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Mostrando postagens de outubro, 2012

Camões vs. Gonçalves Dias - um duelo aos olhos verdes

Redondilha de Camões Menina dos olhos verdes Por que me não vedes? Eles verdes são, E têm por usança Na cor esperança E nas obras não Vossa condição Não é de olhos verdes, Porque me não vedes. Isenção a molhos Que eles dizem terdes, Não são de olhos verdes, Nem de verdes olhos. Sirvo de geolhos, E vós não me credes, Porque me não vedes. Havia de ser, Por que possa vê-los, Que uns olhos tão belos Não se hão de esconder. Mas fazeis-me crer Que já não são verdes, Porque me não vedes. Verdes não o são No que alcanço deles; Verdes são aqueles Que esperança dão. Se na condição Está serem verdes, Por que me não vedes? (poema retirado do livro Lírica Redondilhas e Sonetos de Camões da editora Ediouro) Olhos Verdes de Gonçalves Dias São uns olhos verdes, verdes, Uns olhos de verde-mar, Quando o tempo vai bonança; Uns olhos cor de esperança Uns olhos por que morri; Que, ai de mi! Nem já sei qual

Safra Vermelha - Dashiell Hammett

Antes de iniciar esta resenha devo dizer: Safra Vermelha é uma bobagem, uma deliciosa bobagem. Me interessei pelo romance devido ao meu fascínio pelos filmes noir, gênero cinematográfico que explorava o universo do submundo criminoso americano. Quando procurava algo na biblioteca para ler, vi, com o semblante empolgado, em suas desorganizadas prateleiras, um encardido exemplar desta obra de Dashiell Hammett, tratava-se, recordei, do mesmo autor do excepcional “Falcão Maltês”. Não tive dúvidas, aluguei o livro louco para iniciar a leitura. Já sabia que o texto não tinha grandes qualidades literárias, procurava apenas diversão; e agora, tenho certeza, meu entretenimento valeu muito, e em breve repetirei a dose. Como dito, sou viciado em filmes noir; a estética cheia de contrastes entre o claro e o escuro que intensificava a ambiguidade comportamental dos personagens; o herói cheio de fraquezas e vícios; e, sobretudo, as femme fatales, mulheres manipuladoras que fingiam fragil

O Penitente - Isaac Bashevis Singer

“O Penitente” é o segundo livro de Singer que tive o prazer de ler; ao escolher a obra, dois fatores foram importantes; o primeiro foi que “Inimigos: Uma História de Amor”, romance do autor apreciado a poucas semanas atrás, me marcou profundamente, toda a dor, o pessimismo e a desesperança em relação ao futuro da humanidade, encontrado nas reflexões, atitudes e pensamentos do personagem principal, escancaravam o modo crítico e provocativo que o escritor polaco insistentemente tentava transmitir aos seus leitores, as nuanças da vida privada do quarteto amoroso tratado na obra ditavam a dimensão do fracasso das relações humanas, cheias de vícios, idiossincrasias e insignificância; para Singer a evolução para a barbárie não só era inevitável como natural, para ele o mundo era degradante porque o indivíduo, em suas mínimas atitudes, conseguia desviar o caminho de todas as coisas em direção a pútridos atalhos, seja simulando atitudes ou escondendo a verdade; antes de fracassar, diri

O Idiota - Fiódor Dostoiévski

Finalmente terminei a leitura deste gigantesco romance; foram quase três semanas na companhia do príncipe Míchkin, e após as setecentas páginas do livro me sinto aliviado e exausto, afinal se tivesse que resumir a obra com apenas uma palavra, escolheria, sem sombra de dúvida, “desgastante” ou qualquer outro sinônimo que denota prostração. Durante este tempo, tive muitos momentos agradáveis junto aos inúmeros personagens do romance, não obstante os prolongados períodos em que pensei, sequiosamente, na possibilidade de abandonar a leitura. Este, provavelmente, será o texto mais complicado que irei escrever, pois até agora tenho dúvidas se gostei ou não da obra. Muitos capítulos chatíssimos eram acompanhados de outros que beiravam a genialidade; esquematicamente diria que o início do livro é interessante, o meio tedioso, e o final excelente; ponderar estas três sensações será minha tarefa nos próximos parágrafos. A obra conta a estória do príncipe Míchkin, homem de qualidades

