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Mostrando postagens de novembro, 2012

A Vida Assim Nos Afeiçoa - Manuel Bandeira

Se fosse dor tudo na vida, Seria a morte o grande bem. Libertadora, apetecida, A alma dir-lhe-ia, ansiosa: - Vem! Quer para a bem-aventurança Leves de um mundo espiritual A minha essência, onde a esperança Pôs o seu hálito vital; Quer no mistério que te esconde, Tu sejas, tão somente, o fim: - Olvido, imperturbável, onde "Não restará nada de mim!" Mas horas há que marcam fundo... Feitas, em cada um de nós, De eternidades de segundo, Cuja saudade extingue a voz. Ao nosso ouvido, embaladora, A ama de todos os mortais, A esperança prometedora, Segreda coisas irreais. E a vida vai tecendo laços Quase impossíveis de romper: Tudo o que amamos são pedaços Vivos do nosso próprio ser. A vida assim nos afeiçoa, Prende. Antes fosse toda fel! Que ao se mostrar às vezes boa, Ela requinta em ser cruel... (Poema retirado do livro  Melhores Poemas de Manuel Bandeira; seleção de Francisco de Assis Barbosa da Editora Global)  

Devaneio I - Schubert

Devo admitir: a música é a arte mais democrática. Necessitamos apenas dos ouvidos para se deleitar com a sonoridade sublime desenvolvida por alguns artistas que alcançaram a perfeição. Schubert, o que dizer desse magistral compositor? Ao ouvir esta canção, sinto meu corpo destruído, consumido por doces espasmos musculares; minha visão se turva diante da insuportável beleza dos acordes do violoncelo, do delicado cintilar das teclas do piano, e, sobretudo, do inefável viajar das agudas e amargas ondas sonoras de um violino propositadamente claudicante. Tudo que desejo torna-se intraduzível; choro cáusticas alegrias, vociferando oceanos lacrimosos de ironia, apenas para conquistar migalhas mesquinhas que não merecem nada além do rústico e gutural rugido epidérmico de leões marinhos.  Aceitar o tormento, mesmo rodeado da sinceridade mais essencialmente singela, corrói meus frágeis ossos; não quero a simpatia alheia; esqueçam que eu existo, pois eu já esqueci. A cada abrir de olho

O Bom Gosto Artístico, parte III

Em uma postagem anterior esclareci que as obras de arte têm a capacidade de oferendar aos indivíduos autocontrole; quanto maior o nosso nível de apreciação estética maior será nosso autoconhecimento. Após as reflexões do texto supracitado, me vejo na obrigação de reavaliar meus critérios, já definidos em um passado próximo, sobre o bom gosto artístico. Recapitulando, descobrimos que ser sensível e, ao mesmo tempo, vulgar em nossas escolhas culturais é reflexo de uma original inteligência estética; o belo, portanto, poderá nascer nos calabouços mais obscuros, e da mesma forma, o pútrido, em algumas situações, se esconderá atrás de máscaras exuberantes. Enfim, ter bom gosto é privilégio daqueles que sabem diversificar suas escolhas culturais. Mas se a arte é uma oblação em sentido inverso, uma oferenda dos deuses (artistas) a seus súditos (consumidores), negar o valor de algumas obras genuinamente belas em detrimento do entretenimento mesquinho e tolo, não seria uma enorme incong

Vidas Secas - Graciliano Ramos

Após me enternecer com a suposta futilidade amorosa do jovem Werther, nada melhor que embarcar em um ignóbil drama social; Vidas Secas me transportou novamente à realidade, me sinto, após a leitura, renovado e com muitas dúvidas. Somos todos parvos, tendemos a supervalorizar nosso ego, nossas pequenas mazelas e dores. O que é o tédio diante da fome? Nós, jovens burgueses, bem alimentados e bem vestidos já experimentamos algum sofrimento verdadeiro? Aff... deixemos de lado estas reflexões adolescentes, vamos ao que interessa. Sinceramente, não tenho muito a dizer sobre este monstruoso romance brasileiro, para os que procuram se informar sobre o enredo do livro, eu lhes aconselho a procurar no google outros comentários infinitamente melhores do que este. Se meu blog não passa de uma ilha governada e abitada por um único sujeito, e se isto às vezes me incomoda um pouco, ao menos agora, ao escrever sobre a obra prima de Graciliano, sinto-me aliviado por não possuir leitores. Este

