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O Pêndulo e a Ninfa




A Chegada

Acordei, perdido em meus sonhos; o primeiro toque de meus olhos com o ar cegaram meus sentidos; apenas sua face, presa nos esconderijos sombrios de meus pensamentos, se fez presente, anunciando doces tempestades para um futuro lamurioso e pungente. Caminhei aturdido, sem direção, estava em um pântano cinzento, repleto de árvores tépidas que riam ao meu redor; ervas sugavam meu sangue, e aos poucos afundava sobre a lama fria. Meu corpo, completamente circundado de material terroso, em um momento, ao contemplar seu olhar, foi içado para longe da minha dimensão interior; fui recolhido aos lindos e floridos vales de um novo mundo, cheguei em terra estrangeira; neste lugar não havia espaço para meus perniciosos demônios, apenas uma parte de mim existia; estava finalmente leve, pronto para admirar outros horizontes. Sentia que o vento me chamava, cantarolava aos meus ouvidos canções campestres, sibilava um cálido ar de sonoridade aconchegante, dizia frases belas, poéticas, alegres em sua essência. Meu coração foi acometido de instantânea felicidade; tudo era maravilhoso: o céu rosado, o arco íris colorido, as borboletas multicores, a grama, as montanhas, os coelhinhos que brincavam aos pés das portentosas macieiras; o ar que eu respirava era puro, morno e agradável, o sol esquentava minha alma, e a brisa refrescava meus tormentos. Corri com o espírito renovado, cumprimentava os pássaros e os percevejos; gracejava ao papagaio, sorria para o cavalo alado, gritando, esperneando um alvoroço nobre, cheio daquela esperança vitalizada pelos matizes de novas expectativas e empreendimentos. Sem dúvida estava no paraíso; mas em qual paraíso?

Prescrutava este indescritível universo, pois queria descobrir tudo sobre ele. Fatigado com a implacável busca, resolvi me refrescar a beira de um esverdeado lago de águas mornas; relaxava profundamente, tinha o espírito completamente depurado, mas, ignorando os conselhos do vento, decidi mergulhar até o fundo misterioso e incruento do lago que aquiescia meus pensamentos; encontrei uma tênue passagem, arrisquei, minha curiosidade era tenaz, vaidosa e soberba. Me deparei com uma escura caverna, por um instante senti medo, tive vontade de voltar, no entanto continuei. Ouvi uma voz de menina, meus sentidos ficaram em pedaços, e após alguns metros, uma púrpura e repentina claridade iluminou o ambiente; avistei, em um canto lodoso, a mais bela das mulheres, era uma ninfa de preeminentes olhos esmeraldeados; naquele exato segundo me percebi apaixonado, não havia volta, estava entregue, capturado, subjugado, hipnotizado pelas formas exuberantes de seu olhar adocicado. Respirei fundo, tentando recobrar minha racionalidade; a ninfa, jogada ao chão, chorava; suas lágrimas eram verdes, fonte que alimentava aquele mesmo lago que em momentos atrás refrescava e apaziguava meu cansaço. Sem saber o que fazer, ofereci minha mão; por alguns milímetros de tempo percebi que seu semblante estava ligeiramente modificado, um cáustico sorriso enfeitava seus avermelhados lábios, na escala seguinte ela recobrou sua tez lacrimosa, não desconfiei do incidente, já era, sem saber, seu prisioneiro, mais um escravo de sua eterna beleza. Saímos da caverna, eu a carregava em meus braços; deixamos a lagoa, e caminhamos até uma simpática aldeia. Vários camponeses, ao perceberem a presença da ninfa, recolheram-se em suas casas; pedimos abrigo, mas ninguém quis nos receber; o dia caía, e a paisagem exuberante daquele universo misterioso ia aos poucos sedendo à lúgubre e sombria atmosfera, a temperatura parecia abaixar a cada minuto, e a felicidade de outrora era progressivamente substituída pelo medo. Começou a chover, uma tempestade raivosa. Trovões deletérios queimavam árvores e pastagens inteiras; eu e minha adorada ninfa estávamos sozinhos; não tínhamos como nos proteger; mas eis que algo absurdo acontecera: pousando seu frágeis dedos sobre minha boca, a ninfa, com uma habilidade dada apenas àqueles calejados pela prática, deslocou meu maxilar; forçando as duas extremidades unidas pela comissura de meus lábios, abriu meu corpo a níveis sobre humanos. Primeiro depositou seu braço no desmensurado espaço que distanciava meu queixo de meu nariz, depois colocou sua cabeça, o tronco e as pernas entraram em seguida; eu, a partir daquele momento, carregava, literalmente dentro de mim, a mulher que me enfeitiçara.


