Isto é um sonho, ou apenas um delírio juvenil? Existe liberdade no
sofrimento? Fechem meus olhos...
Estou preso, absorvido ao efêmero; tento achar uma saída, mas não
tenho escolha, a morte me espreita em infindáveis labirintos. Após
praticar o suicídio espiritual, esperava encontrar a chave da bem
aventurança... doce ilusão; a cada dia sinto-me mais perdido,
quando viro a direita, vozes estridentes e asquerosas me advertem
sobre o insucesso de minhas decisões; então, mudo de ideia, opto
pela esquerda, não encontro nada; o vácuo de meus pensamentos são
contornados por palpites inúteis, frágeis e muitas vezes enganosos.
Ao andar em todas as direções percebo que a sinceridade excessiva é
apenas o prelúdio da mentira. Não quero escutar os outros; mas, por
ser completamente parvo, ao invés de tapar os ouvidos, eu fecho os
olhos; não vejo o óbvio, e, o pior, sou forçado a ouvir bobagens.
Por isto venho tentando fortificar milha ilha interior; já sofri
muitos ataques, fieis soldados foram mortos, uma das torres de meu
castelo foi superficialmente atingida, e meu navio particular foi
destruído. Hoje, construo muros impenetráveis, feitos de materiais
sólidos, quase intransponíveis. Desenvolvi, ao misturar minhas
lágrimas amargas às excrescência fétidas de meu despreparo
cognitivo, uma fórmula mágica de durabilidade infinita; portanto,
quando tiver terminado minha grandiosa obra, quando minha ilha
estiver completamente circundada de desespero, dor e solidão, me
sentirei seguro - pronto para me acomodar ao vazio - resignado e
feliz, dentro de um ambiente de tristeza absoluta. Para aprender a
resistir a dor, nada melhor do que conviver eternamente com ela. Ao
eternizá-la, retiramos seu sentido; o alívio, o bem-estar e a
felicidade são os grandes culpados do insuportável desespero; ao
assumir a tristeza como uma condição existencial, e não como um
estado de espírito passageiro, estaremos preparados para respirar o
nauseante aroma da insignificância humana. Não somos nada,
caminhamos para o nada, desejamos, sequiosamente, o nada, no entanto,
sentimos tudo; é esta incongruência que nos arremessa aos
misteriosos infortúnios da vida. Nossa condição é de subespécie,
pois, frente às emoções, a racionalidade pouco significa.
Volto a sonhar ou penso sonhando?
Estou preso, não posso me mover, perdi minhas pernas em longas e
bárbaras batalhas, e hoje padeço em solidão eterna. Em meus
últimos instantes de vida gostaria apenas de uma derradeira
lembrança, mas não consigo rememorar meu passado idílico. Deliro,
meu peito pega fogo, minhas mãos tremem, sinto lágrimas ácidas
ferirem meu semblante vulgar e não posso suportar meu sangue de
cavaleiro fracassado.
Meu Deus, por quê? Diga Senhor, onde está minha nobreza? Por favor,
não me rebaixe, aceite-me ao seu lado, tudo o que fiz foi movido por
uma irracionalidade amorosa, não quis matá-la, senhor – a culpa
não foi minha, tentei salvá-la, fiz de tudo para voltar no tempo.
Volte doce donzela, não me deixe morrer sem contemplar sua bela
imagem; me perdoe, eu não quis macular sua inefável face. Lembra-te
das doces cerejeiras, do cintilar adocicado dos fins de primavera,
dos nossos passeios fortuitos ao redor das montanhas de pedra.
Recorda-te de nosso primeiro olhar – naquele início de tarde
outonal, fiquei apaixonado pelos seus delicados olhos esverdeados –
de nosso primeiro diálogo – cumprimentei-te, elogiando suas nobres
maneiras – e do nosso primeiro beijo – sublime, inebriante e
espectral; como fui feliz ao seu lado; amei-te tanto, amo-te tanto;
mas você se foi. Não quis feri-la, tudo não passou de um grande
desentendimento, minha reação foi um mero impulso animalesco, quero
que me perdoe; não posso morrer sem seu perdão. Diga, eu posso
ouvir pelo vento. Diga! Feiticeira ardilosa, te imploro: me liberte do inferno. Por favor, diga.
