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O Bom Gosto Artístico, parte III




Em uma postagem anterior esclareci que as obras de arte têm a capacidade de oferendar aos indivíduos autocontrole; quanto maior o nosso nível de apreciação estética maior será nosso autoconhecimento. Após as reflexões do texto supracitado, me vejo na obrigação de reavaliar meus critérios, já definidos em um passado próximo, sobre o bom gosto artístico. Recapitulando, descobrimos que ser sensível e, ao mesmo tempo, vulgar em nossas escolhas culturais é reflexo de uma original inteligência estética; o belo, portanto, poderá nascer nos calabouços mais obscuros, e da mesma forma, o pútrido, em algumas situações, se esconderá atrás de máscaras exuberantes. Enfim, ter bom gosto é privilégio daqueles que sabem diversificar suas escolhas culturais. Mas se a arte é uma oblação em sentido inverso, uma oferenda dos deuses (artistas) a seus súditos (consumidores), negar o valor de algumas obras genuinamente belas em detrimento do entretenimento mesquinho e tolo, não seria uma enorme incongruência, ou um fator que desqualificaria nossa argumentação anterior? Neste texto desenvolverei o assunto, no entanto, já de início tenho medo de fracassar, não encontrando, como de praxe, qualquer resposta substancialmente válida.

Recentemente, lendo o livro ultrarromântico de Goethe, Os Sofrimentos do Jovem Werther, fiquei extasiado e comovido com a ingenuidade do protagonista. Para os que não leram a obra e nem se interessaram em passar os olhos em meu comentário de dias atrás, explicarei rapidamente o enredo; Werther era um jovem aristocrata que sem muita coisa para fazer acaba se apaixonando por uma mulher comprometida, inebriado de amor o rapaz opta pela morte. Se lermos o livro com um olhar sarcástico, todas as cartas que compõem o romance parecerão hilárias; e as explicações do protagonista, que tentava justificar o suicídio comparando as dores morais com as dores físicas, ridículas. No entanto, se efetuarmos uma outra leitura, agora colocando-se no lugar do jovem, teremos sensações díspares das anteriores. É claro que esta segunda modalidade de envolvimento textual só poderá ser efetuada por leitores que já passaram por situação semelhante, sofrendo platonicamente por um amor não correspondido. Portanto, para os felizardos insensíveis que nunca amaram, o romance de Goethe não vale merda nenhuma, contudo, para os apaixonados e demais indivíduos que já choraram por amor, a estória de Werther é bastante enternecedora. Desculpe, preciso, mesmo destruindo a estrutura narrativa ou enfraquecendo os nódulos argumentativos de meu texto, confessar: me sinto uma mulherzinha ao falar de amor, as palavras chulas que serão propositadamente utilizadas não diluem esta sensação, pelo contrário, amplificam a luminosidade sobre as palavras delicadas e fofinhas; é como tentar escurecer signos desenhados com um matiz rosa claro. Este, ao ser modificado, não transforma-se no esperado vermelho sangue, mas em um enviadado rosa chock. Droga!

