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Início

Todo o início é desgastante, exige um pouco de calma, mesmo quando a ansiedade é insuportável. Começo este blog com um objetivo modesto, apenas pretendo armazenar texto e pequenas resenhas literárias dos livros que tenho o prazer de ler; caso eu seja o único a acessá-lo, e isto é bastante provável que aconteça, não me incomodarei. Como dito, este será um espaço para manter meus arquivos de dados a salvo da intemperes do meu desgastado HD.

Para iniciar em grande estilo, deixo postado uma belíssima poesia de Drummond

OS OMBROS SUPORTAM O MUNDO

Chega um tempo que não se diz mais: meu Deus
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou-se inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada espera de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
preferiram (os delicados) morrer.
Chegou um tempo que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

Poesia retirada do livro "Antologia Poética" 40ª edição da editora Record.

Comentários

  1. Que solitários são seus dizeres iniciais... Vamos tentar então agitar esse blog e também a vida!!!... "A vida é uma ordem"... Que tal excluir o trecho: "caso eu seja o único a acessá-lo, e isto é bastante provável que aconteça, não me incomodarei."

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    Respostas
    1. Entro no meu blog e descubro que minha irmã passou o dia vasculhando meus desesperados dizeres. Talvez meus textos revelem, para você, mais de quem eu sou, do que os nossos vários anos de convivência. Quem sabe eu não criei um personagem solitário para poder me afundar em sofrimentos inventados? Não se engane, eu continuo o mesmo; um rapaz alegre e feliz, apenas mudo conforme o ambiente, pois para cada interlocutor desenvolvemos uma nova máscara social; somos múltiplos, porém únicos.
      Volte sempre ao blog, quem sabe em um futuro próximo ele seja acessado por uma multiplicidade de indivíduos; mas não se esqueça de levar menos a sério minhas bobagens vomitadas neste endereço.

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