Não me deixem sozinho, estou sofrendo, tenho sede, sinto frio, estou
morrendo, me ajudem, tragam-me Parsifal, onde está Parsifal? Você,
infeliz, me mate, fure meus olhos, esfole minhas lânguidas faces,
escalpele meu coro cabeludo, castre minha dignidade, opere meu amor
próprio, mas não me deixe visualizar minha torpeza. Tire, demônio, este
espelho daqui; vá embora, deixe-me em paz, ou mate-me de
uma vez. Onde está Parsifal?
Cegueira, náusea, vômito, fezes, pútridas e asquerosas fezes - meu
corpo clama por você, feiticeira pagã, no inferno voltarei a rir de
sua mediocridade, amarei sua vertente mais insidiosamente vil,
recolherei rosas de angústia e baixeza para oferendar a ti, perversa
e imunda. Estou morto? Responda, estou morto? Fale algo, estou morto?
Ou será que eu nunca existi? Onde está Parsifal? Diga: eu existo?
Parsifal, onde está? Ele existe? Eu existo? Onde estou?
Em um instante acordo; percebo que meus pensamentos transformaram-se
em sonhos, e meus sonhos em pensamentos, vivo estranhamente às
avessas, e talvez por isso seja um cavaleiro fracassado; pois, nas
diligências de um novo passado, morro a cada segundo. Choro por
todos os poros, e não vejo nada a minha frente; tudo é um imenso
deserto, todos se foram, estou sozinho, orgulhosamente sozinho. Meu
jardim secou, e agora, ao envelhecer, sem me abstrair dos sentimentos
infantis, enxergo em preto e branco, grito colorido e canto pelos
ouvidos. Desculpe Rachmaninov, não fui feito para a arte da
comunicação, sofro horrores insignificantes, mas não consigo
traduzi-los em palavras; minhas deficiências intelectuais são tão
intensas quanto as morais, ao desrespeitar a vida desrespeito
igualmente a linguagem. Mas meu choro, apesar de ralo, é vermelho
sangue, e o canto de meus ouvidos é integralmente inteiro, pois de
pedaços não conseguiria sobreviver aos seus passageiros e musicais
encantos. Rachmaninov me ensine a crescer, sou infantil em demasia, e
nem sei escrever.
Hoje sobrevivo vomitando frases, no entanto, não alcanço a mais
próxima e irrelevante ideia, tudo que faço é espúrio e de mau
gosto; falo de amor, apenas minto; falo da dor, digito bobagens;
solidão, não consigo entendê-la; tédio, sinto na pele, mas não
sei bordá-lo. Tenho que admitir meu fracasso, pois mesmo cavalgando
sobre íngremes montanhas não me é permitido voltar ao passado;
matei minha amada, todavia quero reencontrá-la, ver seu corpo em
decomposição, seus ossos expostos, sentir o aroma pútrido dos meus
próprios desejos. Volto a delirar e percebo que a solidão é tão
magnânima. Estou em uma ilha. Na minha ilha.
Sinto o vento soprar, cantar canções plácidas que enlevam meus
sentimentos, cochichar aos meus ouvidos segredos imemoriais, lamber
minha boca burilando o doce e nefando aroma de um pernicioso
afrodisíaco. Estou sorrindo aos pés do mar distante, caminhando
lentamente em direção aos agnocastos, pois quero frear meus
desejos, me refestelar abaixo da sombra do sol escaldante, para poder
derreter, mesmo sentindo frio, minha álgida alma. Farei a fusão
entre a chama que consome o pus negro de minhas entranhas com a chuva
que lava minha subjetividade motejante. Agora, acabo de comer um
fruto ácido, estou sorvendo lágrimas, elas reavivam minha memória,
e nela percebo que meu castelo não está tão longe; quem sabe lá
eu reencontre minha amada defunta. Ela está viva, Parsifal, meu fiel
amigo, me contou. Mas onde está Parsifal? Onde eu estou? Na minha
ilha, em meu castelo, sozinho. Parsifal matou minha amada e eu matei
Parsifal. Fui trancafiado em um calabouço nojento, lá os ratos são
os meus novos companheiros; converso com todos eles, e venho, ao
longo do tempo, criando imensa simpatia por estes lôbregos animaizinhos. Acordei novamente, meus pensamentos estão se
aglutinando frente aos meus ouvidos, talvez a música tenha parado,
mas não posso terminar assim, devo recomeçar.