Feito o desabafo, posso retomar meu texto. É indiscutível que Goethe foi um dos maiores escritores de todos os tempos, sua obra prima, O Fausto, é considerada por muitos, e entre eles o monstro divino Thomas Mann, a maior referência literária da humanidade. Destarte, não preciso perder meu tempo para justificar que Os Sofrimentos do Jovem Werther se enquadra entre as obras de genuína qualidade artística. Após este esclarecimento surge a dúvida tão esperada: podemos incorporar, entre os indivíduos de mal gosto, todos aqueles que depreciam o romance de Goethe? É óbvio que não; como já insistentemente argumentado, não precisamos admirar todas os relevantes empreendimentos estéticos para possuir bom gosto, por uma simples razão, nem sempre seremos o alvo do artista, e, além disso, podemos, por infindáveis circunstâncias, não nos envolver com a obra. Para quem nunca amou, por exemplo, os sofrimentos de Werther são insignificantes, e, a não ser que este determinado indivíduo se entretenha com produtos ineptos, provavelmente o romance será um grande porre; contudo, não podemos dizer que todos os sortudos, que ainda possuem o coração de pedra, terão, necessariamente, mal gosto; em muitos casos, as contingências da vida podem explicar algum vilipêndio à obras clássicas. Inobstante o inegável valor artístico, não é possível admirar todas as grandes obras da literatura, pois, ao efetuar a leitura, carregaremos sempre as nossas experiências pessoais de vida. Estaremos aptos ou inaptos a apreciar uma obra específica, caso tenhamos a vivência necessária para a contemplação do que está sendo oferendado. Acho que, neste momento, devo, para sustentar com mais profundidade minha argumentação, fazer uma ligeira analogia com uma verdade que parece incontestável. Algumas obras literárias, embora universais, não conseguem seduzir uma grande quantidade de leitores; a complexidade linguística, o vanguardismo estético ou outras razões que exijam do consumidor um arcabouço de experiências literárias que nem todos possuem, explica a impopularidade dessas obras. Todos concordarão comigo que um indivíduo que nunca teve contato com a arte literária, terá imensa dificuldade de apreciar, compreender e se entreter com James Joyce ou Guimarães Rosa. Nosso gosto está condicionado as nossas experiências, inclusive as intelectivas. No entanto, todos nós tendemos ao encantamento irracional; sem compreender o que está sendo dito é possível nos emocionar apenas pela beleza; a música é o maior exemplo, ela possui uma característica única, exige do oferendado apenas os sentidos não cognitivos, eu posso gostar de uma melodia porque ela me faz flutuar, me sentir leve, feliz; posso amar uma canção turca sem compreender uma única palavra do exótico idioma; a música é a arte mais democrática. O cinema, em menor grau, também pode consternar apenas pela beleza das imagens, no entanto, filmes geralmente são longos e se não houver qualquer compreensão do enredo, ao longo dos minutos, o tédio, certamente, será inevitável. Com a literatura poderá ocorrer o mesmo fenômeno, posso me enternecer com exuberantes palavras mesmo sem entendê-las - muitos amantes da poesia contemplam mais a forma do que o significado – todavia, dificilmente a leitura de um romance que, geralmente, dispende bastante tempo, será aprazível apenas com o deleite formal; é aconselhável um mínimo de envolvimento cognitivo com a obra, para que haja compatibilidade afetiva entre o leitor e o objeto contemplado. Feito o parêntese chegamos a conclusão mais óbvia que, entretanto, não havia sido explanada; para se ter bom gosto artístico é necessário um mínimo de contato com a arte, pois apenas desta forma conseguiremos nos adequar a um dos critérios encontrados nos textos anteriores: admirar e amar incondicionalmente alguns clássicos.

O interessante das discussões acima é que elas se amoldam perfeitamente ao quesito utilidade, desenvolvido, superficialmente, em uma postagem anterior. Iniciei este texto dizendo que o discurso literário gera autocontrole; quando lemos algo que dialoga com nossa própria condição é possível identificar nossas fraquezas e nossas qualidades. Quando li Noites Brancas de Dostoiévski percebi o quanto o isolamento era nocivo ao meu ser; já com a obra de Yalom, consegui entender que talvez o amor incontrolável e delirante pode ser apenas fruto de uma obsessão ligada a desejos patológicos oriundos de frustrações adquiridas ao longo da vida, e que é possível transformar estes anelos inexpugnáveis em fontes de singela felicidade. Portanto, iremos admirar tudo aquilo que nos diz algo; a “mensagem” só será captada se as particularidades e circunstâncias da nossa efêmera existência forem suficientes para permitir um envolvimento físico ou espiritual com a obra.

