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Triste Fim de Policarpo Quaresma - Lima Barreto




Tenho dúvidas de como iniciar este texto; resenhar um clássico da literatura nacional, típico livro que adolescentes são obrigados a ler no colégio, e que é cobrado em alguns vestibulares nas suas esquizofrênicas provas de seleção, exige um pouco mais de apreço e melindre com as palavras, e com as observações e os desvios temáticos que, constantemente, abatem sobre minha escrita, para que os possíveis leitores destes despretensiosos comentários possam compreender a estrutura, a forma, o enredo e as influências literárias do romance que transformou o autor Lima Barreto em estrela de livros do ensino médio. Para iniciar com tom solene, reproduzo eminente comentário de Oswaldino Cruz Vieira, ecumênico jornalista da Gazeta Popolis, jornal de maior vendagem da antiga capital federal no início do século XX.

A pungência artística deste mulato do subúrbio carioca exortou a novos caminhos nossa literatura, rompendo com a longa tradição de aforismos brejeiros que nos últimos anos afogavam, em ironia e sarcasmo, nossas letras”

What??????? “Come on”. Desculpe a brincadeira, mas achei pertinente iniciar com humor, visto que em poucas vezes li um romance estampando, de cabo a rabo, um sorriso no rosto. Para os desentendidos, deixo claro, Oswaldino e Gazeta Popolis são personagens fictícios criados pelo próprio escritor para fomentar a venda de sua obra nas paragens lusitanas. Mas tarde este imaginário jornalista teve a honra de ser homenageado com um romance inteirinho dedicado às suas aventuras, intitulado “Recordações do literato Oswaldino Vieira”. Devido a excentricidade, o livro, narrado em Tupi-guarani, com diálogos em português, e passagens em alemão, turco e albanês, teve um acachapante fracasso nas vendas, chegou a ser recolhido pela editora Fragata Beneditina, que não vendo utilidade aos poucos volumes publicados mandou destruí-los. O manuscrito original do romance foi preservado pela família de Lima Barreto, no entanto, as grandes falhas linguísticas presentes nas partes escritas em albanês fez com que Barretinho, neto do escritor e amante da cultura do leste europeu, proibisse a edição do romance, e até hoje “Recordações do literato Oswaldino Vieira” figura como um grande mistério, tendo alimentado a imaginação dos apaixonados por literatura. Em 1983 uma invasão de domicílio à casa da família Barreto chamou a atenção do meio literário. Paulinho da Fonsceca, vulgo Quaresminha, justificou o delito afirmando que procurava o manuscrito do absconso romance de Lima Barreto, dizendo constituir-se em crime de “lesa a humanidade” a proibição da publicação desta obra.

Como os leitores devem ter notado, eu nada escrevi sobre o enredo de “Triste fim de Policarpo Quaresma”, e antes que me esqueça dos objetivos traçados ao iniciar este texto (quais?), esboçarei breve análise da estória. Bem, o romance é dividido em três partes; a primeira, hilária do início ao fim, se preocupa em abordar os traços de personalidade do personagem principal, apresentando, com um humor refinado, suas esquisitices bizarras. O major Quaresma, nacionalista ferrenho, dedica-se, com afinco, à leitura e aos estudos da cultura, da fauna, flora, recursos naturais, geografia, hidrografia, história, folclore e demais particularidades do nosso país, menosprezando conhecimentos oriundos de outras nações. Devido a este ufanismo desmensurado, decide aprender a tocar viola, que para ele era o instrumento musical que melhor representava a pátria. Conhece Ricardo Coração dos Outros, que lhe ministra as aulas de violão. Ricardo que surge no início da trama como um homem simpático e sonhador, digno representante do povo, é mal visto pela “alta” sociedade dos subúrbios cariocas, no entanto, adquire o respeito e a admiração de Policarpo, tornando seu amigo fiel até seu trágico fim anunciado no próprio título do romance. Rompido o entusiasmo inicial em relação às canções de viola, Policarpo passa a se dedicar ao estudo do Tupi-guarani. Temos, nesta altura do livro, a cena mais divertida de todo a trama; Quaresma recebe em casa seu compadre Vicente Coleoni e sua afiliada Olga, esperneando em lágrimas e soluços; assustados os visitantes perguntam qual motivo de tamanha descompostura e excentricidade; eis que Quaresma responde se tratar de um antigo costume indígena, receber as pessoas queridas aos prantos era sinal de respeito e admiração. Tudo isto é escrito com uma sutileza que eleva a dimensão cômica do que esta sendo narrado. A primeira parte termina com a internação de Policarpo no manicômio, o personagem, entusiasmado com a cultura e costumes dos nativos de nossa pátria, decide mandar um requerimento ao governo, pedindo a mudança do idioma português pela, segundo nosso herói, língua legítima da soberba e indelével nação brasileira, o Tupi-guarani.

