Certa manhã mamãe me presenteou com uma flauta de madeira, disse-me para viajar pelo mundo para aprender a arte do instrumento, recomendando que sempre tocasse músicas alegres, puras, luminosas e inocentes; pois dessa forma todos os lugares, vidas e pessoas retribuiriam minha felicidade com vastos sorrisos e os melhores augúrios. Fiz o que mamãe pediu, e ao me despedir dela prometi que minhas canções flertariam apenas com o júbilo da beleza etérea e do amor digno e magnânimo.
Quando sai em busca do mundo, de início deparei-me com o conhecido; os bosques, as montanhas, animais, flores e árvores, todos iluminados pela claridade mais viva, eram vetustos amigos que sempre me aconselhavam a manter o espírito depurado e munificente. Ao lado deles tinha os melhores pensamentos, e foi em regojizo, sob o pé de uma imensa jabuticabeira frondosa, que me permiti, após longa caminhada, meu primeiro descanso. Confortavelmente refestelada na sombra calma e tranquila e logo depois de saborear as deliciosas frutinhas pretas, tentei soprar, com todo o meu fôlego, minha nobre flauta; queria aprender as canções alegres que prometera a mamãe. Meu esforço incontido, meu anseio de perseverança e meu semblante risonho e obstinado chamaram a atenção de um pássaro multicolorido.
- O que tentas fazer, adorável criatura? - perguntou-me o pássaro
- Quero aprender a tocar as canções mais belas sobre a natureza, sobre os cálidos raios de sol, a brisa fresca do vento, o farfalhar das folhas, sobre o contato úmido, agradável e suave da terra com o meu corpo; também quero aprender a tocar o afeto, as amizades e os laços puros e inocentes que permeiam todo o universo conhecido e que devem permear tudo aquilo que desconheço - respondi ao pássaro.
- Se queres aprender tudo isso, posso te ajudar; todas estas canções eu conheço, e a julgar pelo seu rosto delicado, honroso e feliz, tenho certeza que conseguirei ensiná-la - disse o pássaro convicto de suas palavras.
- Ficarei muito agradecida, se me ajudares a transformar meu espírito em música; prometi a mamãe que viajaria pelo mundo para aprender tudo o que é belo, puro e inocente.
Depois de alguns meses vivendo com o pássaro, ele me ensinou o que sabia. Ao lado dele julgava ter conhecido toda a beleza dessa nobre arte afeita a agradar os ouvidos. Com todo aquele conhecimento apreendido resolvi partir. Informei ao pássaro que continuaria a viajar pelo mundo para executar a inefável felicidade que aquelas canções propagavam. No entanto, asseverei que voltaria para tocarmos juntos oblações à nossa amizade.
Ainda sob o calor do sol, e de volta a minha caminhada, parei ao lado de um azulado lago para me refrescar e saciar minha sede. Feito isso comecei a tocar a flauta. Quando tocava percebi a aproximação de um boto avermelhado, ele escutava a minha música e parecia alegra-se.
- Suas canções são tão belas; ao escutá-las meu corpo parece ser conduzido à felicidade. Dancei, rodopiei e fiz as mais genuínas coreografias no fundo da água ouvindo sua música - balbuciou o boto depois de submergir chistoso.
- Aprendi para homenagear a natureza e toda a realidade verdadeira a minha volta - respondi esboçando um imenso sorriso.
- Você também toca sobre o amor? Conhece a pureza e a inocência do sentimento romântico?
- Conheço todas as coisas belas, e dentre elas o amor é o que mais me exorta à felicidade; no entanto, apesar de saber muito sobre os afetos e as amizades, ainda não experimentei qualquer matiz que insinuasse um romance verdadeiro. Estou viajando pelo mundo e seria honroso vivenciar esse nobre sentimento - respondi.
Ele, o boto, ao ouvir minhas palavras, me olhou com tanto respeito, dignidade e carinho, que eu não pude deixar de observar sua pele pujante e cheia de brilho. A cada instante, após minha revelação, ela adquiria contornos ainda mais rubros; o vermelho daquele rosto parecia se incendiar, e toda aquela transformação era quase um sinal metafísico de um iminente encontro amoroso.
