Recentemente, ao folhear um livrinho de história da filosofia na
seção destinada ao holandês de origem portuguesa Baruch Spinoza,
encontrei a melhor definição para a inteligência; para o pensador
ela não é mais do que uma escrava da vontade cega. Somos seres
originais porque ao contrário dos outros animais temos a capacidade
de racionalizar comportamentos, atitudes ou ideias; tudo o que
fazemos passa pelo crivo do nosso intelecto, quando sentimos fome
comemos, no entanto, diferente dos outros organismos vivos, antes da
alimentação ponderamos uma serie de informações; para processar a
escolha de qual alimento deveremos consumir, os critérios são
vários, podemos escolher a comida mais próxima, acessível,
saudável, saborosa, calórica ou energética; o escopo é
infindável. Nosso raciocínio será imprescindível na organização
dos pensamentos condutores de nossas escolhas, e é neste cruzamento
de ideias que a vontade se insere. Ao sentir fome temos uma vontade
primária de comer, contudo, um diabético, por exemplo, terá uma
vontade secundária, mais forte do que a primária, que o impede de
comer determinados alimentos, este indivíduo, ainda terá uma
terceira vontade, a de não ter a doença para poder comer os
alimentos proibidos. Os três tipos de vontade descritos –
primária, secundária e terciária – possuem uma morfologia
díspar; a vontade primária está ligada a um instinto imediatista
de satisfação; já na secundária o que prevalece são as
observações das consequências futuras de determinado ato; por sua
vez a vontade terciária é oriunda de um desejo inexpugnável, fruto
de um inconsciente atormentado que com muita frequência nos
direciona à ruína (chamarei esta última modalidade de vontade
genuína). No exemplo dado o indivíduo diabético orientará seu
pensamento através das vontades primárias e secundárias, sendo que
esta será o freio daquela; o desejo de se livrar da doença pode
determinar algumas escolhas prudentes - procura de tratamento médico
inovador ou a busca pela depuração espiritual - e imprudentes –
revolta, quebra de regras, desobediência ou o desespero – ambas
são manifestações da vontade terciária, e são estas escolhas,
filhas do desejo, que me interessam na abordagem deste texto.
Na minha avaliação, para Spinoza a vontade cega é o desejo
obscuro, inalcançável e inatingível, e, portanto, para o filósofo,
nossas escolhas mais importantes serão sempre influenciadas por esta
vontade genuína. Para melhor esclarecer o conceito das diversas
modalidades de vontade, darei outro exemplo do universo alimentar; um
gordinho ao sentir fome (primária) deixa de comer porque está de
regime, ele, por questões de saúde, precisa emagrecer (secundária),
no entanto, pode existir um outro motivo que vai além das
justificativas estéticas ou medicinais, estando sempre condicionada
às novas conquistas de poder (terciária ou genuína). Antes
de qualquer crítica às minhas explanações, devo deixar claro; ao
discutir a escolha alimentar, parto do pressuposto utópico que todos
os seres da espécie humana gozam de uma vida digna; reconheço, à
obviedade, que para aqueles jogados ao enxovalho da miséria não faz
o menor sentido analisar tamanhas bobagens. Feita a observação,
continuemos.