Na segunda parte do romance, Quaresma deixa o hospício e muda-se, junto à irmã Adelaide, ao sítio Sossego. Encantado com a potencialidade agrícola do Brasil, modifica o foco de seus estudos, adquire vasta bibliografia sobre os solos nacionais e técnicas de cultivo, adentra pelas veredas da etimologia de plantas, vegetais e frutos, enfim, redireciona seu patriotismo exacerbado, procurando aplicá-lo à vida rural. Novamente fracassa, contudo não desanima sobre suas convicções, atribuindo o insucesso à desorganização estatal, e a falta de um líder de pulso forte, imprescindível para a condução desenvolvimentista da nação.

A terceira parte inicia-se com a revolta da Armada; pequena guerra civil encabeçada por militares da marinha insatisfeitos com o governo do marechal Floriano Peixoto. Quaresma convicto de que seria necessário um forte governo centralizado na figura do presidente, decide apoiar Floriano, reconduzindo-se ao Rio de Janeiro para se alistar ao exército governista. A narrativa adquire, nesta terceira parte, um tom menos leve, diminuindo a atmosfera cômica, para acentuar o teor crítico, e intensificar a própria desilusão de Quaresma, que ao final de suas desventuras descobre que seu patriotismo era vão, seu orgulho de nossa terra, motivado por falsas expectativas, mera distorção ufanista, e seu otimismo e entusiasmo em relação ao futuro brasileiro, eram apenas retalhos coloridos de uma realidade mais sombria. Lima Barreto não poupa crítica a Floriano Peixoto. Quem ler o romance chegará a conclusão de que nosso ex-líder republicano não passava de um pusilânime idiota, esteriótipo, aliás, de quase todos os ditadores. Ainda há no romance vários personagens, representantes da classe média carioca, que são importantes para trama, especialmente na parte final. São caracterizados como amantes das aparências, egoístas, desprovidos de qualquer senso de solidariedade. Vale lembrar que após a prisão de Quaresma todos os seus ditos amigos recusam-se a ajudá-lo, apenas Ricardo e Olga, sua afiliada, tentam, sem sucesso, interceder pelo amigo. O curioso é que apenas os personagens desprovidos de qualquer força social são altruístas e benévolos a ponto de se arriscarem em favor de Quaresma; Olga por ser mulher, e Ricardo por tratar-se de um “vagabundo” tocador de viola.

Após resumir a estória, eu me pergunto: “Que diabos representa o início nonsense de minha resenha? O quê significa aquela insana e desqualificada historinha sobre Oswaldino e blablablá? E para que me explicar a respeito disto?”. Respostas: “estava sem ideias para escrever sobre o livro; nada; i don't know.”. E a propósito, as expressões em inglês são uma forma, com pretensões humorísticas (fracassadas desde o início), de me contrapor ao nacionalismo de Quaresma (really! i don't care).

Avaliação: 7,5/10
FG                                    

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