- Tu, entre todas as criaturas que se aproximaram do meu lago, és a mais bela e inefável; seu rosto, boca, olhos e ouvidos nasceram para transmitir beleza; sua música é apenas o reflexo disso. Antes de vê-la e escutá-la, me julgava um grande amante; agora, contudo, apercebo-me o maior de todos os apaixonados. Quero ficar estático, apreciar todos os centímetros de pureza e anunciação que esta ascese amorosa por hora me transmite. Quero renunciar todos os prazeres do mundo para preparar meu organismo para uma nova consubstanciação; e, se me permitires, quando estiver pronto, quero fazer desse amor que nutro por ti meu único e verdadeiro prazer, meu único e verdadeiro anseio, meu único e verdadeiro objetivo. Quero ensiná-la a nadar, a chegar ao fundo do lago, a descansar sobre as águas, a desfrutar os prazeres do amor romântico. Quero que se apaixone por mim e viva, neste novo ambiente, ao meu lado. E quando o amor brotar do seu âmago, quero que toque, toque inadvertidamente bela, inadvertidamente apaixonada - gritou o boto em chamas úmidas de contato d'água.
Sem dizer nada e extremamente envolvida pelo discurso daquele animal apaixonado, coloquei meus pés na superfície do lago. A água era fria e meu corpo ainda não estava acostumado ao novo. Mesmo assim criei coragem, deixei a flauta sobre um imenso rochedo, e me joguei, de braços abertos, sobre o boto. O início foi doloroso, estranho; senti muito temor de morrer afogada ou de ser iludida pelas falsas promessas de meu primeiro amante; mas, logo tudo ficou lindo, aprendi a nadar, a mergulhar bem fundo, a colher flores na superfície; também aprendi várias piruetas e coreografias aquáticas; aprendi sobre o amor, a paixão, o romance, e, em pouco tempo, tudo aquilo virou mote principal das minhas canções. Tocava todas as tardes em homenagem ao meu sentimento, em homenagem ao meu boto.
Mais de um ano se passou e eu já tinha amado tudo. O boto me ensinou muito sobre a beleza do amor e sobre a felicidade depurada de um grande romance. Certo dia, no entanto, resolvi partir; disse ao boto que continuaria minha viajem pelo mundo para tocar não só sobre a natureza, as amizades e afetos, mas principalmente sobre o amor, o nosso amor. Também disse que em breve voltaria, para vivermos mais dias felizes como aqueles de outrora.
Quando parti, o sol já não brilhava como antes; o ambiente parecia seco, quase desértico. Encontrei novas paisagens, lugares lôbregos e frios. Me escondi dos perigos, queria salvaguardar a delicadeza de todas as minhas experiências passadas. Encontrei, pelo caminho, ratos, porco-espinhos, cobras e muitas aranhas; tive medo, entrei várias vezes em pânico; mas, sempre que podia, tocava as canções que carregava dentro de mim.
Durante muitos dias fui obrigada a andar sobre a escuridão absoluta, não sabia mais o caminho de volta e me sentia completamente perdida. Nesta desventura nefanda encontrei uma criatura que me ofereceu esteio. Era um corvo, um corvo negro com o olhar sanguíneo. Ele estava na soleira de um barco vazio e parecia me esperar. Quando me aproximei ele perguntou se gostaria de seguir viagem em sua embarcação; assenti, apesar do medo e da dor pressentida.
Viajamos silentes horas a fio; percorremos pântanos imundos, cidades devastadas em praga, lugarejos sombrios. Todo aquele tempo não tive vontade de tocar, seria contraditório esmiuçar a felicidade em locais tão devastados pela miséria e desespero. Apesar disso, o corvo, ao perceber meu instrumento, pediu canções. Toquei, toquei tudo que sabia, e, não obstante a beleza das experiências vividas, não consegui traduzir em arte meu espírito, nem convencer o corvo da apurada habilidade dos meus exercícios musicais. Depois do fracasso, a criatura negra que conduzia o barco olhou pra mim e me pediu a flauta emprestada. Ele tocou, e suas canções eram álgidas, ignóbeis, torpes e tristes; não eram alegres e nem insinuavam felicidade; elas tinham peso, raiva, solidão e, apesar disso, eram belas, verdadeiras, artísticas, indescritivelmente artísticas. Após entrar em contato com aquela arte ladina, melancólica e viva; percebi que nada sabia sobre o mundo, que nada sabia sobre a vida.
