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Aventuras de Ravi - XXIX

O amarelo retornou ao hospital com a expectativa de ver Ravi recuperado. Quando soube da piora do garoto ficou aflito, e junto a Bleu foi ter com o médico teoricamente responsável pelo repentino coma do menino.

Conversaram por vários minutos. Hollande não quis se responsabilizar por nada, disse que seguira o procedimento padrão e que não tinha culpa pela a delicadeza do estranho. Giallo já não tão calmo como de costume; estava apreensivo, deveria entregar o garoto em boas condições ao Senhor Green, o contrato já estava assinado e aquele imprevisto poderia lhe gerar problemas; ameaçou o doutor. Disse que se nas próximas horas não houvessem melhoras processaria o médico, o hospital e toda a equipe. Hollande não deu importância as ameaças; Ravi era humano e nenhum legislação dos cogumelos previa punição para negligência hospitalar contra membros de outra espécie. Afirmou ter feito o possível, ainda sugeriu que eles, os irmãos, eram os verdadeiros culpados pelo estado do menino, já que foram eles os responsáveis por trazê-lo à cidade.

Bleu, já longe da companhia de Hollande, sugeriu à Giallo a retirada do garoto da atmosfera vicejante dos cogumelos; talvez o ar das estepes fossem suficientes para recuperá-lo.

"Mas Bleu, você acha que o menino não consegue sobreviver neste ambiente? Como então ele poderá ajudar o Senhor Green?"

"Temo que esta ideia não poderá ser colocada em prática. Ravi não é um cogumelo, não está acostumado com nossa atmosfera."

"Mas deve existir um modo. Já combinei tudo com Senhor Green; ele ficaria chateado se eu não cumprisse com minha palavra."

Giallo não contou aos irmãos sobre o contrato, tampouco sobre as dívidas. Não costuma mentir para eles, mas a vergonha de se ver em situação tão embaraçosa forçava-lhe à desonra.

"Talvez tenha uma maneira. Primeiro temos que recuperar a saúde de Ravi. Depois, se ele concordar, podemos pleitear ao governo a fabricação de uma máscara especial para que o garoto possa conviver conosco, na cidade, junto ao Senhor Green."

"Como assim, pleitear ao governo? Não podemos conseguir a máscara de outra maneira?"

"Esta máscara já foi usada em outros tempos. Ela funciona, porém há apenas uma disponível. Fica guardada na universidade e poucos têm acesso a ela; o problema é que certamente o governo não nos atenderá. Teríamos que comprovar que a presença de Ravi é indispensável para o bem da cidade. Isso não dá pra provar; aliás, isso não é verdadeiro."

"Meu irmão, você é um gênio. Se preocupe em achar um modo de restaurar a saúde do nosso menino, que eu me encarrego de provar ao governo que ele é imprescindível para a comunidade de cogumelos." - Giallo falou a frase recuperando o bom humor, depois perguntou: - "Onde está Colère?"

"Foi ao departamento de polícia informar sobre o ocorrido."

Giallo fez uma expressão de descontentamento, mas logo rearranjou os pensamentos e vislumbrou uma possível vantagem com o envolvimento da polícia no caso.

"Ótimo, vou agora mesmo ao ministério. Quero resolver tudo o quanto antes."

"Vai precisar de um advogado para peticionar. E talvez a resposta da câmara de assuntos estratégicos demore dias. O jeito mais fácil é recorrer diretamente à cúpula do governo."

"Como eu faço isso?"

"Encontre um advogado, vá até o palácio real e tente conversar com os três ministros da corte. Eles irão decidir sobre o assunto; e, se julgarem relevante a matéria, marcarão uma audiência pública na manhã seguinte. No entanto, se fizeres isso despertará a curiosidade de todos. Nunca ouvi falar de nada semelhante nos anais jurídicos dos cogumelos. A impressa, a universidade e até a igreja, com todos os seus principais sacerdotes, tetarão influenciar no caso. Será uma aventura, e certamente a privacidade do menino cairá por terra."

"É o risco que correremos. Acho que dou conta das arguições públicas sozinho. Vou precisar de você, que conhece nossas leis, e de um advogado qualquer para assinar nossa petição. Conheço um que talvez faça o que quero sem cobrar qualquer quantia. Vou até ele agora; enquanto isso quero que escreva nossa peça jurídica. Fale para Colère tirar Ravi da cidade. Se o hospital não permitir instrua nosso irmão para forçar sua saída. Colère é bom para estes assuntos. Eu e você ficaremos aqui. Juntos venceremos esta batalha jurídica."

Giallo saiu do hospital e novamente se encaminhou para o prédio do Senhor Green. Dessa vez, bateu na porta vizinha. Já tinha tudo arranjado mentalmente para convencer Amertume em auxiliá-lo na campanha judicial. O vizinho roxo tinha formação jurídica, era advogado, muito embora nunca tenha exercido a profissão.

Tocou a campainha e se anunciou. Amertume atendeu a porta com um imenso esgar. Sua carranca assustaria a mais valente criatura, mas Giallo amava a temeridade, confiava tanto em suas articulações que a coragem ou a covardia não eram adjetivos existentes no seu vocabulário. Em sorrisos, foi direto ao assunto:

"Meu amigo Amertume, que honra reencontrá-lo. Preciso de sua assistência. Na verdade queria muito auxiliá-lo. Veja bem. A quanto tempo não advoga? Muitos anos, não? Então, vim lhe oferecer uma grande chance. Hoje planejo ir ao palácio real ingressar com uma portentosa petição; uma das maiores da história. Vou lhe explicar. Um caloroso afeto de outra espécie veio comigo à cidade. Não sabíamos da fragilidade do seu corpo. Ele, nosso adorável amigo Ravi, não suportou nossa atmosfera e acabou em coma. Coitadinho. Agora ele padece no hospital e a única coisa que poderá salvá-lo é uma máscara altamente tecnológica desenvolvida pelos maiores pesquisadores da universidade. Porém, nosso governo não é muito sensível com estrangeiros. Para fornecer a máscara teremos que provar no tribunal superior que ele, nosso adorável Ravi, faz jus ao grande obséquio. Eu e meu irmão Bleu queremos que vossa magnificência nos ajude nesta batalha. Se vencermos, e acho que venceremos, o seu nome ficará em destaque em todos os jornais; talvez consiga um bom emprego nestes escritórios famosos. Ganhará muito prestígio e dinheiro com esta projeção. Então, o que acha?"

"Muito provavelmente quer que eu trabalhe de graça, não é" - O roxo falou com voz desprezível.

"De forma alguma. Estou lhe oferecendo algo muito mais valioso do que qualquer pagamento. Estou lhe oferecendo prestígio. Aliás, agora a pouco estive com o Senhor Green. Falei sobre a situação. Ele me disse que você não era capaz de assumir o caso." - veio para perto do advogado, e continuou sussurrante. - "Não me entenda mal, mas parece que o seu vizinho não acredita na sua competência."

"Ha... Diga para este escroque ao lado que minha estirpe não se ofende com vulgaridades. Vou ajudá-lo, mesmo porque você precisará de alguém superior e de talento."

"Claro, preciso de vossa magnificência. Quando estiver ao seu lado, todos me respeitarão. Obrigado meu caro Amertume. Vou voltar para o hospital e dentro de duas horas te espero na porta do palácio."

Saiu as pressas, contende por ter encontrado tamanha facilidade com o homenzinho roxo.

FG

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