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Diários de Dois Amantes (part. I)

Carolina (24, abril, 2015) - noite - sexta

Tive um sonho, um sonho inexplicável. Cavalgava com um sujeito estranho, anos mais velho, já com os cabelos grisalhos. Ele me conduzia por montanhas de coloração azulada e emitia gemidos enquanto chicoteava o cavalo. O cavalo tinha asas, era branco e enorme. Seu tamanho, três vezes maior que o natural, dava uma sensação de desproporcionalidade e loucura. Me sentia uma criança no dorso daquele animal, no entanto minhas atitudes não eram nada inocentes. Enquanto o homem conduzia nosso passeio segurando as rédeas e o chicote, eu, encostada nele, lambia seus ouvidos e apertava, com ambas as mão, seu pênis. Apesar de não gostar do que estava fazendo, não conseguia parar meu ato obsceno, e, quanto mais apertava aquele pau ereto, mais rápido cavalgávamos.

Tenho sonhado coisas perversas, putarias escabrosas, não sei o significado desses sonhos, porém não me importo com isso. Já tem um tempo que não sonho com Tomás. Passo tanto tempo com ele que, quando durmo, preciso de certa liberdade. Aliás, seria bom ser mais livre, fazer umas loucuras de vez em quando. 

Hoje tive um ótimo dia. Acordei, depois daquele sonho, com os punhos fechados e ligeiramente suada. Tomás não estava mais na cama. Deve ter acordado bem cedo sem fazer barulho. Não sei por que ele não estuda aqui? Pra que passar o dia na biblioteca lendo e escrevendo sei lá o quê, se pode fazer tudo isso sem sair de casa? 

Pela manhã fiz meus exercícios musculares, fui ao Pilates, conversei algumas bobagens com Cristina, almocei na rua com minha mãe. A tarde fui a faculdade, assisti aulas bem chatinhas, e, quando voltei pra casa, Tomás estava me esperando com o jantar servido na mesa. Ele colocou velas e música clássica. Acho que era Bach, esqueci de perguntar. Estava super amoroso, com um sorriso lindo no rosto. A comida tava sem tempero e a carne dura, mas, não me importei, disse pra ele que estava ótimo, tudo perfeito e lindo. Agora ele está no banho, parece feliz...


Tomás (24, abril, 2015) - noite - sexta

Acho que tudo parece gritar a meu favor. Já faz duas semanas que rompi a letargia. Tenho passado os dias a escrever freneticamente e minha tese finalmente está ganhando corpo. Por hora meus problemas financeiros arrefeceram; aquele pestilento do Cabral voltou a pagar em dia o aluguel. 

Hoje, acordei mais cedo do que de costume. Antes de levantar da cama fiquei alguns minutinhos admirando as pálpebras cerradas da Carol. Seu semblante, apesar de lívido e supostamente intranquilo, aparentava deletéria beleza. Ela devia estar sonhando algo muito intenso, profundo. Acariciei seus cabelos e beijei sua tez, antes de deixar a alcova. 

Não tive tempo de almoçar, comi apenas um sanduíche. Passei todo o dia no Centro de Ciências Humanas e não conversei com ninguém. Tive, quando fui ao pátio fumar um cigarro, de me esconder do Rafael. Se ele me avistasse tentaria incutir-me suas estúpidas ideias comunistas ou então vilipendiaria meu tempo e paciência insultando minha inteligência literária. Rafael é daqueles que debocha de escritores modernos quando se sente frustrado ou incapaz de compreender recursos estilísticos básicos, trabalhar com a linguagem nunca foi o seu forte. Coisa de comunista.

No final da tarde, fui ao mercado; comprei mel, café, um vinho chileno, e filé mignon ( dessa vez, não poderia errar; por obrigação a carne ficaria macia e apetitosa). Quando Carol chegou, exultei; senti um estranho júbilo e fervorosa alegria. A comida ficou ótima (acho que estou aprendendo os absconsos caminhos da culinária); Carol adorou, ficou sorrindo durante todo o jantar, também me contou sobre suas aulas na faculdade e de seu encontro com sua mãe. Perguntei se havia sonhado na noite anterior, ela, beijando minha mão, disse que sonhou algo estranho, mas que não se lembrava direito. Tomamos banho e nos amamos antes de deitarmos exaustos e entrelaçados como se fôssemos um corpo só.


Carolina (25, abril, 2015) - manhã - sábado

Ontem, antes de dormir, tive uma estranhíssima transa com Tomás. Enquanto ele me chupava eu, de olhos fechados, imaginava o homem grisalho que invadiu meus sonhos dois dias atrás. Gozei nos braços dele, do homem grisalho, em cima daquele imenso cavalo branco. Quando abri os olhos, Tomás entrou dentro de mim, mas eu já não conseguia sentir nada. Ele foi rápido e pelo seu olhar teve muito prazer. Nós nos abraçamos e eu disse espontaneamente que o amava. Ficamos com as faces grudadas e adormecemos um sobre o outro. 

Acordei e estou esperando Tomás sair do banho, vamos, daqui a pouco, a feira juntos.

FG

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