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Duas Palavras

Sempre sonhei em escrever. Mais do que uma frase, ou sentença. Queria escrever um parágrafo, uma ideia; talvez uma página, um capricho. Duas palavras, após um testemunho. Quem sabe um conto, uma novela, um livro.  Sempre sonhei com papéis. Mais do que isso, com a tinta. Queria folhear algo meu; não aquilo que apenas eu manuseio. Queria também outras mãos perto das minhas, bisbilhotando palavras daquilo que sonhei. Quem sabe uma frase, um parágrafo, uma ideia. Se fosse um livro, de poucas páginas, mas um livro; quantas mãos seriam aquelas? Quantos pensamentos? Quantos gritos? E os sussurros?  Sempre sonhei poesia. Mas poesia sem palavra. Poesia de silêncio. Poesia que se diz sem som, que se compreende sem voz alguma. Poesia que vem de dentro e não vai embora. Não qualquer uma, daquelas que nascem resplendorosas. Outro tipo de poesia. Um tipo de poesia que não se conhece. Um tipo de poesia não escrita. Um tipo de poesia densa, dura, impenetrável. Um tipo de poesia mui...

Aventuras de Ravi - XXX

Bleu escreveu a petição. Seu texto era fluído e convincente, porém não sabia como provar a indispensabilidade de Ravi junto aos cogumelos. Sem aquele tópico a peça seria arquivada. Ainda tentando solucionar o problema, reencontrou Colère e pediu para que o mesmo retirasse o garoto do hospital. O vermelho, com a ajuda de dois policiais que o acompanhava, escoltou o corpo do menino para fora da cidade. Com a presença oficial da guarda, os médicos e enfermeiros nada puderam fazer para impedir a retirada do comatoso. Os policiais estavam mais preocupados em se livrarem do problema, a presença de estrangeiros sempre lhes causavam transtornos, do que com a saúde do rapaz.  Sozinho com Ravi, Colère, com auxílio do tapete voador, se dirigiu à aldeia do Povo do Maracujá. Para Bleu, aqueles homens tão semelhantes ao menino, poderiam salvá-lo. Enquanto isso, o azul aguardou o retorno de Giallo. Quando o amarelo retornou, os dois trataram de escrever o tópico faltante da petição. "Já...

Aventuras de Ravi - XXIX

O amarelo retornou ao hospital com a expectativa de ver Ravi recuperado. Quando soube da piora do garoto ficou aflito, e junto a Bleu foi ter com o médico teoricamente responsável pelo repentino coma do menino. Conversaram por vários minutos. Hollande não quis se responsabilizar por nada, disse que seguira o procedimento padrão e que não tinha culpa pela a delicadeza do estranho. Giallo já não tão calmo como de costume; estava apreensivo, deveria entregar o garoto em boas condições ao Senhor Green, o contrato já estava assinado e aquele imprevisto poderia lhe gerar problemas; ameaçou o doutor. Disse que se nas próximas horas não houvessem melhoras processaria o médico, o hospital e toda a equipe. Hollande não deu importância as ameaças; Ravi era humano e nenhum legislação dos cogumelos previa punição para negligência hospitalar contra membros de outra espécie. Afirmou ter feito o possível, ainda sugeriu que eles, os irmãos, eram os verdadeiros culpados pelo estado do menino, já qu...

Aventuras de Ravi - XXVIII

Os três cabeçudos, assustados com o desmaio do menino, tentaram socorrê-lo. Os outros transeuntes, ao observarem a situação, acionaram socorro. Em minutos uma comitiva de salvamento, envolvendo dois enfermeiros verdes e um médico laranja, chegaram ao local; colocaram Ravi sobre a maca e o encaminharam ao hospital mais próximo. Como não conheciam a anatomia do visitante, o deixaram, ainda desacordado, na sala de espera. Presumiram que talvez o ar da cidade tivesse produzido alguma reação alérgica ou uma possível embolia. Ravi respirava e suas funções vitais não apresentavam comprometimento. O médico que lhe prestou os primeiros socorros, o doutor Hollande, quis saber quem era o paciente. Conversou com os irmãos para averiguar a origem do menino. Bleu, com ares de timidez, disse ser Ravi humano, sendo assim, para ele, os profissionais do hospital deveriam ter bastante zelo; a melhor solução seria tirar o menino da cidade, e caso não se recuperasse, procurar assistência em outro povoado ...

Aventuras de Ravi - XXVII

"Aquela história de criar ídolos na seleção polonesa que desprezam o cristianismo também não era verdade?" "De fato este não é o ponto principal do experimento. Caso comprovem a eficácia da droga, controlarão a religiosidade dos poloneses de forma mais substancial através da cápsula. No entanto, já tentaram implementar este tipo de educação marxista nos jogadores, porém as tentativas não renderam muitos frutos. Acho que leu algo a respeito num dos livros disponibilizados no seu quarto? Philippe assentiu. Começava a se convencer da narrativa sugerida pelo cardeal, só não entendia como Veronika poderia se infiltrar na trama. A esta altura, Jan já vasculhava todos os locais em que a moça poderia estar escondida. Carregava o diário tentando encontrar algo. O gigante era esperto, conseguia enxergar nas entrelinhas, descobrir o inacessível. No entanto, o paradeiro da garota era um mistério. Depois de alguns dias racionalizando todas as informações, não conseguiu e...

Aventuras de Ravi - XXVI

Enquanto Jan procurava a garota, Kowalski e Wojtyla conversavam com Philippe. Contaram sobre os planos do governo de utilizarem Veronika como isca. "Não sei o que está acontecendo. Não vislumbro realidade nestas hipóteses conspiratórias de vocês. Nunca ouvi algo tão esdrúxulo quanto esta lenga lenga que insistem em acreditar. Acham que o governo pretende infundir na mente daqueles jovens atletas alguma espécie de pavor ao cristianismo ou a qualquer crença metafísica; para tanto contratam um teólogo para iluminar a cabecinha dos garotos com a palavra de cristo. Não, não faz sentido! Vocês partem do pressuposto de que algum ato vexatório seria suficiente para reverter meus ensinamentos, e o mais bizarro; acreditam que esta suposta infâmia faria com que eles me associassem a Dabrowski, ou seja lá quem for este sujeito. Sinceramente, nem o pior dos romancistas inventaria enredo tão medíocre. Se é estranho receber apoio do partido na minha missão evangelizadora, mais estranho aind...

Aventuras de Ravi - XXV

Passou o resto da semana na companhia de Jan e Kowalski. Estudou para se sair bem nas palestras, foi bem alimentado e tratado com esmero. Depois de tudo, e daquele rebombar de informações, nem se lembrava mais de Veronika. Para ele, ela viveria se alimentando do sonho ocidental e, talvez, sendo vítima das consequências burlescas do seu fascínio pela "Pilka Nozna".  No dia marcado para as palestras, Kowalski o levou para o centro de convenções, prédio mais espaçoso de Varsóvia onde, geralmente, aconteciam os maiores eventos políticos. Numa sala com capacidade para mil pessoas, Philippe aguardava a chegada dos jogadores. Aos poucos eles iam entrando; eram tantos e tão jovens - aparentavam ter a idade de Veronika - que o francês teve uma ligeira vontade de exílio, porém logo passou. Enfim, mesmo se tratando de uma farsa, colocaria em prática seu maior talento.  Falava sem parcimônia, a cada nova história, a cada tópico sibilava com mais entusiasmo; seu ardor por teologi...