O Amor

Carregando a amada em minhas entranhas, caminhei trôpego pela paisagem enlameada e destruída. Após algumas horas e vários estragos, a tempestade deu uma trégua; estava exausto, sedento de fome; o peso de meu corpo me incomodava profundamente, no entanto, naquele momento, apesar de ansioso, meus desejos transbordavam de alegria; tinha dentro de mim a mais perfeita das mulheres. Passei a noite ao relento, imaginando meu futuro ao lado dela; estava disposto a abdicar da liberdade, renegaria meu universo, minha lassidão; meus projetos e anseios cognitivos; viveria apenas em sua função, daria não só o meu corpo, mas minha alma para que ela se refestelasse, e alcançasse todos os seus objetivos. Seria, orgulhosamente, a sua ponte; e se eu pudesse contemplá-la eternamente e sem descanso, conquistaria a felicidade absoluta.

Amanheceu, os bárbaros estragos da noite anterior pareciam ter se apagado, as belezas naturais daquele ambiente irresistível estavam intactas, as árvores queimadas pelos furiosos raios de Zeus ostentavam majestosas folhagens e frutos multicoloridos, os animais cantarolavam ingênuas canções, as montanhas estavam maiores e mais vistosas, o rio cintilava em um azul luminescente, o ar continuava adocicado, e as nuvens róseas pareciam sorrir sobre o céu altaneiro. A felicidade do dia anterior ressurgiu ainda mais forte, meu peito reverberava, nas paredes de meu âmago, os sentimentos mais delicados, ternos e obsequiosos. Naquele momento eu amava a vida, desejava eternizar aquelas sensações, discusar, sobre a alegria, a todos os povos, aplaudir o menor e menos importante ato da natureza. No entanto, estes instantes de enlevo amoroso passavam por ciclos periódicos de insegurança e ansiedade; meu organismo e minha sensibilidade passaram a funcionar como um pêndulo: felicidade, medo, angústia... felicidade, medo, angústia... felicidade, medo, angústia. Outrossim, existia uma força contrária que, paulatinamente, reduzia meu movimento pendular; eu não sabia que força era esta, e tampouco imaginava qual sensação iria perdurar e sobreviver à finitude do movimento; o amor reserva estes segredos, seu desfecho seguirá um dos estágios pendulares. Imaginava a felicidade, mas tinha medo da angústia. Por tudo isso, aquela manhã fora bela porém misteriosa; carregava a mulher da minha vida dentro de mim, mas, paradoxalmente, o meu Eu já não tinha importância. Zelava por minha amada, que era tudo; o resto, não era nada.

Quando a vida se anunciou em suas formas mais exuberantes, quando a amizade tingiu as sombras com uma singela e recrudescente claridade, quando deixei meu interior perverso e motejante, e quando o futuro ia se transformando em presente; optei pelo impossível, escolhi ela, apenas para efetuar vindouras operações; a primeira já estava completa; com o amor, minha felicidade havia sido multiplicada, mas - devemos lembrar - tudo em excesso flerta intensamente com os perigos; nesse caso não foi diferente, a ligeira angústia daquela manhã transformara-se, a tarde, em náusea.