Sonho acordado... Estou PRESO, trancafiado em meus próprios
pensamentos; Vivo? Ou Morto?
Quero amadurecer, cuspir minha ingenuidade, sobreviver com rugas
toscas, pútridas, porém respeitosas; hoje, no entanto, devoro minha
face de menino, retiro cada centímetro de tecido epidérmico, para
redescobrir minha mediocridade; pois tenho a indubitável certeza que
meus pensamentos são perecíveis, estragam com o tempo. Peço as
poucas almas que sorriem a minha volta para embarcar no primeiro
navio; minha ilha interior não tem mais espaço, sinto-me sufocado,
qualquer presença me asfixia, insulta minha integridade. Aos
demônios, apenas agradeço; sem o medo não existiria. Agora irei
gritar, espernear gargalhadas letárgicas de sono leniente, sorver
lágrimas de felicidade ressentida, e esta será minha solução
final, meu primeiro e verdadeiro desejo, o romance derradeiro das
inconsequentes instruções recebidas em vida. Não suporto o peso em
meus ombros; tento caminhar, mas é impossível, a paralisia
emocional trava meus músculos, meus ossos parecem desfarinhar, e a
cada nova gotícula de suor percebo minha inteligência indo embora.
É insuportável, sou a cada instante ferido por dores
desproporcionais, estou perdido; meus obstáculos existenciais,
apesar de mínimos, são intransponíveis; padeço, pois ainda não
me acostumei a meu corpo frágil. Quero ser forte, tenho que ser
forte; devo resistir, enfrentar meu fracasso de cabeça erguida. Sim,
irei vencer - todos os espírito malignos serão assassinados,
torturados em locais públicos, e o mundo contemplará minha glória,
meu portentoso renascimento. Esta será uma imensa revanche, a
invisibilidade, que outrora consumia meu ser, ficará esquecida,
serei reverenciado como rei, muitas aplaudirão minhas conquistas, o
universo se tornará pequeno para os meus feitos. Não! Pra que a
aprovação alheia? Prefiro a solidão, o esquecimento; minha
dimensão interior é muito mais complexa e fascinante do que nossa
realidade anódina. Vão embora, me deixem em paz. Fantasmas,
vampiros medonhos, monstros sugadores de almas, não preciso de
vocês, não preciso de ninguém, sou autossuficiente, posso viver
isolado, trancafiado, e até mesmo amordaçado; pois não tenho
qualquer necessidade de comunicação, sou meu melhor ouvinte.
Acho que me matei, assassinei todos que estavam dentro de mim. Estou
vazio, já não posso sonhar. Onde ela está? Ela existe, ou não
passa de um sonho?
Parsifal a matou,
Eu matei Parsifal
Acordei
Parsifal a matou?
Eu matei Parsifal?
Delirei
Ela me matou
Parsifal me matou
Eu me matei
Ela matou Parsifal
Parsifal se matou
Parsifal sou eu
Sonhei?
FG
Obs: estas postagens denominadas "Devaneio" foram produto do acaso; pensava apenas em postar os vídeos com as belas canções, no entanto, durante o demorado upload fiquei ouvindo as músicas e escrevendo delírios pouco racionais. Não tinha a intenção de postá-los, pois eles possuem significados que eu próprio tenho dificuldades de desvendar, mas, gostei da ideia; e como são textos "fáceis" de escrever, fruto de pensamentos inconsequentes, repetirei com frequência bobagens semelhantes. Ao menos as músicas são sublimes.
Seus devaneios arrepiaram minha alma. A intensidade das idéias são chocantes e assustam com os conflitos existenciais do autor. A desesperança e o pedido de ajuda. O que falta a esse ser tão frágil? A socialização e a aceitação das pessoas são uma necessidade humana. A desilusão aamorosa nos isola. E inevitável não se identificar. E Persival? seu conflito? E a amada ? Muito imaginativo o texto. Parabéns.
ResponderExcluir