Nossas motivações são herdeiras de objetivos inconscientes e
muitas vezes espúrios; ao escolher como distração a leitura, somos
motivados por diversas vontades, combater o tédio (primária), que
neste caso substitui a fome no exemplo alimentar, visando ampliar
nosso conhecimento de mundo (secundária), para, a partir de então,
abraçar com mais intensidade o poder (genuína), seja ele na esfera
intelectual, amorosa, afetiva, financeira ou social. Tentamos
esconder, por vergonha, vaidade ou humildade, estes objetivos
escusos, mas não podemos olvidar que são eles que nos lançam à
vida, proporcionando o sucesso ou o fracasso, a felicidade ou a
infelicidade. Nossas atitudes mais simplórias perpassarão pelas
três modalidades de vontade, mesmo que implicitamente. Quando
planejamos objetivos futuros, criamos em nosso íntimo desejos,
estes, por sua vez, ficarão incrustados em um local seguro de nossa
psiquê, e tudo que fizermos para corroborar na satisfação deste
desejo gerará felicidade, ao contrário, quando algum comportamento
se distanciar da vontade genuína, sentiremos, em níveis variáveis,
tristeza. Uma pessoa normal, quando
come sente prazer, aumentando seu grau de felicidade, no entanto um
indivíduo que quer emagrecer sentirá tanta culpa ao comer que a
satisfação gerada pelo alimento será irrelevante frente ao
desespero causado pela sensação de estar descumprindo uma regra pré
estabelecida; ao violar os objetivos traçados, aqueles englobados na
vontade secundária, afetamos diretamente nossos desejos, seja
fortalecendo seu sucesso ou solidificando seu fracasso. Nem sempre as
metas lucubradas, quando atingidas, irão satisfazer nossos desejos
obscuros; isto acontece porque com muita frequência desconhecemos ou
fingimos desconhecer nossa vontade genuína; para os indivíduos que
encaixam-se nesta situação seus planos de vida podem estar
completamente desconectados aos seus desejos mais íntimos, e é
natural, portanto, que a conquista das finalidades propostas causem infelicidade, pois estes objetivos
alcançados ampliam a distância entre o indivíduo e sua vontade genuína. O caso clássico é do funcionário que intensifica sua
carga de trabalho para aumentar seus rendimentos; ao ver seu salário
dobrado ou triplicado este indivíduo pode, ao contrário do que
normalmente se pensa, diminuir seus níveis de felicidade, pois sua
vontade genuína poderá estar vinculada com mais vigor a outras
esferas de poder, díspares daquelas condicionadas ao sucesso
financeiro. Depois destas primeiras observações, dois pontos surgem
em destaque, e para podermos prosseguir neste amarfalhado texto
faz-se mister esclarecer as dúvidas fagocitadas por nossos estranhos
conceitos. O quê é o poder, e como ele influencia em nossos
desejos? A vontade genuína pode ser adaptada em conformidade aos
nossos objetivos projetados no futuro? Nos próximos parágrafos
tentarei responder estas duas perguntas.
Chega de mentiras, sejamos
sinceros, porque agora desnudarei toda a película de falso moralismo
que serve de camuflagem para as nossas ignóbeis motivações. Antes
de mais nada, devo advertir que não mais respeitarei você, escroque
leitor; serei violento, bárbaro, não seguirei as regras da nobreza
aristocrática, nem tampouco os jogos de aparência do mundo burguês,
a partir de agora sou plebeu, tenho a pele manchada pelo sol, as mão
calejadas pelo trabalho e a face encanecida pelas privações
existenciais; não escrevo mais com penas de ouro, uso a enxada e,
ser for preciso, a foice; chega de poesia eu quero sangue,
principalmente o seu, você mesmo que esta a estalar a língua em
sinal de desaprovação, que lê estas palavras com olhar de desdém
e expressão de enfado, você imundo, não vire pra trás, é você
mesmo... olhe, nem pense em interromper a leitura; vá até o fim,
pois caso contrário as imprecações que lancei a ti serão postas
em prática; acredite são maldições perversas, nem o próprio medo
em pessoa as suportariam. Feito o aviso irei começar meu acachapante
e verdadeiro discurso, preparem-se. Finalmente descobri quem é o
maior filha da puta da história da humanidade, ele é tosco, no
entanto um em cada três indivíduos o veneram; vocês sabem de quem
eu estou falando, Jesus Cristo o desgraçado mais idiota de todos os
dementes que se tem notícia; sim, temos que reforçar a adjetivação
discursiva ao descrever as formas abjetas que são tratadas como
ídolos, tenho nojo do cristianismo, e se pudesse não pregaria Jesus
na cruz, isto é café pequeno perto das torturas dos povos
orientais; estes sim eram criativos, aliás existe uma técnica
divertidíssima para matar pulhas como Cristo, é a do bambu chinês;
como todos sabem esta planta, quando jovem, chega a crescer 90
centímetros em um dia, esta peculiar característica permitiu a
invenção de uma morte hilária e bastante original; os orientais
pregavam o ânus dos detestáveis e nefastos criminosos do império
em bambus afiados, com o passar do tempo e com o progressivo
desenvolvimento da planta, o abdômen dos cretinos eram perfurados;
imagina só que engraçado ver os cristãos andando com bambuzinhos
no pescoço ao invés de crucifixos, seria extremamente cômico. Putz
já estou gargalhando só de imaginar, acho que terei cãibras na
barriga; preciso mudar rápido de assunto, falar em comédia às
vezes cansa. Mas antes que me esqueça devo explicar meu ódio por Jesus; há basicamente três motivos, este babaca incentivava
três comportamentos anti naturais, a humildade, o altruísmo e a
solidariedade; agora vocês compreendem meu ponto de vista? Espero
que não.
