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Honoré de Balzac e o Elixir da Longa Vida




Balzac, eis Balzac... o gênio rechonchudo que encantava mulheres sensíveis; a máquina de escrever que produziu centenas de romances, contos e novelas reunidos na “Comédia Humana”, grandiloquente e insuperável coletânea literária; o pequeno burguês que dedicava-se com afinco à labuta de escritor; o homem agradável e extrovertido, porém recluso; amante da tranquilidade, mas viciado em café; irônico e indulgente; astuto e pródigo; soberbo, insuportavelmente soberbo; inteligente e ingênuo; um verdadeiro alpinista social, que conquistou a mulher “amada”, a nobre e riquíssima Ewelina Hanska, próximo de seus últimos dias. Balzac, eis Balzac; mas me pergunto: quem foi Balzac? Não sei responder, no entanto, tenho certeza, a vida para ele será eterna.

Talvez estes confusos dados bibliográficos elencados no parágrafo anterior sejam uma perda de tempo para os virtuais leitores desta nova e tola postagem, mas precisava de uma introdução, sem contar que a fotozinha abaixo do título é, ao contrário das outras resenhas, a do autor. Enfim, iniciemos. Ao vasculhar obras literárias pela internet, deparei-me, a alguns meses atrás, com uma preciosidade escrita em 1830 pelo simpático gordinho do retrato acima; tratava-se do conto “O Elixir da Longa Vida”; fiquei tão fascinado com a história que, logo em seguida, comecei a ler um romance do autor, o bom e convencional “Eugênia Grandet”. Hoje, ao sentir imensa necessidade de escrever e sem ter terminado o livro que estou lendo, decide reler o conto supracitado para satisfazer meu desejo imediatista. Agora percebi que esta foi uma excepcional ideia, diante das bizarrices que pululam, neste momento, em minha cabeça.

O conto segue a trajetória de D. Juan Belvidero, do dia da morte de seu pai até o estranhíssimo e surreal desfecho de sua vida; temos antes, no entanto, cáusticos comentários do autor sobre a lei de herança vigente na Europa e de como um número vastíssimo de indivíduos viviam apenas em função deste benefício institucional. Depois da irônica introdução, Balzac entrega ao narrador onisciente a condução do enredo; a estória começa em uma noite festiva, D. Juan Belvidero, acompanhado de formosas bacantes, é informado, por seu encanecido criado, do fim iminente da vida de seu pai; dirige-se, então, ao lúgubre aposento em que o moribundo agonizava seus últimos instantes. Mesmo sentindo uma alegria insidiosa por finalmente ver seu nonagenário progenitor deixar a existência, finge, demonstrando o cinismo digno dos grandes atores, um colóquio emocionado com o velho. Este, seguro dos sentimentos verdadeiros do filho, informa-o sobre seu grande segredo, um líquido mágico que lhe traria novamente à vida; D. Juan, julgando tratar-se de um delírio, ignora, a princípio, as palavras do doente; no entanto, apenas por curiosidade, decide procurar o frasco que abrigava a peculiar substância; ao achá-la, pinga pequenas gotas nos olhos, já mortos, de seu pai, que instantaneamente voltam a vida. Assustado D. Juan, de chofre, esmaga aquele demoníaco olhar, tranquilizando-se apenas quando, no dia seguinte, enterra o velho.

A segunda parte do conto inicia-se após o fúnebre velório. D. Juan, herdando vasta quantia e inumeráveis bens, além do líquido mágico, passa a viver em viagens pela Europa, desfrutando os prazeres pecaminosos da vida, mas sempre de forma prudente e equilibrada. Ao sessenta anos casa-se com uma jovem espanhola, estabelecendo residência fixa nas terras ibéricas; tem, com a esposa, um filho, o tímido e religioso Filipe. Se preparando para a ressurreição, nosso pérfido protagonista, mesmo sem acreditar em Deus ou em qualquer tipo de bondade humana, educa seu filho sobre os rígidos dogmas da Igreja católica; Filipe, quase um anacoreta, ao contrário de seu pai, desenvolve um amor sincero por sua família. No fatídico dia de sua morte, D. Juan comunica ao filho o segredo do misterioso elixir, pedindo-o para, quando não mais vivesse, derramar o místico líquido sobre seu corpo cadavérico. Não irei informar sobre o atordoante final do conto, deixarei, entretanto, um link que direcionará os interessados ao endereço em que a obra está disponibilizada; leiam, pois o desfecho é incrivelmente original.

O conto “O Elixir da Longa Vida” é uma mordaz crítica aos costumes burgueses; seu enredo fantástico, cheio de um humor irônico, que tenta desvelar a ignomínia do próprio leitor, dá a obra um contraste translúcido, pois se há verdade nas palavras escritas, há também o místico nos eventos narrados; é este limite entre o real e o surreal que torna a leitura suportável; ao final, tudo vira uma comédia trágica. Conter o riso, quando terminamos a leitura, é impossível, ou melhor, improvável, no entanto, o sorriso e as gargalhadas não coabitam uma face depurada pela leveza de uma alegria cômica, nossa contração facial é produto do desespero, da angústia jocosa semelhante a um estertor de felicidade pútrida, naquela espécie de riso que causa medo, desamparo. A literatura é uma arte com a potencialidade de provocar sensações das mais diversas, ela, através da liberdade dada à imaginação, faz com que as palavras lidas adquiram um grau recrudescente de veracidade subjetiva; há uma espécie de epifania que dialoga com nosso espírito nobre e com nosso espírito vil; e muitas das vezes estas trocas comunicativas são realizadas simultaneamente na presença dos dois antagônicos seres que brigam por mais espaço em nosso âmago. No entanto, nem sempre palavras harmoniosas provocarão boas sensações, e o contrário também é verdadeiro, a perversão e a perfídia literária podem dar ensejo a generosos pensamentos; se ver sobre uma ótica ignominiosa é necessário para a compreensão das próprias fraquezas. É tomando porrada que se aprende.

