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Uma Noite ao Luar na companhia de Schumann




Estou lendo um romance monumental, a cada frase, expressão ou sentença sinto-me desafiado; venho aprendendo muito, enriquecendo meu vocabulário e recebendo aulas genuínas de estruturação textual e exposição de ideias. Thomas Mann é fantastico, só não digo que ele é o "cara" porque ficaria redundante; "mann" em alemão significa homem. Aliás se Barack Obama elogiá-se o escritor ouviríamos uma frase rítmica quase monofônica: "Mann you are our man" a tradução da mesura para o idioma tedesco ficaria ainda mais estranha ou constrangedora: "Mann Du bist unser Mann". 

Não obstante estas informações insípidas, meu objetivo, ao retornar ao meu blog, é postar algo que vem, nos últimos dias, enternecendo meus sentidos. Tenho escutado diariamente as melodias etéreas de Robert Schumann; a exultação sensorial produzida pelas suaves notas musicais do pianista, têm transformado minha percepção auditiva em afáveis receptáculos de encantamento. Escutar cheiros, cores, brilho, formas, lágrimas, dor, paz e felicidade é quase uma rotina para meus ouvidos; graças ao artista alemão pude e ainda posso estimular a beleza que há dentro de mim. 

Meus agradecimentos poderiam ser direcionados para três artistas distintos; antes que digam que estou louco, devo esclarecer que o responsável pela minha nova descoberta musical é o escritor mencionado no início deste comentário; como dito, estou lendo um romance, trata-se da obra prima "Doutor Fausto". O livro, narrado pelo personagem Zeitblom, conta a trajetória do músico Adrian Leverkühn; o narrador, amigo íntimo do protagonista, em capítulos formalmente brilhantes disseca conteúdos fantásticos sobre a música erudita, narrando, com perfeição, alguns episódios relevantes que deram origem aos clássicos de Beethoven, Mozart, Händel e, è claro, do próprio Schumann. Eu, como um bom e curioso leitor, a cada nova informação musical adentro, para transformar palavras em ondas sonoras, no nosso precioso e insubstituível youtube.

O estranho é que a uns dois anos atrás, quando lia "A Imortalidade" de Milan Kundera, fui incentivado a ouvir o compositor alemão. No romance um personagem comenta que quem ama Schubert odeia Schumann e vice versa, na época me apaixonei pelo primeiro e não tive qualquer sensação enlevadora com o segundo, parecia, dada as circunstâncias, correta a observação do personagem. Não preciso reafirmar meu deslumbramento diante das músicas de Schubert, eu, inclusive, já o homenageei neste blog; mas hoje irei, com toda a paixão, dizer que é possível flertar, sem medo de qualquer traição, com os dois artistas; posso ser casado com Schubert e manter relações extraconjugais com Schumann, tenho certeza que eles não são ciumentos e entenderão este dúbio envolvimento amoroso como uma necessidade fisiológica.

Antes de terminar estas breves linhas, gostaria apenas de deixar neste espaço minha admiração aos imortais homens citados; todos, a exceção do tcheco Kundera, alemães. Para não ser injusto e incoerente com um dos parágrafos anteriores, devo lembrar do grande poeta Joseph von Eichendorff autor da poesia "Mondnatch" inspiradora da belíssima composição disponibilizada duplamente, em vozes femininas e masculinas, abaixo:



Não poderia negligenciar a poesia, que, além de ter inspirado Schumann, é belíssima. Infelizmente não sei de quem é a tradução, peço perdão aos leitores e principalmente ao tradutor; achei a poesia na internet sem qualquer referência aos autores, estou apenas reproduzindo o que encontrei.


Mondnacht

Es war, als hätt'der Himme
Die Erde still geküsst,
Dass sie im Blütenschimmer
Von ihm nur träumen müsst.

Die Luft ging durch die Felder,
Die Ähren wogten sacht,
Es rauschten leis die Wälder,
So sternklar war die Nacht.

Und meine Seele spannte
Weit ihre Flügel aus,
Flog durch die stillen Lande,
Als flöge sie nach Haus.



