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Mostrando postagens de 2015

Listas dos Melhores e Piores

Fiquei com uma incrível ânsia de postar listas de melhores e piores. Farei isso sem hesitar, confiarei inteiramente na memória e no meu estado de espírito de momento. No entanto, vale algumas explicações. I- Em relação aos melhores filmes, depois de algum tempo desintoxicado da cinefilia, escolhi os primeiros que vieram à consciência, excluindo aqueles que outrora consideraria intocáveis, vide 2001, Persona, Blow-up, entre outros. II- Para entrar na lista de piores, o filme não poderia ser incontestavelmente ruim; entraram apenas obras premiadas ou com algum status do universo cult. III- Entre escritores preferidos, coloquei apenas aqueles que já li mais de uma obra; queria incluir Samuel Beckett, porque "Malone Morre" vale por uma biblioteca inteira, mas, como não li outra coisa do autor, tive que excluir. IV- Na mesma linha da lista de filmes, escolhi apenas escritores de renome para figurar entre aqueles que me causam repulsa; a diferença é que alguns

A Flauta

Certa manhã mamãe me presenteou com uma flauta de madeira, disse-me para viajar pelo mundo para aprender a arte do instrumento, recomendando que sempre tocasse músicas alegres, puras, luminosas e inocentes; pois dessa forma todos os lugares, vidas e pessoas retribuiriam minha felicidade com vastos sorrisos e os melhores augúrios. Fiz o que mamãe pediu, e ao me despedir dela prometi que minhas canções flertariam apenas com o júbilo da beleza etérea e do amor digno e magnânimo. Quando sai em busca do mundo, de início deparei-me com o conhecido; os bosques, as montanhas, animais, flores e árvores, todos iluminados pela claridade mais viva, eram vetustos amigos que sempre me aconselhavam a manter o espírito depurado e munificente. Ao lado deles tinha os melhores pensamentos, e foi em regojizo, sob o pé de uma imensa jabuticabeira frondosa, que me permiti, após longa caminhada, meu primeiro descanso. Confortavelmente refestelada na sombra calma e tranquila e logo depois de saborear

Diários de Dois Amantes (part. IV)

Carolina (30, abril, 2015) - manhã - quinta Sinto-me sem inspiração para escrever, talvez fosse melhor gravar uma música no sax para, no futuro, recordar tudo o que tenho sentido. Meu desejo pela morena passou, pois ontem fiz sexo com Tomás e só fiquei pensando nele. Nos seus ombros, na sua pele, boca, pés e sorriso. Senti ele dentro de mim como nunca tinha sentido antes. Foi bom, estava apaixonada, meu corpo inteiro estava apaixonado.  Carolina (30, abril, 2015) - tarde - quinta Almocei com meu pai e fiz de tudo para provocá-lo. Nos encontramos em um restaurante perto da minha casa e minha falta de inspiração pela manhã converteu-se em raiva quando o vi sorrindo de forma que me pareceu tão falsa. Me cumprimentou com aquele tom de voz insuportavelmente manso ou, como Tomás costuma comentar, plácido, e antes que sentássemos à mesa foi logo perguntando como eu estava. Suas frases eram exageradamente impessoais, como se estivesse executando uma formalidade ou obrigação d

Diários de Dois Amantes (part. III)

Tomás (26, abril, 2015) - manhã - domingo Acordei com um ligeiro mal-estar. Ontem exagerei um pouco na bebida, talvez por isso esteja sentindo tamanho desânimo. Ao meu lado, Carol dorme; o que estaria sonhando? Se pudesse invadiria seus sonhos e me manteria apenas como espectador, um voyer que analisa os segredos alheios, pois tenho medo de viver entre mentiras, de não saber os rumos certos do meu relacionamento. Dessa forma, inerte, com a respiração tranquila e o semblante sereno, Carol não parece enxovalhar-me. Em verdade, não vejo Carol, vejo um rosto, um rosto simétrico, um rosto delicado, alvo, um rosto perfeito; ao lado desse rosto consigo exultar meu espírito, ao lado desse rosto tranquilo, sereno, inerte, simétrico, delicado, belo não tenho medo de amar. Mas quando suas pálpebras despertam sou exortado ao medo; meu amor tão nobre e colorido fica lôbrego. Tenho medo, muito medo.  Tomás (27, abril, 2015) - tarde - segunda Ontem, após o futebol, briguei com Ca

Diários de Dois Amantes (part. II)

Carolina (26, abril, 2015) - noite - domingo Sinto dentro de mim que algo não está no seu lugar. Briguei com Tomás a poucos minutos, ele saiu louco pelas ruas. Queria ficar sozinha, na verdade queria ficar longe de Tomás, um mês ao menos. Não suporto mais seus ciúmes e cobranças, talvez não suporte mais nosso relacionamento. Eu o amo, tenho certeza disso, mas algo mudou, não sinto, como antigamente, aquela ânsia de estar ao seu lado, nem aquele desejo maluco de abraçar, beijar, transar. Talvez não esteja mais apaixonada. Ontem aconteceram coisas surreais, estive próxima de cometer uma loucura. Me censurei, ou seriam as ideias de Tomás que me censuraram? Já estou farta dessas regras, desse comportamento mesquinho, conservador. Não posso abdicar do novo, limitar minha existência a estas coisinhas pequenas. Também não posso abandonar Tomás. Eu o amo, o amo muito. No entanto, por que não posso amar mais, amar o novo? Meu Deus, estou sem saída. Carolina (28, abril, 2015)

