Acordei com um ligeiro mal-estar. Ontem exagerei um pouco na bebida, talvez por isso esteja sentindo tamanho desânimo. Ao meu lado, Carol dorme; o que estaria sonhando? Se pudesse invadiria seus sonhos e me manteria apenas como espectador, um voyer que analisa os segredos alheios, pois tenho medo de viver entre mentiras, de não saber os rumos certos do meu relacionamento.
Dessa forma, inerte, com a respiração tranquila e o semblante sereno, Carol não parece enxovalhar-me. Em verdade, não vejo Carol, vejo um rosto, um rosto simétrico, um rosto delicado, alvo, um rosto perfeito; ao lado desse rosto consigo exultar meu espírito, ao lado desse rosto tranquilo, sereno, inerte, simétrico, delicado, belo não tenho medo de amar. Mas quando suas pálpebras despertam sou exortado ao medo; meu amor tão nobre e colorido fica lôbrego. Tenho medo, muito medo.
Dessa forma, inerte, com a respiração tranquila e o semblante sereno, Carol não parece enxovalhar-me. Em verdade, não vejo Carol, vejo um rosto, um rosto simétrico, um rosto delicado, alvo, um rosto perfeito; ao lado desse rosto consigo exultar meu espírito, ao lado desse rosto tranquilo, sereno, inerte, simétrico, delicado, belo não tenho medo de amar. Mas quando suas pálpebras despertam sou exortado ao medo; meu amor tão nobre e colorido fica lôbrego. Tenho medo, muito medo.
Tomás (27, abril, 2015) - tarde - segunda
Ontem, após o futebol, briguei com Carol. Achei um bilhete estranhíssimo na calça dela e exasperei-me em desconfianças. Ela tentou me agredir e não teve o menor pudor em desconsiderar o que eu estava sentido. Acha que meu ciúme é desproporcional, absurdo; acha que estou doente, que a reprimo e cerceio sua liberdade. Mas naquele bilhete alguém se insinuava pra ela. Hoje, pela manhã, confessou tudo; devia estar arrependida e provavelmente se sentia culpada pelas agressões e pelas acusações infundadas. Disse que no sábado uma mulher, sem motivos aparentes, lhe entregou aquele bilhetinho quando foi ao toalhete do "Circuito". Antes, só havia perguntado se ela tocava algum instrumento e nada mais. Não comentou de imediato para evitar discussões inúteis na frente de seus amigos. Iria me contar tudo quando estivéssemos sozinhos. Acabou esquecendo, afinal aquilo não fazia a menor importância. Talvez ela estivesse falando a verdade, mas, por jactância, não poderia demonstrar compreensão e sugar pra dentro de mim toda aquela atmosfera incômoda. Não obstante o clima tormentoso, fizemos as pazes.
Domingo, após a briga, encontrei Miguel num boteco perto da casa dele. Contei tudo o que tinha acontecido, falei da fúria de Carol, da sua agressividade e insanidade grotesca; tentei exprimir todos os detalhes, mas, até aquele momento, não sabia sobre a mulher do toalhete e nem sobre a procedência do bilhete. Ficamos especulando as possibilidades. Miguel, com sua meiga disposição a me incutir à chocarrice, sugeriu se tratar de um recado inocente do irmãozinho da Carol; apesar do seu semblante carregado e sorumbático, ele sempre tentava, na medida do possível, transformar o ambiente em algo plácido, tranquilo. Era meu melhor amigo e tinha um talento poético incomparável. Depois de quase um ano morando numa casa de campo, voltou pra cidade; estava terminando de escrever seu primeiro romance. Apesar de nunca ter me aproximado dos seus manuscritos, sei que seu livro é bom, muito bom.
Dormi na casa dele. Pela manhã peguei um livro emprestado, sem ao menos avisar sobre meu empréstimo. Um requintado volume do célebre romance de Thomas Mann, "Os Buddenbrooks". Miguel tinha uma vasta coleção de livros e Mann sempre foi seu escritor predileto. Lembro do dia que, alcoolizado, ficou lendo, em público, uma passagem de "Morte em Veneza", seus olhos verteram em lágrimas e até hoje nossos amigos o consideram um sentimentaloide chorão.
Tomás (27, abril, 2015) - noite - segunda
Carol dorme ao meu lado, como se nada de estranho estivesse acontecendo entre nós dois. Ainda tenho dúvidas sobre minha relação. Ela poderia estar me usando. Ela poderia?
Carolina (28, abril, 2015) - tarde - terça
Hoje depois do almoço cochilei um pouco. Neste intervalo tive tempo de sonhar com o homem grisalho. Dessa vez não estávamos cavalgando, mas dentro de um banheiro. Ele me olhava mantendo uma distância de dois metros. De repente se aproximou e lambeu meus ouvidos. Pude ver nossos reflexos no espelho. Estranhamente, eu não tinha o meu corpo, nem minha aparência. Minha imagem refletida tinha as formas magistrais da mulher morena.
FG
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