte, e sim de saber se ele pode suportar a medida de seus
sofrimentos, sejam eles morais ou físicos. E no meu entender é tão
absurdo dizer que um homem é fraco por suicidar-se quanto seria
inadmissível chamar de covarde aquele que morre vitimado de uma
febre maligna'.”
Ao final da estória,
Werther impulsionado por sua irracionalidade amorosa, declara-se a
Carlota tomando-a aos seus braços; aviltada pela ousadia do rapaz, a
jovem foge, confusa e envergonhada, para seus aposentos. Depois do
incidente, Werther decide morrer; convicto, após o beijo
supostamente correspondido, de que Carlota também o amava; escreve
uma carta de despedida, dizendo a ela que a esperaria no paraíso
próximo. Ao menos em suas cartas nosso herói parecia estar seguro e
de certa forma contente e aliviado por sua derradeira decisão; ele,
planejando passa a passo seus últimos dias, conforma-se com sua
escolha definitiva. Morre tranquilo.
Pelo sucesso estrondoso atingido pela obra, Goethe tornou-se
instantaneamente famoso na Europa; as simplórias e ao mesmo tempo
sublimes cartas de Werther provocou, segundo biógrafos do autor, uma
onda de suicídios no velho continente. Na época, devido à grave
situação, Goethe foi forçado a ir a público para desaconselhar
seus leitores que pensavam em seguir os passos de seu fictício
personagem. Este fato histórico demonstra a força e a capacidade de
obras literárias em influenciar os indivíduos, no entanto, devo
advertir: esta influência gera apenas autocontrole, seja ele genuíno
ou patológico*.
O Romantismo, ao modificar as
formas de expressão, popularizou a arte, intensificando seu alcance;
todavia, não alterou ou arrefeceu a qualidade artística deste
universo cultural. Podemos dizer que sem os autores românticos nossa
literatura moderna não seria a mesma.
Avaliação: 7,5/10
FG
Obs: Esta frase, apesar de confusa, foi necessária para não contradizer uma postagem anterior. Quem sabe um dia eu possa abordar com mais profundidade o tema.
Pra mim este jovem era um fraco " essas pessoas fracas que vagam pelo mundo como derrotados, essas sementes mal plantadas que já nascem com cara de abortadas... pessoas de alma bem pequena, remoendo pequenos problemas. Gostam daquilo que não têm. Quem vê a luz, mas não ilumina suas mini-certezas... Vivem contando dinheiro e não mudam quando é lua cheia. Pra quem não sabe amar, fica esperando alguém que caiba nos teus sonhos. Como varizes que vão aumentando, como insetos em volta da lâmpada. Vamos pedir piedade..." HAHAAH... Lembro da minha adolescência e ouvia essa música e me identificava com a descrição das pessoas fracas... Me via em todas as palavras da música... Legal! Se lesse nessa época esse livro, iria me identificar com o personagem.
ResponderExcluir""Vamos pedir piedade
ResponderExcluirSenhor, piedade
Pra essa gente careta e covarde
Vamos pedir piedade
Senhor, piedade
Lhes dê grandeza e um pouco de coragem.
Quero cantar só para as pessoas fracas
Que tão no mundo e perderam a viagem
Quero cantar os blues
Com o pastor e o bumbo na praça.
Vamos pedir piedade
Pois há um incêndio sob a chuva rala
Somos iguais em desgraça
Vamos cantar o blues da piedade"
Link: http://www.vagalume.com.br/cazuza/blues-da-piedade.html#ixzz2DNF2wEa5
Acho que o autor da música estava curtindo uma deprê nessa época...
ResponderExcluirNo fundo somos todos fracos, sempre desejamos o impossível, pois o resto não tem graça (o impossível quando torna-se possível perde sua dimensão e valor). Infelizmente nossos problemas, por maiores que sejam, nunca ultrapassarão o limite do suportável. Somos seres adaptados as mazelas, acho, inclusive, que almejamos, de vez em quando, um pouquinho de sofrimento; felicidade em excesso atrapalha. No circo, por exemplo, o palhaço mais engraçado geralmente é aquele com um olhar triste, eis o paradoxo da vida.
ResponderExcluirComo é possível se sentir bem quando não temos a experiência da tristeza; a vida é feita de opostos, o belo só existe diante do feio, o mal só faz sentido se soubermos o que é o bem, da mesma forma, não haveria felicidade sem a dor e o sofrimento.
Cazuza foi um grande compositor, deve ter sofrido dores desproporcionais e insignificantes, talvez daí ele retirou a inspiração necessária para criar suas ótimas canções. Caretas? Todos nós somos; nossas opiniões, por mais radicais e controversas, no fundo sempre se enquadrará em um esquema quadrado e insípido. É dentro do caretismo que alcançamos a originalidade. Cazuza, apesar de viado, drogado e quase revolucionário, era um grande careta. A diferença dele para os demais era sua falta de vergonha em admitir a insignificância humana, "somos iguais em desgraças" por isso devemos ter piedade.
Valeu pelo comentário, acho que este tema é propício para horas de discussão.
Somos iguais em desgraça, vamos cantar o blues da piedade!
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