Tentei, ao longo dos parágrafos anteriores, esclarecer dois pontos fundamentais para sustentar meus posicionamentos duvidosos sobre a apreciação estética; em primeiro lugar dissertei sobre a inviabilidade de se gostar de todas as obras clássicas e em seguida demonstrei que só tendemos ao encantamento diante de produtos que nos envolvam diretamente, dando azo ao autoconhecimento. Muitos poderão contra-argumentar dizendo que dramas sociais, seguindo a minha lógica de raciocínio, consternarão apenas os indivíduos que já sofreram na pele as iniquidades abordadas naquela determinada obra; para admirar Vidas Secas, por exemplo, seria necessário ter passado pelas agruras do semi-árido ou pelo martírio da fome. É claro que para quem vivenciou semelhante drama, a experiência com a leitura do famoso romance de Graciliano Ramos será muito mais drástica e intensa, no entanto, nós, burguesinhos sortudos, também poderemos nos envolver com a estória de Fabiano e sua família, porque desde a infância somos incutidos, pela educação familiar ou institucional, a desenvolver um senso de justiça. A exploração, a miséria, a fome, a desigualdade, a guerra, a barbárie a corrupção, a imoralidade e todo os outros tipos de dramas sociais geram, aos olhos de qualquer pessoa de bem, asco, revolta e muita tristeza. Outra dúvida, menos importante, poderá surgir: então, apreciaremos qualquer obra que aborde um tema que tenha o condão de nos envolver? Não, por favor; aos que pensaram desta forma ou levantaram semelhante dúvida, parem de obstruir minhas ideias; até este momento argumentei apenas sobre as obras clássicas, ou seja, aquelas que já possuem um devido reconhecimento artístico. Se me propusesse a escrever um poema sobre o amor, nem todos os apaixonados iriam apreciá-lo, por um motivo óbvio, eu não tenho talento literário; o tema não condiciona a qualidade de uma obra; as poesias amorosas de Drummond, ao contrário, serão quase todas encantadoras aos sentidos daqueles que amam, simplesmente por que o mineirinho é foda. Se tu achas que estás amando, leia Drummond, pois se nada acontecer esqueça, estás mentindo, ama apenas a si próprio*. Uma última lembrança; não são apenas as experiências afetivas, as felicidades e os dramas da vida que condicionarão nosso gosto; tão relevante quanto a vivência é a bagagem cultural adquirida ao longo dos anos; nem todos estão preparados para ler Goethe ou Dante Alighieri; embora Os Sofrimentos do Jovem Werther seja um livro simples, bastante acessível, para quem nunca leu, estar platonicamente apaixonado pode não ser suficiente para um confortável contato com a obra.

Resta esclarecer o principal, por que gostamos de bobagens, damos risadas com seriados escrotos, vibramos com filmes estúpidos, nos distraímos por horas com uma leitura vulgar ou então ouvimos, agitados e enlouquecidos, músicas sem qualquer sonoridade? E qual a utilidade de todos estes impropérios? O primeiro motivo, e o mais óbvio: todos nós, do Zezinho aos catedráticos de Harvard, possuímos déficits intelectivos nas diversas áreas da sensibilização estética; ninguém é perfeito - caso existisse tamanha sumidade, tenho certeza, ele ou ela seria o sujeito mais insuportavelmente chato da atmosfera terrestre. Estas inevitáveis lacunas serão preenchidas pelos lixos culturais; caberá a cada indivíduo selecionar, dentre os estrumes artísticos, aqueles considerados, por ele, mais divertidos. O segundo motivo, e não menos importante: ninguém consegue, durante a vida, perpassar por todas as experiências existenciais; quem nunca amou, por exemplo, poderá substancializar este vácuo com comédias satíricas a respeito do tema, ou, quem sabe, com o extremo oposto, dramalhões pífios ou imbecilidades amorosas. É claro que, frequentemente, os apaixonados se deliciarão com estes parvos produtos pseudo culturais, seja pelo preenchimento das lacunas cognitivas, pela superação de experiências amorosas não vividas – vale lembrar que o amor é complexo, possui infinitas possibilidades; não é possível vivenciar todas elas – ou por que quando estamos nas extremidades dos polos emocionais, felizes ou tristes, tendemos a nos envolver com mais facilidade ao vulgar e inútil; o amor talvez seja o sentimento que desloca o indivíduo apaixonado com mais intensidade e rapidez entre a alegria e o sofrimento. O terceiro motivo, todos sabem: de vez em quando é bom se desconectar do mundo; depois de um dia cheio de trabalho ou estudo, é delicioso deitar no sofá ligar a televisão naqueles programas estúpidos que nos fazem gargalhar por horas.

Ahh... confesso, não seria nada sem as exaustivas repetições de engraçadas situações de um programinha mexicano que ninguém conhece; ele possui atores adultos que interpretam crianças; um dos personagens possui um bigode super simpático; e, além de tudo, tem um gordo que sempre se ferra. Digo, com um sorriso no rosto: como é bom relaxar! Mas não seria este o propósito da arte? É claro que sim, tanto as obras de arte quanto as que tentam ser arte possuem esta precípua função; entreter e divertir quem a contempla. Quando este entretenimento é raso e fugaz temos uma genuína tolice estética, no entanto, caso haja qualquer indício de uma atmosfera de eternidade, então, meus amigos, presenciaremos o nascimento da obra que se fez arte.