Nossa viagem de barco foi longa; neste tempo, o corvo me ensinou sobre os pecados da carne, sobre a perfídia dos pensamentos verdadeiros, sobre as dores, as tristezas; também me ensinou várias canções de morte. Era ela a genuína responsável pela arte, era ela que dava sabor a vida, era ela que materializava toda a realidade. Com o corvo aprendi que a vida e a morte não se diferenciavam, faziam parte da mesma substância inexpugnável e ao mesmo tempo singela.
O corvo, apesar de ser um grande artista, transmitia a cada palavra, música ou movimento a mais absoluta empáfia; ele era orgulhoso, vaidoso, ímpio e individualista. Acreditava no amor, mas pra ele este sentimento só fazia sentido quando morto; aliás, sempre dizia que tudo precisava do elemento morte para ser composto; ela, a morte, era a única responsável pela produção artística. Aos poucos, como uma sequaz, fui me convencendo da sabedoria do mestre. Compus, ao lado dele, grandes elegias ao amor, à natureza, às amizades e afetos; minhas antigas odes foram esquecidas, e minha arte, muito mais bela, original e madura, parecia completa.
Certa noite o corvo sumiu, me deixando sozinha. Fiquei por alguns minutos desesperada, quase louca; como continuaria minha viagem sem a presença, conselhos e ensinamentos do meu mestre? Como viveria sozinha? Naquele momento meu corpo e espírito eram apenas medo. Queria voltar aos bosques e abraçar mamãe; queria voltar a ouvir a voz amigável e suave do pássaro multicolorido; queria reencontrar o aconchego do meu amado boto; no entanto sabia que tudo isso era passado, que tudo isso já estava sepultado e morto. Meu caminho era seguir em frente, dar vazão a todo o som e a toda a fúria daquela intumescência interna que dilacerava meus sentidos; compor sobre o ódio das bacantes, sobre a tristeza dos desalmados, sobre a insignificância da vida. Pensei em me matar, me lançar ao rio turvo que conduzia o meu barco à deriva; mas já estava morta, tudo já estava morto e o suicídio seria apenas uma atitude ridícula. Sem saber como proceder, percebi que a música era o todo.
Sozinha no barco, tive tempo de aperfeiçoar minhas composições; me transformei na maior de todas as artistas. Fiz sinfonias aos prazeres terrenos, aos miasmas do egoísmo humano, ao caráter torpe que nos conduz às grandes decepções; escrevi funerais para homenagear a morte, éclogas para sepultar pastores e madrigais jactantes e promíscuos.
Afeita de toda a morte e toda a vida, decidi deixar o barco. Foi com esperada surpresa que notei nas minhas costas um par de enormes asas negras. Utilizando-me da minha nova vantagem anatômica, voei sobre as águas soturnas do rio. Durante o voo, compreendi, depois de longo período de sofisticação individualista, que o corvo era eu.
FG
Ainda sob o calor do sol, e de volta a minha caminhada, parei ao lado de um azulado lago para me refrescar e saciar minha sede. Feito isso comecei a tocar a flauta. Quando tocava percebi a aproximação de um boto avermelhado, ele escutava a minha música e parecia alegra-se.
- Suas canções são tão belas; ao escutá-las meu corpo parece ser conduzido à felicidade. Dancei, rodopiei e fiz as mais genuínas coreografias no fundo da água ouvindo sua música - balbuciou o boto depois de submergir chistoso.
- Aprendi para homenagear a natureza e toda a realidade verdadeira a minha volta - respondi esboçando um imenso sorriso.
- Você também toca sobre o amor? Conhece a pureza e a inocência do sentimento romântico?
- Conheço todas as coisas belas, e dentre elas o amor é o que mais me exorta à felicidade; no entanto, apesar de saber muito sobre os afetos e as amizades, ainda não experimentei qualquer matiz que insinuasse um romance verdadeiro. Estou viajando pelo mundo e seria honroso vivenciar esse nobre sentimento - respondi.