Como dito, meu período matutino, mesmo temperado levemente pela ansiedade, havia sido idílico - estava no ápice do famoso movimento pendular; passei toda a primeira parte do dia a apreciar a atmosfera inebriante, gargalhando diante das travessuras dos filhotinhos de gambá e sorrindo frente aos esbugalhados olhos das corujas. Todavia, durante a tarde meu desconforto foi se galvanizando, meu estômago doía, e tinha medo, medo de ofendê-la. Decidi procurar algo para alimentá-la; os camponeses do dia anterior haviam sumido, e suas casas desaparecido; sem ter a quem recorrer, andei aleatoriamente a procura de algo que pudesse nos ajudar. Após algumas horas, encontrei uma mansarda aparentemente abandonada; ao abrir a porta do casebre fiquei estupefato, lá dentro erigia-se uma portentosa biblioteca, numerosos volumes enfeitavam gigantescas prateleiras, vários andares compunham o ambiente, labirintos de conhecimento pareciam ter sido caprichosamente construídos para intimidar possíveis leitores, e tudo era ornado em ouro e prata. Recobrando a consciência, entrei. Como não havia ninguém, e por estar curioso e aflito, comecei a folhear os exemplares; os primeiros livros, manipulados por mim, encabeçavam a seção de literatura antiga; deparei-me com Sófocles e sua tragédia Antígona, ao ler o terceiro ato um impulso repentino me fez engolir aquele preeminente livro, me senti aliviado, percebendo que minha fome diminuíra. Em seguida engoli vários volumes de Lord Byron, Dylan Thomas e Charles Baudelaire, estava, por hora, saciado. Me refocilei ao chão frio para descansar, cochilava, tinha controlado a náusea. Minutos depois, uma suave música me despertara, era um piano, um encantador piano; o som era conduzido pelos inumeráveis corredores; meus ouvidos passaram a me comandar, adquiriram pernas e me fizeram caminhar no ritmo das inefáveis ondas sonoras. Encontrei uma passagem estreita, tive que abaixar para ultrapassá-la; do outro lado, um velho pianista com uma imensa barba ruiva tocava seu instrumento; ele me depositou um olhar enigmático, sua face, circunspecta, contrastava com sua inexpugnável música, pois ao contrário dela, sua expressão não denotava qualquer sentimento. Após alguns segundos de observação, o velho, interrompendo sua canção, perguntou-me por que eu chorava tanto. Sua música havia me tocado profundamente, minhas lágrimas se avolumavam, turvavam meu singelo sorriso de felicidade duvidosa; ao ouvir a pergunta, comecei a soluçar, tartamudeei algumas sílabas desconexas sem, entretanto, me fazer entender. O pianista, então, sorriu; ele demonstrava conhecer meu sentimento amoroso; em seguida anunciou seu nome, chamava-se Dvorak, contou sua história, confessando ser um prisioneiro, um prisioneiro de uma mulher misteriosa. Ele me disse que a mais de um século habitava aquela mesma sala, inventava composições ao piano para oferendar à ninfa de seus sonhos; relatou seus infortúnios juvenis, sua transposição de universo, sua felicidade repentina, seu encontro com a amada, a fusão de seu corpos, e sua posterior alegria potencializada ao infinito; disse ainda sobre a insuportável náusea, apenas minimizada por suas composições ao piano, gargalhou ao me contar sobre os vários jovens que, assim como eu, chegavam aturdidos àquela sala, falou que muitos transformaram-se em camponeses, outros viraram guerreiros ou aristocratas da corte, e alguns poucos, à semelhança dele, tornaram-se artistas. Logo em seguida me perguntou se eu carregava a ninfa dentro de mim; assenti positivamente com a cabeça; ele se assustou, ensaiou um esgar, manteve, não obstante, o ar alegre sobre o rosto. Eis então que Dvorak relatou o mais insuportável e nefando: eu - como ele, e todos os camponeses, aristocratas e artistas - não existia, era apenas uma engrenagem de um novo mundo alheio a qualquer subjetividade; não sentia nada, apenas reproduzia sentimentos preexistentes. Após as revelações, me indignei, derramava lágrimas pelo umbigo; me aproximei colericamente do velho, tentei agredi-lo, mas me contive e gritei: “Eu a amo!”. Neste instante percebi que era a primeira vez que revelava, através das palavras, meus sinceros sentimentos por minha amada. Dvorak se enterneceu, balbuciou frases incompreensíveis, e voltou a tocar seu piano. De chofre, senti meu corpo pegar fogo, o medo queimava minhas entranhas, a angústia dilacerava meus sentidos, e a náusea misturava-se às lágrimas que jorravam de meu umbigo. Naquele momento o absurdo tornou-se pequeno; meu intestino saia pelos ouvidos, meus testículos explodiam em sangue e veneno, meu cheiro era podre, vazava urina pelas minhas narinas, arrotava fezes, e me contorcia; tive uma imensa ânsia de vômito, então aconteceu: expeli, pela minha boca dilacerada, a bela ninfa; ela, envolvida por uma película transparente, dormia, tinha uma expressão tranquila e distinta. Despertou, após alguns instantes; meu corpo, naquele momento já estava recomposto; Dvorak fingia que nada acontecia, tocava com emoção mas sem se emocionar. Ela dirigiu seus esverdeados olhos aos meus, esboçando um enigmático sorriso, mescla de desejo e ironia. Perscrutou meus pensamentos que estavam estampados em minha face; disse, enfim, o que eu já sabia: “Não se iluda.”. Chorei.


