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On the Road - Jack Kerouac




“On the Road”, romance lançado no final dos anos 50, é um digno exemplar literário que inspirou gerações; repleto de aventuras sexuais, drogas e muito jazz, o impacto, quando de seu lançamento, era inevitável; batendo de frente com uma sociedade conservadora, ainda bastante apegada as tradições e preconceitos do século anterior, revolucionou a cultura e introduziu um novo estilo de linguagem. Escrito por um suposto fluxo contínuo de pensamento, levemente impulsionado por substâncias impróprias para o consumo compulsivo, este livro, o primeiro a alcançar sucesso dentro do universo conhecido, anos depois, como beat, conta a estória parcialmente verídica de Sal Paradise, personagem inspirado no próprio autor, suas viagens pelo território americano e sua onírica amizade com o ultra pirado Dean Moriarty. O ritmo da narrativa é frenético; estrada, bar, mulheres, fome, bebida, loucura, trabalho, cansaço, estudo, conversa, música, música, música.... estrada, sorrisos, camaradagem, amizade, amizade, brigas, saudade, estrada, loucura, drogas, muitas drogas... cansaço e é claro novamente a estrada. Mas, ao contrário do que parece, a leitura do romance não é totalmente agradável; a velocidade em que situações se desenvolvem, deixando pouco espaço para a reflexão e a apreciação, torna tudo muito cansativo; não há como estabelecer um ritmo constante e seguro na leitura; a prosa sincopada de Kerouac, com rápidas acelerações e freadas bruscas, tende a desgastar em demasia o motor utilizado pelos leitores quando os mesmos percorrem os caminhos traçados pelo romance; sendo assim, após o percurso de algumas páginas, torna-se necessário um prolongado pit stop. Por ser um romance curto com linguagem coloquial, era presumível que a leitura fosse rápida, talvez, dependendo da disposição, sem paradas ou interrupções, no entanto, comigo não foi isto que ocorreu, após 30 ou 40 páginas o desinteresse crescia, parar, portanto, tornava-se uma obrigação fisiológica, caso insistisse em alongar a leitura, minha opinião sobre o livro não seria das mais positivas. Confesso, quando abri a primeira página queria amar o que estava por vir, quando fechei a última tentei,com afinco, mitigar meu enrustido ódio. Com cinco dias de leitura, a digestão foi mais suave, contudo, não posso dizer que gostei do livro, e, definitivamente, as obras de Jack Kerouac estão fora da lista de minhas futuras leituras.

Não irei destrinchar o enredo do romance neste comentário, me limitarei em abordar, rápido e rasteiro, a amizade entre os dois personagens principais. Aos olhos de Sal (narrador), Dean era um Deus – isto é dito textualmente – conquistava qualquer mulher, dirigia como ninguém e chamava a atenção de todos. O fascínio de Sal por Dean é tão intenso que paira uma atmosfera suavemente homossexual durante a narrativa; sua suposta inveja das lindas mulheres que se envolvem com o amigo, ao meu ver, é apenas ciúme. No filme recentemente lançado por Walter Sales, a modificação de uma das cenas do livro, envolvendo o dono da possante limusine, que na adaptação é interpretado por Steven Buscemi, deixa ainda mais claro esta conotação. Na obra de Kerouac, Dean propõe, sem sucesso, ao proprietário da limusine, favores sexuais em troca de dinheiro; já no filme o personagem de Buscemi é que faz a proposta, Dean aceita e Sal presencia a enrabada frenética, chateando-se profundamente. Como não há na arte cinematográfica os recursos que dispõe a literatura de sugerir - através do pensamento, insinuações ou outros mecanismos linguísticos característicos - diferentes leituras e novas formas de interpretação dos acontecimentos narrados, é necessário improvisar, como fez Sales, dentro das possibilidades que a imagem oferece ao realizador. Apesar de ser um interessantíssimo tema - as diferenças de linguagem da literatura e do cinema - não enveredarei por esta seara, no entanto devo advertir que comparar adaptações cinematográficas com as obras literárias originais é tarefa inócua, pois trata-se de universos artísticos completamente distintos; insistir nesta esdrúxula comparação além de inútil é pouco divertido. Se fossemos obrigados a dizer quem é melhor, Neymar ou Cobe Brian, teríamos uma dúvida insolucionável, cada qual é excepcional em seu respectivo esporte, e dependendo das nossas preferências esportivas elegeríamos nosso predileto; à semelhança, não é possível misturar as artes, cada uma tem suas peculiaridades, são igualmente importantes para a nossa formação cultural.

Mas uma vez meu texto se desviou completamente das minhas iniciais expectativas, minha proposta de abordar o enredo dos livros que leio, para ter um arquivo de dados pessoal que no futuro possa me ajudar no resgate literário de minha enfraquecida memória, já, logo no início, mostrou-se fracassada. Contudo, insistirei neste novo modelo desestrutural de escrever, aproveitando o próprio estilo do livro comentado para deixar que as divagações me conduza a caminhos misteriosos. Bem, isto é tudo.                         

Avaliação: 5,0/10
FG

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