Finalizo este texto com muitas dúvidas. Posso dizer, contudo, que qualquer produto do universo cultural tem um propósito bem simplório: sensibilizar seu público. E é através destes estímulos emocionais que nós, consumidores de arte e de pseudo arte, encontraremos um desviu, uma alternativa para se abstrair dos problemas vivenciados ao longo dos perniciosos caminhos da nossa amarfalhada existência, seja encontrando soluções para as mazelas, quando desenvolvemos nosso autocontrole, ou simplesmente relaxando, refestelado em uma poltrona no módulo mental stand by. Acho, não obstante a insanável inconsistência argumentativa de algumas posições, que consegui manter vivo meu antigo conceito do bom gosto artístico, e, além de tudo, expliquei os fatores que nos afastam das grandes obras e nos aproximam das idiotices estéticas. Espero que este texto possa no futuro ter algum significado, pois agora, nestes instantes de conclusão, sinto que nada disse, apenas exerci uma tosca atividade de escrita. Me desculpem, foi sem querer, querendo. 

FG

Obs: *Esta frase eu utilizei, propositadamente, a terceira pessoa misturada à segunda pessoa, em homenagem a Dostoiévski que tinha a mania de escrever desta forma. O motivo para tal lembrança é que os personagens do célebre escritor confundiam amor próprio ou compaixão com o genuíno sentimento amoroso. Não é à toa que o prosador russo dizia que mais importante do que o amor é a gentileza. Grande lição.                                

Comentários

  1. COMO EXPRESSAR-SE? UM FILME É BOM QUANDO BEM FEITO, NÃO IMPORTA SE COMÉDIA OU ROMANCE. UMA COMÉDIA QUE É CAPAZ DE FAZER RIR A TODO O TEMPO DEVE SER CONSIDERADA UMA SUMIDADE... COMO É DIFÍCIL FAZER RIR, SEM SER FORÇADO. A CAPACIDADE DE SENTIR O OUTRO E AS COISAS...É PARA POUCOS... SENSIBILIDADE À FLOR DA PELE. OS COMEDIANTES TÊM ISSO... OS ROMÂNTICOS TAMBÉM... AO MESMO TEMPO, QUEM ADMIRA TAL ARTE TAMBÉM DEVE SER DOTADO DE SENSIBILIDADE! A ARTE É PARA OS SENSÍVEIS!

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    1. Terei que dividir esta resposta, o blog não aceita comentários tão grandes.
      Creio que fui mal compreendido (já estou me especializando na incomunicabilidade). Você diz que o bom filme é o bem feito; esta é uma afirmação verdadeira porém óbvia. Em nenhum dos três textos eu abordei a qualidade da obra, e inclusive alertei explicitamente sobre esta possível confusão; pretendia, apenas, analisar o gosto. Nas duas primeiras partes cheguei a conclusões diferentes daquelas que outrora imaginava. Antes meu critério era simplório, simplesmente por não haver critério; o gosto para mim era inclassificável. Ao escrever os textos descobri que poderíamos avaliar nossas escolhas estéticas, e que ter bom gosto era mais fácil do que pensava.
      Gostar de bobagens não diminui a sensibilidade de ninguém, pelo contrário, quando diversificamos nossas escolhas aumentamos o impacto da arte sobre nós.

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  2. Se fosse discursar sobre a qualidade artística do produto cultural, meus argumentos seriam inócuos, completamente inúteis. Concordo com você, a obra de arte é aquela que consegue sensibilizar, sem recorrer ao lugar comum, qualquer público, não obstante o arcabouço cultural que algumas obras exigem, conforme já explicado (se não sei ler, não posso contemplar a arte literária). O gênero é irrelevante para determinar a qualidade da obra (acho que disse isto no texto), é evidente que uma comédia pode ser tal sublime quanto uma tragédia, um drama, ou um romance. No cinema temos alguns exemplos, os filmes de Charles Chaplin, Buster Keaton e Woody Allen são maravilhosos. Na literatura então nem se fala; Shakespeare escreveu peças hilárias (apesar de não ter lido nenhuma delas, acredito na crítica); o próprio Dostoiévski tinha uma incrível veia cômica, basta ler alguns capítulos específicos de O Idiota para comprovar. No entanto, a comédia, assim como os outros gêneros, geraram abomináveis idiotices. Borat, por exemplo, é um filme escroto, mas tem muita gente que deu várias risadas ao assisti-lo (eu, felizmente, não). Foram estas situações que me motivaram a escrever os textos. Queria saber se gostar destas bobagens, que podemos rotular, sem peso na consciência, como idiotices culturais, comprometeria nosso gosto; minha resposta, encontrada ao longo de desgastantes reflexões, foi negativa. Se resguardássemos um espaço para as obras clássicas ou de boa qualidade estética ("bem feito") no nosso repertório cultural, mesmo gostando de outros tantos produtos artisticamente irrelevantes, teríamos bom gosto. Quero dizer, com isto, que rir, após a infância, com as situações repetitivas do programa dos Chaves, não diminuiria a qualidade de minhas risadas diante do humor inteligente de Woody Allen, ou frente as delicadas e hilárias cenas do simpático e sensível Carlitos, personagem célebre de Charles Chaplin; pelo contrário, conseguir admirar produtos de qualidade tão diferentes, demonstra excelente "inteligência" estética (este foi o principal argumento das duas primeiras partes deste texto).

