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Devaneio III - David Bowie




Qual é meu caminho? Estou na estrada correta? Quem sou eu? 

Por favor, deixem-me degenerar, quero ser louco, fundir minha cabeça ao vazio absoluto, sorver meus neurônios e vomitá-los, degluti-los em linguagem tosca, anti poética. Estou na estrada, e sigo o caminho contrário, pois prefiro a desordem, o caos, o esquecimento, a feiura, a violência e a volúpia do aborrecimento; hoje vou estrangular o belo, proclamar a república da tortura, promover, a chefe de cozinha, os grandes canibais; clamo pela insanidade, busco, sequiosamente, a imoralidade, persigo, com determinação, os grandes escritores da morte, e mastigo, utilizando os ouvidos, o inalcançável e etéreo. Irei exultar as perniciosas feiticeiras, sexualizar meus olhos para poder penetrar fundo em qualquer libertinagem do desejo, convidar os mais nefastos sujeitos para frequentar minha casa e meus anseios. Digo aos párias que não encontram nenhum lugar, para adentrarem ao meu espaço; vamos promover um choque cultural, fazer tremer todos os lugarejos, seguir pela estrada, procurando apenas o anti convencional. No nosso bando só aceitaremos os covardes e malfeitores; pedófilos, assassinos, aberrações da natureza, os deformados, os vilipendiados pela pobreza, os magos e palhaços de circo, mendigos e andarilhos, as crianças abandonadas, traficantes, viciados em crack, muçulmanos e nordestinos também serão bem-vindos. Teremos apenas uma regra que chamaremos Lei do Foda-se; para nós, tudo será permitido, cercearemos as formas binárias de pensamento, não existirá a beleza e a feiura, o bem e o mau, os vencedores e vencidos; tudo será aceito em sua individualidade, e cada um terá sua singular representação. Os esteriótipos serão utilizados apenas no início do nosso governo; puniremos alguns pelintras, aqueles sacerdotes da solidariedade, sociólogos da modernidade líquida, voluntários de Ongs, palestrantes das universidades públicas, e outros mocinhos que fingem combater ao nosso lado. Todos os valores serão desfeitos, para podermos estufar o peito e gritar pela e contra a liberdade. Inverteremos a lógica da justiça, não para reorganizá-la, mas para redistribuir as desigualdades; faremos uma reforma linguística, os verbos e os adjetivos ficarão em segundo plano; e combateremos qualquer ética social e pragmatismos ideológicos.

Chega de blablablá, dane-se a felicidade, a busca financeira, os padrões de raciocínio, a estética francesa, a moda, as diversões familiares, os sorrisos desenhados, a hipocrisia do comportamento, as frases feitas, e os livros de autoajuda; pois agora lutaremos contra a burguesia dos apartamentos, destruiremos a matemática do sucesso, quebraremos as salas de musculação, e depois iremos invadir os cinema e os palcos de teatro, apenas para anunciar uma nova revolução. Na nossa era, prenderemos as senhoras maquiadas, os adolescentes dos colégios particulares, os moradores do Leblon, os admiradores de bossa nova, os surfistas que não sabem surfar, os usuários de êxtase, as modelos de olhos azuis, os advogados com terno armani, as patricinhas dos shoppings centers, as socialites, os donos de helicópteros, e os apreciadores de caviar. Nossa prisão terá paredes espelhadas, para que estes criminosos possam observar a ignomínia de seus próprios pensamentos. Pela Lei do Foda-se, todos eles serão submetidos aos martírios corporais, semelhantes aos da Idade Média; deceparemos membros, queimaremos faces, e estupraremos qualquer dignidade, mas, ao contrário do que parece, nossos horrores, por mais cruéis, não alcançarão a milésima parte dos sofrimentos que aguentamos ao longo dos séculos. Vocês diziam que Deus amava a todos; mas será que agora, nesta nova realidade, manterão o mesmo discurso. Já provaram as delícias da fome, o carinho do preconceito, o bálsamo das favelas, a umidade da seca ou a precisão da injustiça? Bem, meus amigos, Deus trocou de lado; mas acreditem, ele existe e é bondoso.

Ironia pelo coletivo, essa é boa. No entanto, não sou digno de respeito; minha persona é falsa, caminha por atalhos escusos, usa métodos fraudulentos e táticas sub-reptícias. Sofro? Apenas o vazio da existência. De qual lado eu estou? Do meu lado, não represento ninguém. Quais são as minhas intenções? Promover meu ego, e nada mais. Mente? O tempo todo.

Desculpe, tudo que escrevo não faz o menor sentido. Eu sou louco, nós somos loucos, David Bowie é louco, eis a utilidade da conjugação do verbo ser; a terceira pessoa e o plural são módulos verbais belos, aquele é impessoal e este solidário; mas não posso mentir, me esconder atrás do “nós” e do “eles”; todos os nossos pensamentos são dirigidos ao Eu, ou melhor, todo o meu pensamento é autodirigido. Não irei me responsabilizar pelos outros, eu abomino os congestionamentos; minha estrada é vazia e escura, nela deslizo de olhos fechados, ando em círculos, rodeando os mesmos tormentos, perseguindo os mesmos lamentos, sentindo os mesmos sofrimentos e chorando as lembranças dos mesmos momentos.