A Partida

Chorei tanto que perdi as forças e adormeci; na manhã seguinte acordei sobre uma imensa escrivaninha; estava na biblioteca. Muitos papeis pendiam sobre o móvel, em um deles encontrei a seguinte anotação:

Cargo: Aristocrata de terceiro nível
Função: Bibliotecário
Matrícula: 051912

Foi então que compreendi tudo, era mais um escravo da insidiosa ninfa; fui nomeado bibliotecário, e estaria eternamente preso às paredes luxuosas daquela enganosa água furtada. Rapidamente aprendi meu ofício, tinha que catalogar intermináveis volumes dos majestosos séculos de cultura humana; nas horas vagas me distraía com a literatura europeia, adorava as poesias anglo-saxônicas e me deleitava com os prosadores russos. Apesar de humilhado ao enxovalho da servidão, cumpria minhas tarefas com entusiasmo; podia dedicar horas a leitura e além de tudo, confesso: ainda era apaixonado pela mulher que servia. Ao fim da primeira semana de trabalho recebi uma visita inesperada, a ninfa, adornada de esmeraldas e diamantes, veio ao meu encontro; me escondi, esta reação foi mecânica e instintiva, não poderia deixar que ela visse minha insignificância. A partir daquele dia, entendi as reações dos camponeses e a indiferença fulcral de Dvorak, nas situações anteriormente narradas. Percebi que viveria, meus últimos dias intermináveis, em função dela, amando-a perpetuamente, no entanto, não me seria mais permitido encarar seus lindos e satíricos olhos verdes; amaria em silêncio, resignado à servidão.

Passei meses naquele monótomo ofício; nas horas vagas visitava meu amigo Dvorak, que trabalhava na sala ao lado; conversávamos sobre tudo, mas nossos colóquios eram insípidos, não tínhamos prazer na existência, nós sequer existíamos, apenas compartilhávamos um amor simulado pela mesma mulher inalcançável; o pianista tinha razão: todos os habitantes daquele mundo eram simulacros forjados das necessidades pútridas da ninfa carcereira; não possuíamos pensamentos próprios, e toda nossa subjetividade era computadorizada, seguiam preciosos esquemas propugnados pelos anseios de nossa criadora.

Sem esperança, passava meus dias na biblioteca sobre o tédio absoluto, nada que fizesse me livraria daquela prisão, afinal, eu era apenas um produto imaginado para dar prosseguimento às engrenagens daquele novo universo; entretanto, em uma de minhas visitas ao velho pianista, renovei minhas expectativas quanto à liberdade; ele, ao me ver, sorriu em êxtase; tinha criado uma composição sublime. Disse-me que sua nova canção o fazia lembrar de seus tempos de homem livre; ele tinha certeza que havia criado algo original, uma obra genuinamente sua, e esta era a prova que nós, prisioneiros, possuíamos vida própria. Me mostrou as partituras da música; leigo que sou, nada entendi; então, ele tocou uma pequena parte; fiquei emocionado, profundamente enternecido. Tive, em seguida, uma ideia repentina; se Dvorak tocasse aquela canção à ninfa, talvez ela se consternasse sinceramente. Ao produzir um sentimento verdadeiro no coração da nossa pérfida amada, achávamos que ela poderia nos libertar. Entrementes, havia um grande problema, a composição de meu amigo exigia além do piano um violino; tínhamos o instrumento, mas não possuíamos o instrumentista. Dvorak queria desistir do empreendimento, mas eu o persuadi a me ensinar a arte da música clássica; seria, mesmo tendo que superar todos os obstáculos, o violinista. Após anos de prática, finalmente estava apto a tocar, acompanhando o talentoso artista em sua indescritível composição.