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  3. Continuando o seu comentário, você diz: "rir a todo tempo deve ser considerado uma sumidade". Talvez seja, mas sempre que o objetivo de uma obra é galgar o máximo de risadas, ela dificilmente conseguirá atingir um genuíno status artístico. Me justifico repetindo meu exemplo anterior: o filme Borat pode ser qualquer coisa menos arte. Da mesma forma, um drama exagerado, um romance excessivamente meloso, ou um suspense caricato, desqualificam a qualidade artística destas hipotéticas obras. Entretanto, estes desvios estéticos as vezes nos agradam. Foi para tentar compreender a utilidade deles que escrevi o terceiro textos. O seriado Two and Half Man com Charles Chin é super engraçado, mas está longe de ser uma obra de arte. Adoro este seriado, e após compreender que isto não afetava meu gosto, tentei analisar a utilidade dele em minha vida: e a conclusão foi simples e óbvia, ele me relaxa, sua vulgaridade é muito agradável aos meus olhos. O machismo, o preconceito contra os latinos (detalhe: este é o seriado mais assistido na América Latina) e a banalização das relações afetivas, amorosas e sexuais dialogam com meu ligeiro lado perverso; apesar de abominar o machismo e o preconceito, me delicio com os vinte minutos semanais em que posso me abstrair de minha persona de comportamento estritamente moral; e todas as minhas outras distrações vulgares também são pequenos momentos de alívio, instantes que é possível rir de si próprio. Gostar de algumas bagaceiras nos deixa mais críticos para apreciar as verdadeiras obras de arte.
    No penúltimo parágrafo deste texto, indiquei três motivos que nos impele a consumir lixos culturais, sei que meu texto ficou confuso, e a argumentação fraca; deveria ter mais cuidado e zelo ao escrever, no entanto continuo sustentando minhas ideias abordadas ali.
    Na parte que justifico a displicência e o vilipêndio frente às obras clássicas, acho que me fiz entender. Imagine alguém que nunca amou lendo um livro do século XVIII, que descreve com minucias a mulher amada, relata detalhadamente a contemplação do céu e da atmosfera adocicada pela o almíscar da paixão delirante; poxa, você irá concordar, isto é muito chato. No entanto, da mesma forma que é compreensível o engodo que o livro proporciona a alguns (eu, inclusive, se tivesse lido o romance de Goethe a algum tempo atrás, acharia um grande porre), não podemos desqualificar uma obra que já se tornou um clássico. Com este argumento sustento minhas conclusões da parte dois desta trilogia de textos, nele afirmava que o bom gosto era dado àqueles que gostavam de alguns clássicos e algumas bobagens, mas ao mesmo tempo negligenciava outros tantos produtos de genuína qualidade artística, jogando-os em calabouços imundos e inabitados.
    Por fim devo assimilar e concordar com suas possíveis críticas; "como é difícil fazer rir", admito este texto teve a nítida intensão de ser o mais coloquial possível, e, em muitas vezes, tentei utilizar o humor; é evidente que fracassei. Não é com um monte de palavrões que conseguimos risadas, não é mesmo? Mas, talvez, a estruturação deste texto possa até corroborar, indiretamente (e sem querer mesmo), para o sucesso de meus argumentos; pois é como se o ruim estivesse obstinadamente tentando sustentar o bom.

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  4. Sim, a arte é para os sensíveis. No fundo, todos nós temos uma área infinita e inexplorada de sensibilidade; e ela pode ser despertada pelo romance, o drama, a comédia e até mesmo pelo terror; a arte, assim como a vida, é múltipla e cheia de mistérios.
    Isto é tudo; mais um pouquinho e esta resposta viraria a parte quatro desta idiota sequência de textos.

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  5. Uau.. Meu comentário causou discussão! Legal...

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  6. Entendi! Após ler seus exemplos e reflexões, ficou claro para mim. Concordo com você.

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