Ufa, foi difícil escrever tantas asneiras, tive, inclusive, que
abreviar meus comentários, pois se alongasse mais um pouquinho
aquelas parvas frases, teria de bater minha cabeça na parede;
confesso, sinto-me ligeiramente mal, com um gostinho amargo na
garganta, mas foi necessário, para meus objetivos argumentativos,
tamanha transgressão. Havia prometido responder duas perguntas,
irei, em breve, respondê-las analisando as tolices do parágrafo
anterior.
No livro “O Anticristo”
Nietzsche diz que a felicidade é um sentimento gerado pela ampliação
do poder, ou seja, pela quebra de uma barreira que oferecia
resistência à realização de um desejo. Concordo, mas sempre
quando dominamos o outro temos poder sobre ele? Acho que não, o
domínio nem sempre é acompanhado do poder; quando dominamos alguém
pela força ou pela violência estamos manifestando fraqueza. No
filme Ata-me de Pedro
Almodóvar, por exemplo, o personagem de Antônio Bandeiras, após
fugir do manicômio sequestra uma atriz pornô pela qual era
apaixonado, com a intenção de obrigá-la a amá-lo; é óbvio que a
insana ideia do personagem encontrava grandes resistências, pois
ninguém adquire sentimentos por outro na marra,
no entanto, com o tempo, com o convívio forçado entre os dois e com
a progressiva diminuição do domínio opressivo dele sobre ela,
laços de amizade são estabelecidos; apesar do final trágico, o
filme nos informa algo interessante e bastante comum na obra do
diretor espanhol, o controle pela violência não é nunca
definitivo, e, portanto, não será, em qualquer hipótese,
considerado um poder, apenas um domínio circunstancial que pode ser
desfeito em algum momento. Só haverá sujeição, pelo uso da força,
no campo da matéria; posso obrigar que alguém limpe minhas roupas,
lave o meu carro, escreva meus textos, contudo, no universo do
pensamento, o controle, pela coação irascível, é sempre fugaz,
não posso exigir que os outros gostem de mim, torçam pelo cruzeiro
ou admirem William Faulkner. No início deste texto afirmei que a
originalidade de nossa espécie advém da capacidade racionalizadora
que possuímos, destarte, nunca uma atitude oriunda de nossa
irracionalidade animal, que nos impulsiona à barbárie e a
violência, poderá dominar, efetivamente, o pensamento do outro,
sendo assim, não haverá acréscimo de poder com o uso da força,
apenas a sua ampliação virtual.
Se fizéssemos uma análise do
discurso, encontraríamos três estratégias argumentativas do
convencimento, a primeira, frequente em leis, normas e regulamentos,
é a coercitiva ou imperativa; a segunda, adorada pela poesia e pela
arte em geral, está vinculada aos processos de sensibilização do
leitor; e, por fim, temos a argumentação genuinamente racional,
frequentes em textos científicos, nela há a busca da explicação
definitiva através da verdade
concreta. Neste texto utilizei a estratégia imperativa em alguns
momentos, um exemplo foi quando exigi a continuação da leitura
ameaçando vocês, caros leitores; neste mesmo parágrafo eu procurei
sensibilizá-los positivamente, com as expressões “chega de
mentiras” ou “sejamos sinceros” e negativamente, com os
constantes insultos e com exemplos toscos que revelavam uma
imoralidade perversa (será?); já a terceira modalidade
argumentativa foi usada em boa parte deste texto, não obstante as
inúmeras falhas e imperfeições. Não quero confundi-los, mas esta
nova postagem possui uma unidade multifária ou uma emaranhada
desconexão; no início falávamos sobre inteligência e a vontade,
depois de algumas digressões fixamos nossas atenções à análise
superficial do poder e da violência, agora tentamos esmiuçar as
estratégias argumentativas do discurso, não estaremos perdidos em
nosso estouvado colóquio? Sim, não e talvez, estas três
palavrinhas respondem tudo. Ao utilizar o discurso coercitivo, tento
dominar os leitores pela força; o poder supostamente conquistado
será sempre fugaz, nunca haverá a interferência persuasiva sobre
as ideias do interlocutor; o uso do imperativo, portanto, revela
pobreza textual, insegurança e, sobretudo, fraqueza; a técnica da
argumentação racional, ao revés, é austera e objetiva, mas muitas
vezes a inconsistência discursiva, a desnaturação do texto ou o
fastio causado pela metodologia exagerada podem corromper as
qualidades das informações propostas, corroborando para o insucesso
dialógico e para o arrefecimento das relações de poder outrora
imaginados; temos por último a estratégia sensorial, nesta o autor
procura mexer com os mecanismos cognitivos do interlocutor, através
de estímulos emocionais, ódio, raiva, alegria, tristeza, júbilo,
medo são algumas sensações diretamente provocadas por esta
modalidade discursiva. Quando, utilizando a palavra, convencemos o
outro racionalmente, adquirimos um poder genuíno sobre ele, no
entanto, como já insistentemente explanado, as formas imperativas
geram apenas um domínio contingencial; entrementes fica a dúvida: a
argumentação emotiva tem a capacidade de criar poder entre o
remetente e seus destinatários? Vejamos.
