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17 frases soltas sem conotação política

Diante do belo qual artista se disporia ao riso? O riso talvez seja o melhor reflexo da fealdade humana, humor e virtude são dois lados opostos de uma mesma moeda. Aquele que se proclama virtuoso já está insuflado pelo pecado. A virtude exige silêncio. Para se manter íntegro não basta fazer o certo, é preciso, antes de tudo, ser omisso, se esquivar de aplausos, confrangê-lo. Aqueles que se aproximam da beleza podem agir com prudência ou sucumbir à morte Sem sofrimento não há prazer. Se assim não fosse onde estaria o equilíbrio do mundo? Ser virtuoso é o mesmo que ser discreto. Todos que se colocam sobre olhar alheio cometem pecados. Se fingimos que a dor não existe e se esquecemos do fingimento estamos libertos. Todos aqueles que defendem a liberdade como condição fundante de feitos artísticos, não sabem nada sobre a liberdade. Liberdade é o oposto de criação. Só criamos em cativeiro. Baudelaire achava que o artista, ao contemplar o belo, seria trag
Postagens recentes

Projeto. IX

Caro Beto, Há seis anos atrás, quando o governo foi destituído e os conservadores tomaram o poder, eu e os outros membros dos replicantes ficamos encurralados. Você deve lembrar da tarde de agosto que apareci em casa com o rosto sangrando. Mamãe ficou assustada. Depois que Miguel morreu ela não aguentaria a perda de outro filho. Naquele dia recolhi minhas anotações e fui embora; vocês nunca mais me viram. O sangue do meu rosto era do Quirino. Pela manhã nossa base foi cercada. Eu e Quirino conseguimos fugir, os outros foram presos. Na fuga alvejaram meu amigo com cinco tiros no rosto; por sorte escapei. Estava tão transtornado que quando cheguei em casa não dei explicações. Com a antiga caminhonete de papai deixei a cidade. Passei a noite na fazenda; queimei todos os papeis do grupo e segui sozinho para o sul; cruzei a fronteira e pedi abrigo. Mas as coisas mudaram rápido; o golpe foi se espalhando por todos os países, fiquei acossado. Naquela altura todas as cidades já estavam cer

Projeto. VIII

Acordado, ainda sobre o chão frio, Hernandes começou a ouvir o barulho das sirenes; alguns tiros eram disparados, gritos e os mais diversos tipos de ruídos contaminavam o ambiente. O setor 43 estava sobre ataque. Algo acontecia. Uma voz foi ouvida pelos auto-falantes. "Permaneçam em casa. Vigilantes em busca". No edifício Z-73 o tumulto era perceptível. Muitos pareciam abandonar o local. O certo seria fugir. Se fosse uma caça, ele era presa fácil. Não tinha um plano de fuga, sequer imaginou que aquilo aconteceria. Abriu a porta. Dezenas de corpos, todos recobertos do líquido preto, estavam caídos pelos corredores. A correria era intensa. Na entrada do prédio uma garotinha com olhar em súplica parecia perdida. Hernandes pegou a menina no colo e começou a caminhar pelas ruas repletas de transeuntes e vigilantes. Um deles o parou. Naquele momento suava frio. Acabara de chegar e em instante poderia ser preso. O vigilante escaneou seu rosto, fez o mesmo procedimento c

Projeto. VII

Hernandes ficou no prostíbulo rememorando o passado. Seis anos atrás viveu tormentos e violências que fizeram o sonho revolucionário adormecer. Agora poderia remendar os erros e construir tudo de novo. Estava diferente, preparado para se livrar de qualquer artimanha. Sempre soube que a grande transformação só viria com o sacrifício de muitos. Todas as pessoas ao redor, o barulho, o cheiro lastimável, animalesco retratavam os miasmas humanos. Aquilo que estava sobre os olhos não valia uma gota de suor. Salvaria o irmão, os outros pereceriam. Ele sabia que o mundo não era o mesmo, não resguardava qualquer semelhança com o passado. O amor pela humanidade foi substituído pela sobrevivência; e para resgatar algo que se perdeu, os fantasmas que sobreviviam tinham um destino certo, e nada poderia ser feito. Sua crença num mundo melhor estava mais viva do que nunca. A consciência se despertara e o auge da espécie seria construído por uma nova visão objetiva, por uma linguagem mais sof

Projeto. VI

Claro que a mulher sabia muito sobre ele. Os escritos em alemão, toda a cena pitoresca, os olhares. Eles já haviam se encontrado antes, era óbvio. Provavelmente o seguia, investigava cada passo. Com os dedos na maçaneta, Beto estava há segundos de aliviar a indecisão. Ela estaria do outro lado com todas as respostas. Iria oferecer ajuda. Aquele rosto era a antítese da perfídia. Porém, a aparência é amorfa, não nos diz nada sobre o bem ou sobre o mal. O bom, o belo e o justo não caminham de mãos dadas. A maior beleza preserva segredos intransponíveis, e seduz a astúcia ao ato mais cretino. Não, tudo isso era bobagem, deveria dar vazão ao impulso, esquecer os pensamentos, ignorar a memória, o vislumbre. Viver cada sequência temporal liberto da experiência, sem coragem ou covardia, sem elucubrações; apenas viver o orgânico, a matéria, o corpo físico; abrir a maçaneta e agir em função dos olhos, jamais do intelecto. Mas como enganar a própria fisiologia? As reflexões não apartam escol

Projeto. V

Saiu do prostíbulo aos tropeções. A poucos metros do local, imensa tela exibia a face jovem de Hernandes. Uma voz, ao redor da imagem, dizia: "Terrorista morto! Vitória!" Beto percebeu que a fotografia destoava bastante da aparência atual do irmão. Ninguém, a não ser ele, conseguiria dizer que eram a mesma pessoa. Aquela cena aguçou sua curiosidade. O que encontraria no envelope? Precisava entender. Era óbvio que Hernandes não retornara sem propósito, ele tinha um plano. Desde cedo os sonhos revolucionários, a paixão pela política, a irracionalidade inconformista eram adágios que seguiam seus passos. Anos atrás fracassara, por sorte não morreu; agora estava de volta, mas o mundo era outro, e o fracasso seria ainda mais retumbante. As pessoas não eram mais as mesmas, e ninguém entenderia palavras tão fora de moda como igualdade, liberdade, justiça. E Hernandes, será que preservava os antigos ideais? Aquele encontro ligeiro não fora conclusivo. Toda aquela conversa sobre os li

Projeto. IV

"Parece que estas pastilhas foram desenvolvidas para solucionar a escassez de alimentos. Mas são produtos que interferem na cognição, atrapalham a formação da linguagem; é perfeito para impedir o processamento crítico de informações. Consciente ou não, o governo encontrou uma ótima forma de cercear o pensamento. Aparentemente a solução para domesticar a rebeldia, apaziguar os ânimos fugiu do controle, e a longo prazo afetará a todos." "Aonde quer chegar?" "Estou apenas refletindo. Olha bem Beto, a linguagem serve para interpretarmos a realidade, é uma ferramenta que conecta o sujeito ao mundo externo. Imagine um homem com a missão de cavar um buraco. Se ele possui apenas as mãos seu trabalho será árduo, e dificilmente conseguirá revolver grande quantidade de terra. Irá se limitar à feitura de buracos pouco profundos. As dimensões possíveis seriam rasas. Ele se limitaria ao praticável, com o tempo sequer conceberia a ideia do grande buraco. Suponha que este