Ele, o boto, ao ouvir minhas palavras, me olhou com tanto respeito, dignidade e carinho, que eu não pude deixar de observar sua pele pujante e cheia de brilho. A cada instante, após minha revelação, ela adquiria contornos ainda mais rubros; o vermelho daquele rosto parecia se incendiar, e toda aquela transformação era quase um sinal metafísico de um iminente encontro amoroso.
- Tu, entre todas as criaturas que se aproximaram do meu lago, és a mais bela e inefável; seu rosto, boca, olhos e ouvidos nasceram para transmitir beleza; sua música é apenas o reflexo disso. Antes de vê-la e escutá-la, me julgava um grande amante; agora, contudo, apercebo-me o maior de todos os apaixonados. Quero ficar estático, apreciar todos os centímetros de pureza e anunciação que esta ascese amorosa por hora me transmite. Quero renunciar todos os prazeres do mundo para preparar meu organismo para uma nova consubstanciação; e, se me permitires, quando estiver pronto, quero fazer desse amor que nutro por ti meu único e verdadeiro prazer, meu único e verdadeiro anseio, meu único e verdadeiro objetivo. Quero ensiná-la a nadar, a chegar ao fundo do lago, a descansar sobre as águas, a desfrutar os prazeres do amor romântico. Quero que se apaixone por mim e viva, neste novo ambiente, ao meu lado. E quando o amor brotar do seu âmago, quero que toque, toque inadvertidamente bela, inadvertidamente apaixonada - gritou o boto em chamas úmidas de contato d'água.
Sem dizer nada e extremamente envolvida pelo discurso daquele animal apaixonado, coloquei meus pés na superfície do lago. A água era fria e meu corpo ainda não estava acostumado ao novo. Mesmo assim criei coragem, deixei a flauta sobre um imenso rochedo, e me joguei, de braços abertos, sobre o boto. O início foi doloroso, estranho; senti muito temor de morrer afogada ou de ser iludida pelas falsas promessas de meu primeiro amante; mas, logo tudo ficou lindo, aprendi a nadar, a mergulhar bem fundo, a colher flores na superfície; também aprendi várias piruetas e coreografias aquáticas; aprendi sobre o amor, a paixão, o romance, e, em pouco tempo, tudo aquilo virou mote principal das minhas canções. Tocava todas as tardes em homenagem ao meu sentimento, em homenagem ao meu boto.
Mais de um ano se passou e eu já tinha amado tudo. O boto me ensinou muito sobre a beleza do amor e sobre a felicidade depurada de um grande romance. Certo dia, no entanto, resolvi partir; disse ao boto que continuaria minha viajem pelo mundo para tocar não só sobre a natureza, as amizades e afetos, mas principalmente sobre o amor, o nosso amor. Também disse que em breve voltaria, para vivermos mais dias felizes como aqueles de outrora.
Quando parti, o sol já não brilhava como antes; o ambiente parecia seco, quase desértico. Encontrei novas paisagens, lugares lôbregos e frios. Me escondi dos perigos, queria salvaguardar a delicadeza de todas as minhas experiências passadas. Encontrei, pelo caminho, ratos, porco-espinhos, cobras e muitas aranhas; tive medo, entrei várias vezes em pânico; mas, sempre que podia, tocava as canções que carregava dentro de mim.
Durante muitos dias fui obrigada a andar sobre a escuridão absoluta, não sabia mais o caminho de volta e me sentia completamente perdida. Nesta desventura nefanda encontrei uma criatura que me ofereceu esteio. Era um corvo, um corvo negro com o olhar sanguíneo. Ele estava na soleira de um barco vazio e parecia me esperar. Quando me aproximei ele perguntou se gostaria de seguir viagem em sua embarcação; assenti, apesar do medo e da dor pressentida.