Ao ler uma poesia que nos deixa
extasiado, sem palavras, entorpecidos pela beleza de um instante; que
provoca sensações ambíguas e paradoxais, nos exortando, a cada
novo impulso respiratório, a aquiescer diante de uma criação
humana sublime, magistral e inefável; sentimo-nos prostrados e
confortavelmente insignificantes; mas, em razão destes choques
emocionais, estaríamos presos a um implícito poder externo? Sendo
mais claro; a beleza, assim como a verdade, tem a capacidade de
dominar o pensamento alheio? Antes de responder analisarei
subjetivamente o belo, para tanto, deixo abaixo o que considero uma
obra poética matizada por um espectro de cores celestiais.
Mar Intacto*
Impossível
é não odiar
estas manhãs sem teto
e as valsas
que banalizam a morte.
Tudo que fácil se
dá quer negar-nos. Teme
o ludíbrio das corolas.
Na orquídea busca a orquídea
que não é apenas o fátuo
cintilar das pétalas: busca a móvel
orquídea: ela caminha em si, é
contínuo negar-se no seu fogo, seu
arder é deslizar.
Vê o céu. Mais
que azul, ele é o nosso
sucessivo morrer. Ácido
céu.
Tudo se retrai, e o teu amor
oferta um disfarce de si. Tudo
odeia se dar. Conheces a água?
ou apenas o som do que ela
finge?
Não te aconselho o amor. O amor
é fácil e triste. Não se ama
no amor, senão
o seu próximo findar.
Eis o que somos: o nosso
tédio de ser.
Despreza o mar acessível
que nas praias se entrega, e
o das galeras de susto; despreza o mar
que amas, e só assim terás
o exato inviolável
mar autêntico!
O girassol
vê com assombro
que só a sua precariedade
floresce. Mas esse
assombro é que é ele, em verdade.
Saber-se
fonte única de si
alucina.
Sublime, pois, seria
suicidar-nos:
trairmos a nossa morte
para num sol que jamais somos
nos consumirmos.
estas manhãs sem teto
e as valsas
que banalizam a morte.
Tudo que fácil se
dá quer negar-nos. Teme
o ludíbrio das corolas.
Na orquídea busca a orquídea
que não é apenas o fátuo
cintilar das pétalas: busca a móvel
orquídea: ela caminha em si, é
contínuo negar-se no seu fogo, seu
arder é deslizar.
Vê o céu. Mais
que azul, ele é o nosso
sucessivo morrer. Ácido
céu.
Tudo se retrai, e o teu amor
oferta um disfarce de si. Tudo
odeia se dar. Conheces a água?
ou apenas o som do que ela
finge?
Não te aconselho o amor. O amor
é fácil e triste. Não se ama
no amor, senão
o seu próximo findar.
Eis o que somos: o nosso
tédio de ser.
Despreza o mar acessível
que nas praias se entrega, e
o das galeras de susto; despreza o mar
que amas, e só assim terás
o exato inviolável
mar autêntico!
O girassol
vê com assombro
que só a sua precariedade
floresce. Mas esse
assombro é que é ele, em verdade.
Saber-se
fonte única de si
alucina.
Sublime, pois, seria
suicidar-nos:
trairmos a nossa morte
para num sol que jamais somos
nos consumirmos.
