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Mostrando postagens de julho, 2017

Aventuras de Ravi - IX

As folhas azuis tinham desaparecido e após a tempestade uma nuvem de coloração semelhante pendia curiosa e arredondada no céu. Ao que tudo indicava, estava preso do outro lado da colina sem saber se aquele ambiente era a continuação da realidade ou um mundo paralelo. De qualquer forma, independente da situação encontrada, precisava voltar pra casa; talvez ainda conseguisse salvar o cavalo Colossos, ou ajudar seu pai e o velho Ancian. Se o túnel não oferecia saída, teria de explorar as paisagens do local. O primeiro passo seria escalar a montanha da cachoeira, e do alto tentar enxergar alguma coisa que o permitisse inventar a solução que o levasse ao caminho de volta. Quando olhou para a montanha, já sentindo o spray refrescante criado pela colisão da água com o solo, se assustou. Não sabia como subir aquele intransponível paredão; e por mais que tentasse olhar ao redor, a escalada era a única forma de escapar daquele vale. Se estivesse com sua corda resistente, as chances de suces

Aventuras de Ravi - VIII

Percorrendo quilômetros a toda velocidade, Colossos exsudava em cansaço. Saltava sobre galhos e troncos distribuídos pelo caminho. O dia que ainda não era noite já não resguardava qualquer claridade, e as sombras da densa vegetação deixava a atmosfera lôbrega. Ao se aproximar de um amplo barranco, o cavalo de chofre arrefeceu. A parada brusca não impediu a queda, e juntos, o animal e o menino, rolaram morro abaixo. Com o corpo encravado em terra, Ravi, que por alguns segundos perdera por completo a consciência, mais pelo susto da queda do que pelos ferimento, recuperou as forças e, ainda deitado ao chão, olhou ao redor, recompondo em memória o ocorrido. Ao seu lado, Colossos arfava; seus olhos denunciavam a iminência da morte. O garoto se levantou. Face a face com o animal, de alguma forma percebeu que o olhar do bichano apontava em súplica e pranto para uma pequena cavidade em rocha, desenhada bem próxima dos dois e que se assemelhava a uma caverna. Deixando o animal descansar, depoi

Aventuras de Ravi - VII

Acordaram bem cedo, antes do nascer do sol. Ravi estava super agitado e seus movimentos denunciavam grande ansiedade. Ancian calmamente se preparava para jornada e Philippe, com o semblante em resmungos, não conseguia disfarçar o fastio, que poderia ser tanto pela ressaca da noite anterior, quanto pelo desânimo de se aventurar numa busca sem sentido. Enquanto pai e filho se arrumavam no quarto, o velho topógrafo preparava torradas com geleia de broto de bambu, comida tipicamente chinesa que ao longo dos anos aprendera a apreciar. Após a refeição, os três deixaram a mansarda em direção ao estábulo, onde três cavalos, prontos para a cavalgada, despunham-se inertes, aguardando o primeiro comando. Um dos cavalos era negro, os outros dois cinzas. O cavalo negro chamava-se Colossos, os cinzas não tinham nome. Diante dos cavalos, Philippe desautorizou o menino de seguir viagem sozinho, achava-o muito jovem para controlar um animal tão grande. Ancian, sem querer abalar a autoridade paterna, c

Aventuras de Ravi - VI

“Quando disse ao meu filho que também havia visto a árvore de folhagem azul, pensava estar fomentando sua imaginação, ou, no mínimo, protegendo-o das cruezas do mundo. Como tu mesmo disseste, ninguém nunca comentou sobre esta peculiar espécie de vegetação, ninguém nunca a viu; ninguém nunca admitiu sua existência. Não entendo suas intenções, tampouco posso acreditar que tiveste a mesma ilusão visual do meu menino.” “Quando seu filho descreveu a árvore, de folhas azuis espessas e ao lado de uma portentosa cachoeira, foi como se ele tivesse resgatado meu passado. Tive a mesma visão, e na época não julgava estar louco. Sei que pode parecer estranho, inacreditável; mas amanhã, quando partirmos em nossa busca, procurarei pela árvore com a mesma paixão da criança. Aliás, minha intuição diz que encontraremos esta árvore e que ela nos trará conforto e respostas que tanto eu quanto você procuramos” “Supondo que a árvore exista e que nós a encontraremos, qual resposta ela poderá nos for

Aventuras de Ravi - V

No período em que Philippe ficou sob a tutela da embaixada francesa no Congo, se sentiu impotente. Diante de tamanha tragédia e ciente da repercussão negativa do incidente sobre a cúpula do governo congolês, sabia que uma atmosfera de injustiça permearia o julgamento dos culpados. O que não sabia era que a própria França tinha interesse em encobrir o caso. As ligações econômicas do seu país com a nação africana não poderiam ser abaladas pelo contratempo que vitimou dezenas de famílias insignificantes à política cínica e não humanitária do Estado europeu. Eles precisavam, a todo custo, atenuar as consequências do massacre, e para tanto obrigaram os diplomatas e funcionários da região a orientar o missionário durante seu testemunho no processo. Era de interesse de ambos os governos a extinção de todas as comunidades voltadas à agricultura familiar e de subsistência. Planejavam intensificar o cultivo predatório da monocultura latifundiária, para que a chefia governamental do Congo se enr