Goethe e Schubert: União de Dois Gênios

Goethe escreveu, Schubert musicalizou, e nós, meros mortais, fomos contemplados com o sublime, perfeito e inefável. Quem dera se a vida fosse apenas arte. Em respeito ao poeta alemão, abaixo deixo postado a poesia utilizada por Schubert para criar uma das suas melhores obras. Erlkönig Wer reitet so spät durch Nacht und Wind? Es ist der Vater mit seinem Kind; Er hat den Knaben wohl in dem Arm, Er faßt ihn sicher, er hält ihn warm. "Mein Sohn, was birgst du so bang dein Gesicht?" "Siehst, Vater, du den Erlkönig nicht? Den Erlenkönig mit Kron und Schweif?" "Mein Sohn, es ist ein Nebelstreif." "Du liebes Kind, komm, geh mit mir! Gar schöne Spiele spiel' ich mit dir; Manch' bunte Blumen sind an dem Strand, Meine Mutter hat manch gülden Gewand." "Mein Vater, mein Vater, und hörest du nicht, Was Erlenkönig mir leise verspricht?" "Sei ruhig, bleib ruhig, mein Kind; In dürren Blättern säuselt

Os Sofrimentos do Jovem Werther - J. W. Goethe

Se aventurar nas cartas do jovem Werther é tarefa delicada, aconselhável apenas àqueles que já sofreram a dor de um amor não correspondido; pois para inebriar-se com o ambiente ultrarromântico, melindrosamente trabalhado pelo arguto e fantástico escritor alemão, temos que assumir a postura ingênua dos apaixonados, lembrar do desespero mesquinho, das lágrimas injustificadas, da falta de ânimo, da letargia inviolável e, principalmente, do sentimentalismo oco, vazio, irracional e egoísta. Todos nós, que já perdemos nosso precioso tempo prostrados, com a cabeça no travesseiro, ao rememorar os momentos idílicos de um passado idealizado e corrompido, sentiremos um poder nostálgico ao ler as cartas de Werther, por vezes graciosas e descritivamente belas, mas outras vezes amargas e desesperançosas. Neste livro a literatura assume seu papel mais genuíno, emocionar pela reprodução de uma irrealidade vivida e compartilhada por quase todos nós; ao instigar a imaginação do leitor, desanuv

Quando Nietzsche Chorou - Irvin D. Yalom

O amor, eis a causa de qualquer infortúnio humano; este sentimento provoca dores insuportáveis, distúrbios desproporcionais, delírios inconsequentes e todo tipo de angústia; quem já foi rejeitado, certamente experimentou uma lancinante pressão no tórax, aquele aperto no peito sufocante, intolerável. E o quê dizer da náusea, o mal estar abdominal, a ânsia de vômito, a incapacidade de raciocínio, os tremores, a fria exsudação e as intermináveis lágrimas; são estes os sintomas desta doença eternamente incurável e sem nenhum método preventivo, pois não é possível tratar uma dor que arde sem se ver, uma ferida que dói e não se sente, ou o monástico contentamento descontente*. Somos todos transmissores e hospedeiros, os algozes e as vítimas, desta mazela indescritivelmente tosca e bela. Amar sem ser amado é a maior violação do querer humano, pois, ao ter nossa principal vontade afetiva negada, desenvolvemos as piores anomalias mentais e os maiores e mais insidiosos desequilíbrios psi

Making-of do Discurso Vazio

Recentemente, ao folhear um livrinho de história da filosofia na seção destinada ao holandês de origem portuguesa Baruch Spinoza, encontrei a melhor definição para a inteligência; para o pensador ela não é mais do que uma escrava da vontade cega. Somos seres originais porque ao contrário dos outros animais temos a capacidade de racionalizar comportamentos, atitudes ou ideias; tudo o que fazemos passa pelo crivo do nosso intelecto, quando sentimos fome comemos, no entanto, diferente dos outros organismos vivos, antes da alimentação ponderamos uma serie de informações; para processar a escolha de qual alimento deveremos consumir, os critérios são vários, podemos escolher a comida mais próxima, acessível, saudável, saborosa, calórica ou energética; o escopo é infindável. Nosso raciocínio será imprescindível na organização dos pensamentos condutores de nossas escolhas, e é neste cruzamento de ideias que a vontade se insere. Ao sentir fome temos uma vontade primária de comer, contud