Diários de Dois Amantes (part. I)

Carolina (24, abril, 2015) - noite - sexta Tive um sonho, um sonho inexplicável. Cavalgava com um sujeito estranho, anos mais velho, já com os cabelos grisalhos. Ele me conduzia por montanhas de coloração azulada e emitia gemidos enquanto chicoteava o cavalo. O cavalo tinha asas, era branco e enorme. Seu tamanho, três vezes maior que o natural, dava uma sensação de desproporcionalidade e loucura. Me sentia uma criança no dorso daquele animal, no entanto minhas atitudes não eram nada inocentes. Enquanto o homem conduzia nosso passeio segurando as rédeas e o chicote, eu, encostada nele, lambia seus ouvidos e apertava, com ambas as mão, seu pênis. Apesar de não gostar do que estava fazendo, não conseguia parar meu ato obsceno, e, quanto mais apertava aquele pau ereto, mais rápido cavalgávamos. Tenho sonhado coisas perversas, putarias escabrosas, não sei o significado desses sonhos, porém não me importo com isso. Já tem um tempo que não sonho com Tomás. Passo tanto tempo com ele q

Livros Digitais

Nunca pensei que seria adepto aos e-books, tampouco imaginava que abandonaria os livros de papel para me dedicar à leitura em dispositivos digitais; no entanto semanas atrás adquiri o e-reader da saraiva (Lev) e me apaixonei por este novo meio de leitura. Encontrei, gratuitamente, uma série de livros digitais e, com isso, minha antiga ânsia de leitura foi renovada. Em pouquíssimo tempo já li oito obras e caminho, a passos largos, para finalizar a nona. Aproveitarei este espaço para tecer breves comentários sobre minhas leituras e organizar as vindouras. Não abandonei o papel, mas, ao menos por enquanto, não pretendo voltar tão cedo ao tradicional; meu deleite literário galopa em sintonia à modernidade. 01. A Invenção de Morel (Adolfo Bioy Casares) NOTA: 9,0 Sempre quis ler esta obra do argentino Adolfo Bioy Casares, mas, ora por motivos financeiros ora por desânimo em vasculhar em sebos e biblioteca algum exemplar da novela, adiei a leitura. Quando adquiri o Lev e

CIÚME (part. I)

Sou um sujeito ciumento. Tenho ciúmes de homens, mulheres, jovens, maduros, experientes, idosos; tenho ciúmes de olhares, sussurros, gestos, sorrisos; tenho ciúmes da palavra, linguagem, da poesia; tenho ciúmes do vento, da brisa, do ar abafado, do ambiente claro, escuro, sombrio; tenho ciúmes do belo, da fealdade, do desprezo, escárnio, elogio; tenho ciúmes do eterno, mutável, do instante, do temperamento constante, do tumulto, do torvelinho; tenho ciúmes de pensamentos, desenhos, músicas, baralhos, de amigos; tenho ciúmes do cheiro, do sexo, pelos, cabelos, ombros e ouvidos; tenho ciúmes de batimentos cardíacos, da digestão, respiração, do esôfago, estômago, intestinos; tenho ciúmes do cotidiano, das tarefas, do trabalho e do esforço empreendido; tenho ciúmes da felicidade, da concentração, do sofrimento e do fastio; tenho ciúmes do tic tac do relógio, do nascer do sol, do cantarolar dos passarinhos; tenho ciúmes do barulho do celular, das sobrancelhas que se levantam, da posi

O Quadro Roubado

Para alguém que se comprometera a parar de fumar e levar uma vida saudável, Tomás não passava de um cretino; já estava no oitavo cigarro e na terceira xícara de café. Escrevia por vezes alucinadamente, mas na maior parte do tempo organizava suas frases em longos intervalos. Tinha sete livros de Paolo Grossi a traduzir, nenhum que merecesse importância, malgrado nutrisse vetusta admiração pelo autor. O amontoado de baboseiras políticas e sociológicas, metodologicamente esquematizadas pelo simpático florentino, incutia-lhe ojeriza. Já não aguentava aportuguesar a expressão “illusione della proprietà”, tampouco se sentia confortável quando seus olhos compreendiam, para além do óbvio, o conteúdo daquelas palavras. Tudo na escrivaninha, adereços, objetos, fotografias antigas, seus livros e cinzeiro eram seus, e qualquer desejo que comprovasse o contrário mereceria desprezo. Em sua volta a propriedade constituir-se-ia plena, absoluta; não fosse um singelo desenho furtado algumas sem