Viajamos silentes horas a fio; percorremos pântanos imundos, cidades devastadas em praga, lugarejos sombrios. Todo aquele tempo não tive vontade de tocar, seria contraditório esmiuçar a felicidade em locais tão devastados pela miséria e desespero. Apesar disso, o corvo, ao perceber meu instrumento, pediu canções. Toquei, toquei tudo que sabia, e, não obstante a beleza das experiências vividas, não consegui traduzir em arte meu espírito, nem convencer o corvo da apurada habilidade dos meus exercícios musicais. Depois do fracasso, a criatura negra que conduzia o barco olhou pra mim e me pediu a flauta emprestada. Ele tocou, e suas canções eram álgidas, ignóbeis, torpes e tristes; não eram alegres e nem insinuavam felicidade; elas tinham peso, raiva, solidão e, apesar disso, eram belas, verdadeiras, artísticas, indescritivelmente artísticas. Após entrar em contato com aquela arte ladina, melancólica e viva; percebi que nada sabia sobre o mundo, que nada sabia sobre a vida.
Nossa viagem de barco foi longa; neste tempo, o corvo me ensinou sobre os pecados da carne, sobre a perfídia dos pensamentos verdadeiros, sobre as dores, as tristezas; também me ensinou várias canções de morte. Era ela a genuína responsável pela arte, era ela que dava sabor a vida, era ela que materializava toda a realidade. Com o corvo aprendi que a vida e a morte não se diferenciavam, faziam parte da mesma substância inexpugnável e ao mesmo tempo singela.
O corvo, apesar de ser um grande artista, transmitia a cada palavra, música ou movimento a mais absoluta empáfia; ele era orgulhoso, vaidoso, ímpio e individualista. Acreditava no amor, mas pra ele este sentimento só fazia sentido quando morto; aliás, sempre dizia que tudo precisava do elemento morte para ser composto; ela, a morte, era a única responsável pela produção artística. Aos poucos, como uma sequaz, fui me convencendo da sabedoria do mestre. Compus, ao lado dele, grandes elegias ao amor, à natureza, às amizades e afetos; minhas antigas odes foram esquecidas, e minha arte, muito mais bela, original e madura, parecia completa.
Certa noite o corvo sumiu, me deixando sozinha. Fiquei por alguns minutos desesperada, quase louca; como continuaria minha viagem sem a presença, conselhos e ensinamentos do meu mestre? Como viveria sozinha? Naquele momento meu corpo e espírito eram apenas medo. Queria voltar aos bosques e abraçar mamãe; queria voltar a ouvir a voz amigável e suave do pássaro multicolorido; queria reencontrar o aconchego do meu amado boto; no entanto sabia que tudo isso era passado, que tudo isso já estava sepultado e morto. Meu caminho era seguir em frente, dar vazão a todo o som e a toda a fúria daquela intumescência interna que dilacerava meus sentidos; compor sobre o ódio das bacantes, sobre a tristeza dos desalmados, sobre a insignificância da vida. Pensei em me matar, me lançar ao rio turvo que conduzia o meu barco à deriva; mas já estava morta, tudo já estava morto e o suicídio seria apenas uma atitude ridícula. Sem saber como proceder, percebi que a música era o todo.
Sozinha no barco, tive tempo de aperfeiçoar minhas composições; me transformei na maior de todas as artistas. Fiz sinfonias aos prazeres terrenos, aos miasmas do egoísmo humano, ao caráter torpe que nos conduz às grandes decepções; escrevi funerais para homenagear a morte, éclogas para sepultar pastores e madrigais jactantes e promíscuos.
Afeita de toda a morte e toda a vida, decidi deixar o barco. Foi com esperada surpresa que notei nas minhas costas um par de enormes asas negras. Utilizando-me da minha nova vantagem anatômica, voei sobre as águas soturnas do rio. Durante o voo, compreendi, depois de longo período de sofisticação individualista, que o corvo era eu.
FG
bela história!! buscar, caminhar, descobrir... td o q nos impulsiona... viver o desconhecido... e aprender sempre... até conseguir apurar os sentidos e olhar além das aparências... Não se contentar... arriscar... coragem...
ResponderExcluirbela história!! buscar, caminhar, descobrir... td o q nos impulsiona... viver o desconhecido... e aprender sempre... até conseguir apurar os sentidos e olhar além das aparências... Não se contentar... arriscar... coragem...
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