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Millennium I - Os Homens Que Não Amavam As Mulheres - Stieg Larsson





O primeiro livro da série Millennium, Os Homens que Não Amavam as Mulheres, é um exemplar de grande entretenimento. O autor sueco Stieg Larsson escreve com propriedade, ele parece conhecer a fundo os bastidores do jornalismo empresarial e investigativo, pois toda a trama engendrada mostra-se coerente e plausível; mesmo ao abordar temas que nas mãos de autores menos capacitados degringolariam para um estória chata ou, como geralmente acontece, inverossímil, Larsson mantém o domínio sobre os fatos, consegue dar agilidade à narrativa e além disso, utilizando o suspense como um mecanismo de sedimentação entre os capítulos, envolve e prende seus leitores.

O livro se divide em duas tramas paralelas, de um lado temos a investigação do desaparecimento de Harriet Vanger, adolescente de dezesseis anos que em 1966 some misteriosamente na ilha de Hedebyön, e de outro a rivalidade entre o jornalista e editor da revista Millennium Mikael Blomkvist com o mega empresário Hans-Erik Wennerström. A estória começa com o julgamento de Blomkvist, acusado por difamação por ter publicado uma reportagem acusatória a respeito dos negócios escusos envolvendo as empresas Wennerström e o governo polonês; condenado a três meses de prisão, e a pagar uma multa vultuosa, além, é claro, de ter sua carreira comprometida, Mikael se vê arruinado e sem qualquer perspectiva. Apesar de verdadeiras, suas acusações foram facilmente refutadas pelo empresário, especialista em maquiar seus investimentos ilícitos. Lisbeth Salander, jovem punk de personaidade estranha, acompanhava de longe todos os desdobramentos jurídicos, profissionais e particulares deste caso; a menina problemática, formidável no recolhimento de informações sigilosas, trabalhava para a empresa de segurança Milton Security, era sua melhor funcionária, e, na época do referido julgamento, investigava, a fundo, o jornalista acusado, para o cliente Dirch Frode, advogado de Martin Vanger, um dos principais acionistas das famosas empresas Vanger.

Após o julgamento, Mikael decide se afastar da revista Millennium, para não prejudicá-la em demasia. Recebe, em seus primeiros dias de férias forçadas, um estranho convite de Martin Vanger. O excêntrico senhor - após a delicada e detida investigação sobre a vida de seu futuro funcionário, encomendada a Milton Security e realizada por Lisbeth Salander - oferece a Mikael um emprego lucrativo: escrever, durante um ano, a biografia da família Vanger; o desaparecimento de Harriet, sobrinha de Martin, estaria junto ao pacote, e deveria gerar um capítulo a parte. Sem muitas opções profissionais, Mikael aceita o convite; não tem muitas dificuldades para perscrutar as origens da tradicional família, passa com facilidade pelo passado nazista de alguns dos antigos Vanger, mas ao se deparar com o estranho acontecimento de 1966, se vê perdido; a história o fascina, no entanto, ele não consegue identificar qualquer novo indício que possa ajudá-lo em suas ineptas investigações.

No dia do desaparecimento de Harriet, um misterioso acidente automobilístico havia interditado a ponte que ligava a ilha de Hedebyön à cidade de Hedeby; durante toda a tarde e em parte da noite, todos os indivíduos que se encontravam na ilha ficaram presos; e o sumiço da jovem ocorreu exatamente neste período. Durante as investigações policiais muitas hipóteses foram levantadas, mas, com o passar do tempo, as autoridades se convenceram que Harriet havia sido assassinada, e que o culpado, provavelmente, se encontrava na ilha durante o isolamento. Após anos de insucessos investigativos, pouco ou quase nada a respeito do caso tinha sido descoberto pela polícia, as décadas fizeram com que muitos se esquecessem do triste fato, no entanto, Martin ainda remoía e se atormentava com o incidente; tinha certeza que o algoz de sua sobrinha era membro da sua família.

Após cumprir sua pena de três meses, Blomkvist volta a se dedicar ao caso Harriet. Uma inesperada foto faz o repórter avançar significativamente nas suas investigações; os novos indícios levam nosso herói a procurar ajuda; Dich Frode indica, para auxiliá-lo, a perspicaz espiã Lisbeth Salander. A jovem, como já dito, era especialista em levantar dados e fatos inalcançáveis da vida particular de qualquer indivíduo; era crack em invadir os computadores e e-mails alheios, sabia tudo do universo tecnológico, desvendava senhas e mensagens criptografadas, ou seja, era uma legítima e sagaz hacker. Seu físico frágil contrastava com o seu visual; com vários piercing no rosto e muitas tatuagens, a jovem espantava os mais conservadores. No entanto, o detalhe crucial de sua personalidade era seu raivoso ódio aos homens que maltratavam ou desrespeitavam as mulheres; submetida ao regime de tutela teve de enfrentar provações extremamente ignóbeis.

Ao ser formada a dupla, Mikael e Salander, as investigações passaram a fluir com facilidade, detalhes sórdidos foram desvendados, e o indivíduo que aparentava a mais pura inocência era culpado por crimes nefastos. O desaparecimento de Harriet estava envolvido com uma série de crimes sexuais, temperados por justificativas bíblicas e de caráter místico. No final do livro, Stieg intensifica o suspense, mostrando um apurado domínio na manipulação da ação em sua narrativa. Os capítulos finais são tensos e hipnotizadores.

Outro ponto forte do enredo são os relacionamentos afetivos. Blomkvist era um verdadeiro sedutor*, envolve-se sexualmente com várias mulheres no transcorrer da trama, entre elas Erika Berger, sua sócia da revista Millennium e amante de longa data; Cecilia Vanger, sobrinha de Martin; e a própria Lisbeth Salander, que, no final da estória, mostra-se apaixonada por nosso galanteador herói.

Apesar do foco principal e da ocupação da maioria das páginas estarem vinculadas às investigações envolvendo o caso Harriet; nos capítulos derradeiros do romance, Larsson dedica-se em resolver as intrigas e contendas entre Blomkviest e o corrupto empresário Hans-Erik Wennerström; novamente o talento investigativo e tecnológico de Salander auxilia Mikael em sua nova empreitada. Os dois descobrem todos os negócios podres e ilegais da empresas Wennerström; o jornalista publica um bombástico livro, denunciando as perniciosas falcatruas do pérfido empresário, salva sua carreira e readquire sua credibilidade.

Este livro é o primeiro de uma trilogia, entretanto tudo se resolve no final, o único fato que fica em aberto são os desdobramentos amorosos da trama; Lisbeth ama Mikael, mas ele não sabe disso. Penso, à obviedade, que o volume dois da série envolverá novas intrigas; estou curioso para seguir acompanhando as aventuras do super Blomkvist. Já disse que o romance é um ótimo passa tempo, mas não custa repetir; pois Stieg Larsson é muito talentoso. Só lamento a morte precoce do autor, tenho certeza que se ele ainda estivesse vivo, nós, ávidos leitores, seríamos presenteados com novas e fantásticas tramas de suspense do mais refinado bom gosto.      

Avaliação: 7,0/10
FG

Obs: *leia-se comedor.
Esta foi a primeira resenha que eu evitei os famigerados spoliers, pois como se trata de um famosíssimo best-seller, acho que muitos se interessarão pela leitura, por isso, para evitar estragar a surpresa, omiti detalhes importantes da trama; esta estratégia, além de nobre, me fez economizar uns três parágrafos de meu "tempo". 

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