Serei preso e torturado, martirizado como réu confesso, aviltado pelos traços ridículos dos reflexos espelhados de minha própria face. E, mesmo não tendo o talento poético de Vinícius de Morais, ou a habilidade musical de Tom Jobim, sou ingênuo; vivo bossa nova. Serei um excluído, um pária social; ou apenas um babaca egocêntrico? A resposta desta pergunta está dentro dela mesma, codificada por interrogações duvidosas; pois confesso: cultivo a dúvida, a falsidade dos cabelos loiros, o romantismo aparente da autoflagelação. Bowie, eu também tenho a esperança que minha dimensão interior exploda em um imenso assassinato coletivo, porque, neste momento, sou enganado por mim mesmo. Não disse ainda, mas os cabelos são perigosos, modificam com o tempo; contudo eles possuem uma essência, são as portas do raciocínio, os filtros do comportamento social. Temo os mistérios dos cabelos ruivos, tenho pena da simplicidade do castanho, o negro tem seu charme, mas muitas vezes é ridículo, e, sinceramente, não suporto o loiro, ele incomoda os meus mais singelos pensamentos, está além de minha compreensão. Já a algum tempo tingi de preto meus cabelos, e por isso tenho sido tolo, cheio de vícios; Hoje, gostaria de ficar careca, entretanto não tenho coragem, quando raspo os pelos, as pontinhas castanhas reaparecem com toda sua ingenuidade e carinho. Menino ingênuo, bobinho; não conhece a rotação universal, a sociologia das cidades, a filosofia de boteco, os amores efêmeros, e os cuidados mesquinhos. Não sabe que por trás de cada máscara há um rostinho, egoísta porém indulgente. O castanho não quer ofender, no entanto ele não conhece a multiplicidade dos fios de cabelo, vive de socialização passageira, compartilhando segredos insípidos, inclassificáveis e naturais pela antinaturalidade. Quais são as cores de seus cabelos?

Cruise me blond?
Cruise me babe?
What a hell is this?

Amo o desconhecido, por isso quero enlouquecer todas as células de meu corpo, transformá-las em justiceiras da minha própria luta social, pois todos os párias estão dentro de mim, e a quizília é uma só. Vamos juntos conquistar o impossível, satisfazer nossos piores e genuínos desejos, pintar nossos cabelos de loiro para, com o tempo, redescobrir nossa verdadeira tonalidade capilar. Temos que lembrar que no fim de tudo só importa os sentimentos; ninguém compartilha dores, cada um sofre por si. Eis o aplauso à primeira pessoa do singular: I´m deranged.

FG

Obs: Como já dito, estes textos, influenciados pelas músicas, são oriundos de pensamentos confusos que surgem enquanto escrevo. Ao contrário das anteriores, esta nova postagem foi inspirada em uma canção com letra; no entanto, apenas algumas palavras ou frases soltas direcionaram meu texto. Este não possui qualquer semelhança de conteúdo com a música. 
O vídeo foi retirado do youtube, e faz referência ao filme Lost Highway de David Lynch, um dos melhores, na minha modesta opinião, da década de 90.   

Comentários

  1. Romper com a elite... porém criar novos donos da situação (os excluídos), como forma de vingança?... é instigante, porém marcado pela vontade de ser notado! Não admite ser igual, mas almeja o igual, o mesmo, o lugar comum, os holofotes. Algo extremamente humano, característica de todos nós!(obs: estou falando apenas o que senti do narrador. OK?)Opinião de leitora não capacitada para tal análise, apenas com vontade de abrir discussão. blz?)

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    Respostas
    1. Nossa, mas que medo de ofender o autor, não sou tão sentimentalmente afetado assim. Ao se referir ao narrador, você captou algo importante; quando escrevo dou voz aos personagens, não são textos opinativos. A lógica destes devaneios é deixar a mente fluir com o mínimo de censura possível, pois se livrar totalmente dela não dá; não objetivo me fazer compreender, por isso estes textos, como comentado anteriormente, são mais "fáceis" de escrever.
      Minha intenção, nesta nova postagem, era comparar as lutas sociais, presentes e marcantes na sociedade, com as lutas internas de cada indivíduo. Eu vejo uma enorme semelhança entre ambas, pois, se na realidade fática há uma intensa luta de classes, e uma relação desumana entre dominantes e dominados, no nosso mundo interior ocorre algo semelhante, nossos sentimentos e pensamentos brigam entre si e não há espaço para a conciliação, vivemos em eterno conflito. A parte dos cabelos loiros foi apenas uma metáfora, inspirada pela música. O loiro seria o desconhecido, aquilo que não podemos entender.

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