Também há no conto uma ferrenha critica à religião cristã, o abade de San-Juan de Lucar é retratado como um indivíduo mesquinho, aproveitador e de bonomia interesseira; o próprio papa adquire, nas palavras do narrador, aspectos humanamente torpes. A ironia áspera de toda a estória traz, ao leitor, um sentimento de gozação lancinante insuportável, semelhante a uma falsa felicidade desenhada por um pincel grosso de angústia. Muitas pessoas, e agora escrevo para melhor ilustrar o comentário anterior, quando estão nervosas ou confusas, e, as vezes, quando estão com medo e inseguras, possuem uma propensão ao riso; manifestam-se com uma espécie de risada estranha, aquela provocada diante de uma prova difícil, de uma tarefa árdua, de um pensamento incomum ou de uma atitude incontrolável; provavelmente, você leitor deve conhecer alguém com esta imprudente característica; mas, na verdade, tal atormentada felicidade não é apanágio apenas destes indivíduos que externalizam peculiar emoção, todos nós, em algum instante, somos incutidos por este lamurioso sentimento; rimos do ridículo e do infame, dos miasmas que decompõe nossa integridade, daqueles vermes que tetamos esconder para emoldurar uma vida reta e perfeita, desprovida de sujeira, e enfeitada pelos tons da arte kitsch. Todavia, sejamos sinceros, são estes vermes que nos tornam humanos; sim, temos fraquezas, no entanto, são delas que nascem nossa originalidade enlevadora.

Terminei meus comentários a respeito do conto, agora farei um breve brincadeira, escreverei um minitexto totalmente abstrato e vago; não serei o autor do que está por vir, serão vocês, hipotéticos leitores, que criarão, com imensa liberdade, qualquer coisa; pensem, ao criar suas histórias, na nódoa encardida que habita seus lados mais sombrios. Isto é um teste, não se apeguem a má qualidade do texto, ou às imprecisões linguísticas; repito, não sou o autor, apenas indicarei o caminho; escrevam mentalmente o enredo, libertem-se de qualquer censura, quem sabe assim, ao final, se sentirão diferentes. Boa sorte.

Caros leitores, vocês já se olharam no espelho e desataram, subitamente, em histéricas e pavorosas risadas? Já se sentiram insuportavelmente tolos? Já pensaram que por trás de qualquer sensação sublime há uma espécie de zombaria recalcitrante? Bem, se as respostas forem positivas, aconselho a interrupção da leitura. Direi novamente: parem de ler, o que está por vir é desumano; quem chegar à última linha encontrará imprecações inafastáveis, e, depois de tudo, o suicídio será encarado como a nobilíssima finalidade da vida. Deixo este aviso, pois não sou um assassino, e, apesar de todas as mazelas, guardo bastante apreço pela existência. É apenas em respeito à autonomia da liberdade, que deixo, neste blog, palavras que deverão ser censuradas até no inferno. Agora me despeço, não serei o autor das barbaridades vindouras, cederei meu corpo para o estranho Íncubo e sua horda de sequazes; então, preparem-se, as portas do submundo estarão, em alguns segundos, abertas.

  • Digas, quem és tu lamurioso infeliz?
  • Não direi nada.
  • Sinta, pequeno réprobo, o odor da insignificância.
  • Cale-se, não é possível, não, não! Deixe-me em paz, pare, é insuportável eu imploro. Tudo bem, conto a verdade, mas não me force. Dói.... como dói, por favor...
  • Sou deus!
  • Mentira.
  • Sou Deus!
  • Sou DEUS!
  • Senhor, amo-te; como és grandioso.
  • Escreva.

“Quero que olhe no espelho, dispa-se. O quê vês? Não achas belo? Coloque a mão no ânus, agora leve-a à narina, sinta o cheiro, lamba os dedos; sentes algo? Olhe para sua testa, observe a pequena fissura que está se abrindo, toque-a, devagar; estás vendo, és um pequeno clitóris, pressione-o delicadamente, deixe que o prazer o conduza. O quê pensas agora? Não repreenda suas emoções, imagine um jardim habitado por aqueles que amas; veja os olhares rutilantes, se aproxime; escolha um e leve-o para outro lugar, isto, aí está perfeito; olhe a sua volta, observe que há, na sua esquerda, um pequeno machado, e, na sua direita, um chapéu velho; escolha entre os dois objetos, mas seja astuto, não haverá volta”

  • O quê aconteceu?
  • Não se lembras?
  • Sinto-me moralmente podre, mas não me recordo de nada.
  • Belo chapéu, onde o conseguistes.
  • Besta horrenda, o que fez comigo?
  • Olhe em meus olhos, consegues enxergar agora?
  • Não, como eu pude... pare. Me dê o machado.
  • Não há volta, fostes avisado.

    FG
Obs: que bobagem.

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