(*Poema de Ferreira Gullar retirado do livro Toda a Poesia da
Editora José Olympo)
Não seria bastante ousado discursar sobre o belo? É claro que sim,
por isso preciso de um suporte que proporcione aos leitores um
contato com o etéreo; a poesia Mar Intacto de Ferreira Gullar, por
motivos particulares, é a que melhor dialoga com meu inconsciente,
através dela eu pude visualizar, mesmo utilizando um periscópio
ultrapassado, pedaços de meus desejos mais recônditos e
inalcançáveis; com sua ajuda consegui desnudar parte da minha
vontade genuína e descobri o inevitável, venho, há muito tempo,
remando em sentido contrário aos meus verdadeiros anseios; desenho objetivos espúrios que só me geram infelicidade e fracasso, e o
pior, não consigo me desvincular das metas traçadas. Aos poucos
percebo que a esperança é perversa, pois ela só prolonga os
tormentos; portanto, não tenho dúvidas, se encontrasse uma lâmpada
mágica um dos meus pedidos seria, certamente, a aniquilação deste
insidioso sentimento. Sem esperança não sentiríamos mais as
insuportáveis dores psicológicas, destruiríamos a angústia, nos
libertaríamos das dúvidas existenciais, conquistando a alforria dos
absconsos desejos humanos; seríamos, destarte, seres automatizados
para lograr metas pré estabelecidas, aumentar a produtividade e
concentrar, através de cálculos racionais, nossos empreendimentos
em ações lucrativas; resumindo: deixaríamos, contradizendo
Nietzsche, de ser demasiadamente humanos, nos transformando em
máquinas, androides adaptados ao sucesso. Mas onde estaria o prazer
diante desta suposta perfeição anódina? E qual o sentido da arte
em uma realidade metricamente trabalhada? Gullar, por favor, cale-se,
me deixe em paz, pare de me atormentar com verdades, eu quero a
ilusão de uma festa kitsch, das guloseimas açucaradas, dos
palhaços, das princesas, dos dias de mentira, dos falsos sorrisos e
da felicidade enganosa; vá Gullar e não volte, me deixe sofrer os
delírios da ingenuidade; apenas as sombras turvas de minhas vontades
são suficientes, pois prefiro sofrer enganos, do que chorar tristes
verdades.
Ferreira não me abandone, retorne, não suporto mais, quero
companhia, estou sozinho e sofro calado; seus conselhos são belos,
as lágrimas provocadas por eles me acalmam. Você está certo, o
amor e fácil e triste, mas eu não consigo visitar outra praias, me
sinto exilado a caminhar sobre as montanhas, observo, do alto, o
horizonte, e enxergo apenas o mesmo mar, distante, muito distante.
Sei que estamos sozinhos, nada irá por si só se oferecer; aceitar o
inaceitável... ora, eis a dimensão do assombro.
Continuemos com as frases de efeito, eu quero amofinar vocês, caros
leitores; vejamos: tudo que me escapa me fortalece; o não eleva a
potencialidade do sim; o poder floresce mesmo sobre o solo árido do
fracasso; o querer é apenas uma materialização do sentir. Chega de
máximas irracionais, sempre quando alcanço um nível exagerado de
abstração, sinto-me discursando o nada; este texto faz algum
sentido? As horas passam e parece que minha cabeça explodiu dezenas
de vezes, entre uma explosão e outra recolho meus miolos espalhados,
mas, ao juntar todos os pedaços, percebo a falta de algumas partes,
a cada minuto perco um pouco de massa encefálica; espero, contudo,
que ao raiar do dia e sobre luz natural eu possa reencontrar minha
inteligência escondida.
Eu havia prometido responder se a argumentação sensitiva pode
produzir poder entre o falante (autor) e o ouvinte (interlocutor), a
minha resposta é negativa; após os delírios e divagações,
percebi que o discurso que recorre a mecanismos emotivos não se
compõe de uma relação bilateral. Ao ler Ferreira Gullar ou
qualquer outro poeta seremos não só os leitores, mas também os
autores do que está sendo lido; toda a experiência artística é
individual, a beleza, portanto, não terá o condão de dominar o
outro, ela apenas dará ensejo ao autocontrole. O artista não
cria um domínio sobre o seu público, ao contrário, ele, através
de sua obra, dá poder aos seus interlocutores; o belo, diferente da
verdade, é dado diretamente aos sentidos, ele não precisa ser
explicado; quando adquire forma não é mais um instrumento de
opressão (força) e nem de controle (razão), é apenas doação,
oferenda. Destarte, podemos concluir que, pelo diálogo emotivo,
ofertamos, aos outros, pacotes repletos de ferramentas propícias ao
fortalecimento do poder interno; ao dizer eu te amo ou eu
te odeio estaremos oferecendo ao interlocutor poder; quando
descobrimos os sentimentos alheios, e caso estejamos diretamente
envolvidos neles, ampliaremos nosso domínio interno, seja diminuindo
nossa míope soberba ou arrefecendo nosso pessimismo patológico.