Aventuras de Ravi - IV

Insatisfeito com o pai, e já nutrindo uma forte empatia pelo velho senegalês, Ravi foi para o quarto se deitar; precisava se recompor para a busca do dia seguinte. Os dois homens, enquanto o menino dormia, continuaram sobre o sofá de palha conversando. Bebiam saque e vinho, e a medida que o corpo de ambos esquentava, a mente se amoldava numa construção de linguagem mais pura e sem barreiras. Conversaram sobre os tristes incidentes de anos atrás no sul do Congo, quando os dois nada fizeram para impedir um monstruoso massacre, promovido com o apoio do governo central do país contra congoleses já convertidos ao catolicismo. "Eu me lembro das chamas e dos gritos de horror. Quando tudo se incendiava e nós abrigávamos a família Bongolê no interior da capela, não tivemos a coragem de Deus para evitar nem uma nódoa de tragédia." - dizia Ancian com lágrimas aos olhos. "Tudo aquilo que aconteceu não estava ao nosso alcance, fomos surpreendidos pela milícia do governo e ti

Aventuras de Ravi - III

Quando já se aproximavam do destino, depois de enfrentar o desfiladeiro, trecho mais perigoso da viagem, uma árvore de folhas azuis, matizada por radiantes feixes de luz e ao pé de uma sublime e violenta cachoeira, apareceu no horizonte. A imagem era tão bela que o menino, em grande alvoroço, tentou acordar o pai que ainda dormia. Ao despertar com os gritos da criança de "olha, rápido, rápido, veja," fixou os olhos pra onde os dedos do filho apontavam e enxergou uma cadeia de montanhas. Perguntou por que tamanho estardalhaço. Ravi, ao notar que o pai não acordara a tempo de presenciar a imagem que dificilmente sairia de sua memória, se entristeceu em lamúrias. Aborrecido pelo despertar letárgico do homem rinoceronte, tentou, sem muito entusiasmo, descrever o que vira. Mas aquela árvore era inefável, e nem o poeta mais acalorado daria forma às luzes azuis que irradiavam daquele opúsculo da natureza. Tudo tão azul, visualmente sonoro; tudo tão belo, onírico, pleno; tudo em a

Aventuras de Ravi - II

Philippe pela primeira vez percebia que seu filho estava crescendo, não era mais, apesar da tenra idade, apenas um menino. Aquele comentário sardônico e atrevido não era da feição do "petit enfant", em verdade o pai sequer compreendia a extensão daqueles dizeres, poderia ser uma interpretação curiosa, perfeitamente adaptável à ingenuidade infantil. Sem, no entanto, querer investigar o alcance das palavras do filho, decidiu mudar de assunto e se esforçar para recriar a atmosfera de minutos atrás. Pegou o traje mais colorido e estampado da prateleira da comprimida boutique que estavam e vestiu por cima de seus andrajos convencionais; Ravi se alegrou. Abastecidos de vestimentas de todos os tipos e cores, caminharam apressadamente, estavam prestes a perder a condução à aldeia. No caminho, um senhor de barba muito branca e cabelos finos que caiam sobre os ombros segurou, à sorrelfa, os braços do menino. Surpreendido com o repentino gesto do ancião, olhou em seus olhos em espa

Aventuras de Ravi - I

A conversa entre pai e filho se estendeu por horas. Ravi, desejoso em explicar a riqueza de suas fantasias, perorou sobre seus sonhos; as paisagens, os animais, os sons e as cores daquele mundo que era só seu. Dizia ao pai que talvez tudo aquilo fosse real, e que em algum lugar encontraria um portal de acesso àquele feixe imenso de sensações. Philippe, orgulhoso da sensibilidade do filho, sempre aos afagos, insistia em apontar para o coração da criança ao se referir à passagem secreta do mundo imaginado pelo filho.  "Tu guardas a chave desse lugar. Ela está em você, dentro de ti. Sinta a pulsação do seu corpo, perceba o quanto seu espírito é belo e sublime, o quão cheio de vivacidade, de vida guarda em seu âmago. O mundo imaginado por ti, é o reflexo, uma miragem de Deus; um pedacinho dele e da sua obra. Confesso que seu pai também tem um mundo próprio, também, como tu, sonhas; mas, ao me reconhecer como um servo humilde, uma partícula, um ornamento de luz do nosso senhor, se

Aventuras de Ravi (Abertura)

Abertura O menino Ravi, herói dessa e de muitas outras aventuras, antes de ser levado ao Mundo da Nuvem Azul, vivia acossado pela solidão e pelo frio de sua velha mansarda no norte da França. Ele era filho único de Philippe, um velho e cansado missionário que lesionava teologia a alunos secundaristas. Desde o nascimento do filho, interrompera sua vida nômade, fixando-se naquela terra de atmosfera álgida e inóspita; porém ainda tinha o intuito de prosseguir em suas errantes viagens, pois acreditava na linguagem da fé cristã e no poder curativo de Deus. Seu filho, no entanto, até então alheio às misteriosas migrações de seu pai, ainda não vislumbrava qualquer possibilidade de deixar seu local de origem; talvez por isso sonhava, perdido na imaginação, com lugares cálidos, paisagens ensolaradas e reconfortantes. Certo dia, como se houvesse despertado de um sonho que se tornaria real, Ravi ouviu da boca de seu pai o anúncio de uma viagem, ou melhor, de uma mudança. Dentro de um m