Escolhemos o dia e planejamos nossa aventura, tocaríamos pela manhã; a música chamaria a atenção da ninfa, que viria ao nosso encontro. Foi exatamente isso que ocorreu, ao avistarmos nossa amada, continuamos a tocar, sem dirigir nosso olhar aos olhos dela. Tudo que aconteceu, a partir daquele momento, foi exuberante e fantástico; a ninfa começou a chorar, suas lágrimas não eram verdes, como aquelas que preenchiam o misterioso lago, eram negras de dor e sofrimento; ela sucumbia perante estes acordes:


Eis o extraordinário: virei meus olhos na direção dos olhos dela, pude, enfim, contemplá-la: ela realmente era linda, seus olhos eram de um verde inefável, porém, assim como nós, também era humana, setia dor e se emocionava; nem tudo era dissimulação, ironia ou sarcasmo; nossa adorável ninfa tinha sentimentos, e a música de Dvorak fazia com que ela externasse todo seu sofrimento. Ao término da canção; a ninfa estava ajoelhada ao chão, com as mãos cobrindo a face; me aproximei, toquei os seus cabelos, sequei suas lágrimas e beijei seus lábios; neste instante uma forte explosão me retirou daquele universo; fui para casa.


Epílogo

Estava de volta ao meu mundo, no meu antigo pântano sombrio. Os abutres que outrora beliscavam minha tez, haviam sumido, o céu plúmbeo e nublado, estava ligeiramente azul, o vento não mais me assombrava, as árvores estavam silentes, o ar mais puro; meu mundo continuava vazio e inabitado, no entanto estava mais claro e aconchegante. Eu ainda me recordava da ninfa, mas meu amor transformara-se em compaixão. Estava tranquilo e purificado, caminhava incerto, era, naquele ambiente, o senhor do meu próprio universo.
Durante a caminhada me deparei com algo inesperado, um misterioso pêndulo enterrado, parcialmente, sobre a lama. Apanhei-o da terra, limpando-o em meus desgastados andrajos; era um pêndulo do amor, e três palavras estavam escritas: felicidade, medo, angústia.

Não sabia qual era a força que interrompia o movimento pendular, nem se era possível parar o pêndulo sobre a felicidade, o medo, ou a angústia. Dúvidas turbilhonavam em minha cabeça: quem ou o que iniciava o movimento? Por que ele para? Coloquei o objeto no pescoço e continuei minha errante caminhada; precisava me preencher, substancializar objetivos futuros. Vi um lago semelhante àquele que encontrei a ninfa, parei, respirei fundo, peguei o pêndulo para lançá-lo às águas, olhei uma última vez para ele, estava hipnotizado, fechei os olhos e pronto – o amor, junto ao pêndulo, afogava-se no barrento caldo da minha lagoa interior.

Acordei, meu mundo não era mais poesia, virara prosa.

FG

Comentários

  1. A verdade é que estou agora sentindo um arrepio... Apenas os muito bons conseguem atingir esse patamar! FG, na minha humilde opinião de leitora pouco experiente e letrada, vc encontrou a sua forma legítima de expressão. Essa forma liberta quem lê e presenteia com enorme prazer a pessoa que se aventura no seu texto.

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  2. Cativante e intenso... Muito imaginativo e surpreendente! Alem disso, com um conteúdo dramático de tirar o fôlego, como de alguém Expert em histórias de amor! Uau, arrasou!

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