Droga, outra explosão mental, novamente não sei o quê falo.
Mesmo diante de uma confusão cognitiva, algo me parece certo, a
arte proporciona um poder constitutivo, que não serve para dominar o
outro apenas para dominar a si próprio. No início de minha
argumentação havia dito que a vontade genuína abriga nossos
desejos mais obscuros, e que através deles sempre buscamos galgar
mais poder; fazendo uma aproximação das duas conclusões deste
parágrafo, fica evidente que nossos desejos nunca estarão imunes a
arte. Somos impelidos, pela vontade genuína, ao domínio do outro,
no entanto quanto maior o autocontrole melhor será a nossa
capacidade de lograr sucesso nas conquistas alheias. Outra conclusão,
elaborada anteriormente, foi que nem sempre nossos objetivos, quando
aferidos, colaboram para a satisfação de nossos desejos, e o motivo
destas incongruências é a incapacidade de saber ao certo o conteúdo
da vontade genuína; mas, como explanado, caso esteja correto meu
raciocínio, a arte aumenta o poder interno, então se reservarmos,
no escopo de nossas metas, um espaço para a apreciação estética,
estaremos corroborando, em maior ou menor grau, para a satisfação
de alguns desejos, sendo assim, mesmo sobre um oceano de lágrimas,
qualquer manifestação artística só poderá gerar alegria. Posso
chorar com um filme, uma música ou com um livro, no entanto este
choro é apenas circunstancial, no fundo estaremos sempre mais
próximos da felicidade. Depois deste longo caminho percorrido cheio de meandros e obstáculos, sinto que as minhas recentes descobertas
serviram para acalentar meu sofrimento. Não tenho me dedicado à leitura com o simples e ilegítimo propósito de ampliar meu domínio
sobre o mundo, como outrora angustiosamente imaginava, meus objetivos
são menos ignóbeis, quero apenas adquirir autocontrole para
recrudescer minha força diante dos meus inevitáveis fracassos. Sei
que não posso dominar completamente meus desejos, e que muitos deles
permanecem escondidos em locais pétreos de meu subconsciente, no
entanto posso diminuir minha náusea existencial, medindo com perícia
as dosagens das minhas diversas vontades, sejam elas instintivas,
racionais ou inconscientes.
Por fim, apenas como guisa de conclusão, devo dizer quais são
minhas motivações para escrever tanta bobagem. Sinceramente não
sei, este blog nasceu de uma mescla de vontades, o tédio me
impulsionou a leitura compulsiva, e ao perceber que eu aprendia com a
leitura, ela logo se tornou uma meta; foi da racionalização deste
instinto de sobrevivência, que os textos surgiram, proporcionando a
criação desta página “cibernética”. Todavia, nada existiria
caso meus desejos íntimos fossem outros, tudo que eu escrevo é
produto de imensa decepção; e a poesia lá de cima, certamente,
pode explicar, com maior sobriedade do que qualquer outro argumento,
estas motivações que pululam meu inconsciente.
Nova explosão mental, agora estou em frangalhos. Toda esta postagem
é oriunda do meu desazo intelectual, nada sobrevive, tudo é apenas
discurso vazio, lixo gráfico que deve ser esquecido. Confesso, se eu pudesse, ao trair minha morte, me matar e presenciar a chama, que
jamais alcançarei, consumir meu corpo; encontraria um pedaço de mim
que nunca fui mas que sempre desejei ser.
Agora é definitivo, estou oco.
FG
Ainda não li até o fim, antes disso, minha cabeça explodiu e ainda estou catando os pedacinhos... depois continuo...
ResponderExcluirMas com este comentário inteligente e irônico, parece que você chegou próximo ao fim; parou por quê?
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