Carta de Despedida

Sentir? Sinta quem lê! Fernando Pessoa Quando alguém ler estas palavras já estarei morto. Não foi por impulso, refleti muito, ao tomar esta decisão; percebi que o melhor não seria viver, mas desistir. Venho, através desta carta, me despedir de algumas pessoas; tenho, antes de tudo, a responsabilidade de amenizar a dor, causada por esta autônoma escolha, que infelizmente afligirá quem não a merece. Cansei de ser covarde, ao menos nesta derradeira atitude assumirei a postura obstinada e corajosa dos homens de fibra; não será por medo e nem por desesperança do futuro que abdicarei da existência, são razões bem mais simplórias que me autorizaram a colocar em prática resoluta solução; na verdade, talvez não exista razão alguma, esta será uma decisão como qualquer outra, e, portanto, será oriunda da mais depurada liberdade de meu espírito. Não quero responsabilizar ninguém, pois apenas eu, sem nenhuma influência exterior, escolhi por um ponto final nesta frase mal escrita

Poema em Linha Reta - Fernando Pessoa

Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, Indesculpavelmente sujo, Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho, Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas, Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, Que tenho sofrido enxovalhos e calado, Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda; Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel, Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes, Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar, Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado Para fora da possibilidade do soco; Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo. Toda a gente que eu conheço e q

Honoré de Balzac e o Elixir da Longa Vida

Balzac, eis Balzac... o gênio rechonchudo que encantava mulheres sensíveis; a máquina de escrever que produziu centenas de romances, contos e novelas reunidos na “Comédia Humana”, grandiloquente e insuperável coletânea literária; o pequeno burguês que dedicava-se com afinco à labuta de escritor; o homem agradável e extrovertido, porém recluso; amante da tranquilidade, mas viciado em café; irônico e indulgente; astuto e pródigo; soberbo, insuportavelmente soberbo; inteligente e ingênuo; um verdadeiro alpinista social, que conquistou a mulher “amada”, a nobre e riquíssima Ewelina Hanska, próximo de seus últimos dias. Balzac, eis Balzac; mas me pergunto: quem foi Balzac? Não sei responder, no entanto, tenho certeza, a vida para ele será eterna. Talvez estes confusos dados bibliográficos elencados no parágrafo anterior sejam uma perda de tempo para os virtuais leitores desta nova e tola postagem, mas precisava de uma introdução, sem contar que a fotozinha abaixo do título é, ao

Noites Brancas - Fiódor Dostoiévski

Ao passar os olhos pelas minhas resenhas literárias anteriores, percebi que todas elas foram muito pessoais; utilizei a primeira pessoa em boa parte do desenvolvimento dos meus comentários, dando, inclusive, preferência às sensações íntimas que tive com a leitura em detrimento do enredo ou à qualquer outro tipo de análise objetiva. Eu poderia chamar esta peculiar característica de estilo, mas, confesso, trata-se, na verdade, de grande inabilidade textual; negligenciar a impessoalidade é um recurso ingênuo que reflete uma pureza destituída de malícia, porque, aos olhos de quem escreve, destrinchar um enxame de subjetivas emoções pode parecer extremamente atraente; as palavras, neste contexto, ganham vida, reverberam em um vale montanhoso de intimidade, geram ressonância nas paredes infinitas do próprio âmago; no entanto, para os leitores, tais impressões são insípidas, não há motivos para se informar sobre os processos de leitura de indivíduos desconhecidos; lágrimas que escorrem

O Bom Gosto Artístico, parte II

Até o final do século XIX, antes do advento da sociedade do consumo, havia certa coincidência entre obras de elevado valor cultural e as mais populares. O público, com raríssimas exceções, tendia a apreciar produtos de forte enlevo sensitivo; obras que hoje são grandes clássicos da arte tiveram, no passado, estrondosos sucessos não só perante a aristocracia ou a burguesia enriquecida, mas também nas classes menos abastadas. A obra de Mozart, por exemplo, era conhecida, conjuntamente, nos grandes salões e palácios imperiais e também nas feiras urbanas, oficinas de artesãos e nas macilentas tavernas das grandes capitais europeias. O popular e o erudito se misturavam. É claro que muitas criações foram negligenciadas em seu tempo, recebendo reconhecimento artístico apenas, no futuro, pelas vindouras gerações. No texto anterior citei o exemplo de Van Gogh, outros tantos, assim como pintor holandês, só foram descobertos depois de mortos; Franz Kafka, o genial escritor tcheco de “A Me