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Bilhetinhos de Amor





O Homem das ciências

Confesso, eu te amo. Esta fórmula ridícula do desejo que em qualquer situação deveria ser descartada, repudiada pela falta de originalidade, em meu caso, por favor acredite, é digna do mais altivo respeito; venho, a alguns anos, perscrutando as potencialidades amorosas advindas do encontro à fórmula estética perfeitamente adaptável ao meu espírito individual, e lhe digo: depois de cálculos ergométricos, medições mitrostásticas, análises fondoluptas, eu descobri: minha unha encravada possui uma similitude inigualável com o pus estertorante dos seus cílios capilares, ou seja, nascemos um para outro; sendo assim, lhe imploro, acredite na ciência, ela não erra nunca; e, a propósito, despreze o lirismo desta mensagem, eu não consigo censurar minha sensibilidade, ter alma de poeta é o epíteto nefando que sou obrigado a carregar ao lado de minha inteligência racionalmente superior.


O Indeciso que não quer se comprometer

Não digo que te amo, nem digo que não te amo; apenas digo o que não digo quando não precisar dizer. Dizendo ou não dizendo, fica o dito pelo não dito, e, após dizer o que não disse, reafirmo, afirmando o que não nego; sem querer dizer o que talvez disse, quando neguei o que estava dizendo. Se amei foi porque disse, mas se disse foi porque não amei. Sem acreditar no dizer, nego o que disse, dizendo tudo para não dizer o que você acha que eu disse. Caso eu diga algo que não queria dizer, dizendo o contrário do dito anteriormente, por favor, não acredite no que eu disse, mesmo se disser que disse o que foi dito, não direi mais nada, para que não digas que quando digo, digo que não digo. Por fim, se disser que a amo ou se disser que não a amo é o mesmo que dizer que nada disse.


O Desesperado de baixa alto estima

Descobri algo perverso, eu a amo. Como sabe, não mereço seu amor, sou parvo, tolo, e a mínima esperança em conquistá-la é digna de chacota. Se confesso meu crime é porque minha consciência de derrotado força-me, mais uma vez, a me expor ao ridículo. Não quero desgastá-la, nem roubar o seu precioso tempo, peço, apenas, que veja meu rosto transfigurado, maculado por um sentimento vil, que olhe meus olhos marejados pelo desespero. Não espero pena, mas desprezo; só há uma forma de me libertar deste desejo inexpugnável, é necessário que você escarre sobre minhas vísceras, urine sobre minha face, vomite no meu corpo, e não se esqueça de me humilhar, me jogue no lodo, prenda-me ao sarcófago, em calabouços abjetos, conclame o público a ver meu martírio, exija do carrasco que meu sofrimento seja prolongado, aplauda minha dor, talvez assim eu consiga voltar a respirar o ar empoeirado da minha precária existência.


O Pseudoculto altamente pedante

Peço vênia para confessar meus sentimentos mais incrustadamente íntimos; há alguns meses desenvolvi, em meu âmago, um etéreo e profundo amor por você; inebriado de paixão, sonhava com sua pele alva, seu olhos dardejantes de coloração azeitonada, seu rosto bem delineado com lindas maças rubras e arredondadas, seus longos cabelos castanhos levemente ondulados da esquerda para a direita, seu corpo franzino e delicado, a pequena curvatura de suas pernas e os seus simpáticos dedos caprichosamente arqueados. Sem racionalizar o que me foi dado pela sensibilidade, conclui estar apaixonado, e como sou um homem honrado, altivo e de grande dignidade achei justo lhe comunicar tão esplendorosa percepção. Não quero que se emocione, lágrimas foram feitas para os momentos de tristeza, compreendo seu possível alvoroço, sei que é difícil manter a calma quando inopinadamente recebemos mensagens sublimes de amor. Devo dizer que no início hesitei, não queria acreditar, por jactância, em sentimentalismos motejantes; mas, não obstante, acabei cedendo ao espírito e dei carta branca para que Hermes autorizasse a atuação do angelical Cupido. Hoje, seguro da grandeza amorosa que carrego por ti, a aguardo; não se acanhe, tenha coragem, seu desazo de donzela sentimentalmente vulnerável será compensado por minha virilidade masculina.


O Poeta fracassado

Amo-te tanto, tanto e tanto
que querer-te ao meu lado -
mesmo aguentando a dor e o enfado
ao ponto de converter-me em pranto
sucumbindo-me ao espanto -
é aceitar o laivo do tempo dado
matizar a fome com véus azuis de canto,
sentindo o orvalho cintilar na pele ao prado.

Se não me amas, te ensinarei a amar
tenho o coração repleto de esperança
que encantaria a mais terna criança
emprestando a alegria salgada ao doce mar;
ventos suaves da eterna pujança
contrastam o egoísmo dos que se negam a dar;
sem promover infortúnio e matança
espero ao seu lado viver – assim que nos encontrar.


O Homem normal

O quê vai fazer hoje a noite? Vamos sair? Ir a um barzinho ou ao cinema?

Obs: por motivos bem particulares, foi hilário escrever estes textinhos
FG

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