Noite de luar

Era como se tivesse o céu
Beijado silenciosamente a terra
Para que ela na luz irradiante das flores
Só sonhasse com ele.

A brisa soprava através dos campos,
As espigas ondulavam suavemente,
Os bosques murmuravam docemente,
Tão clara de estrelas estava a noite.

E a minha alma estendia
Amplamente as suas asas,
Voava através da natureza silenciosa
Como se voasse para casa.


Por último deixo uma versão apenas instrumental da criação de Schumann, ela é indescritivelmente bela, conseguiu arrancar sinceras lágrimas dos meus emotivos olhos.





FG

Obs: A frase em alemão no início da postagem é fruto das aulas básicas (ou melhor teletubbies) disponibilizadas pelo divertido site Live Mocha.
Se a pessoa que vinha, a meses atrás, postando comentários no link do Lord Byron ler esta observação, peço que visite o post do poeta inglês. Depois de algum tempo respondi seu último comentário, apenas hoje descobri a sua existência; peço, portanto, desculpas.

Comentários

  1. Ola rapaz do Kundera haha ,coincidentemente entrei no blog hoje para pesquisar um bom livro para um trabalho de aprofundamento em literatura e me deparei com essa matéria nova.Confesso que nao sou boa entendedora da teoria e historia da mussica classica mas sei apreciar profundamente essa arte.E a poesia que postou é igualmente bela.Sobre o livro ao qual me referi ,este se chama "O livro do riso e do esquecimento"... bem ao estilo do Milan misturando politica,existencialismo,relaçoes interpessoais/amor,e morte.Particularmente,embora tenha sido escrita antes da Insustentavel leveza do ser ,achei a obra mais madura,e se no outro livro o autor traz a tona o "kitsch" , no livro do riso e do esquecimento ele fala sobre a "Litost" segundo o autor intraduzivel,porem amplamente exemplificada ao longo do livro..e eu adoro esses neologismos.. hahaComo tema central,riso e esquecimento abordagem maravilhosa,personagens complexos e recheado de filosofia e historia.(Confesso que me identifiquei tanto com o autor e com as tramas que estou fascinada com a historia da Tchecoslovaquia.. ah eu nao sei qual impressao os livros dele te passam,mas me fazem querer pertencer ou ao menos conhecer aquele povo)Continuo procurando a Imortalidade pelos quatro cantos da cidade haha assim que encontra-lo e terminar a obra venho aqui comentar,assim como outros livros do Milan(que a proposito esta vivo,fez aniversario recentemente haha)que eu encontrar por ai.
    Sempre otimo dialogar contigo escritor(nao deixe as intemperanças da vida te fazerem parar de escrever) até qualquer post,tenha uma boa semana =)

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    1. Olá. Li a algum tempo atrás "O Livro Do Riso e Do Esquecimento", mas minha memória não é muito boa e confesso que tenho dificuldades pra lembrar até mesmo o enredo do romance. Acho que o livro trazia várias estórias paralelas que no fim guardavam alguma relação.
      Assim como você, fico fascinado com o ambiente e as pessoas narradas em um bom livro; se o futuro for bondoso comigo pretendo algum dia visitar Praga, que, além de ser uma das cidades mais belas da Europa, respira cultura.
      Eu poderia te emprestar "A Imortalidade", mas como não sei a sua cidade, que provavelmente, dada a dificuldade de encontrar um livro relativamente famoso, é algum vilarejo recôndito, isolado e esquecido (hahaha), não posso me comprometer com esta promessa; no entanto tenho certeza que irá encontrá-lo em breve.
      Obrigado pelo novo comentário e pelo apoio, tentarei atualizar com mais frequência o blog; abraço.

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  2. Haha nem tao vilarejo assim,considero até uma cidade de médio porte, Volta Redonda,no interior do rio...Mas irei procurar com afinco na biblioteca municipal e nas demais livrarias e sebos de livros usados tenho certeza que encontrarei..Interessantissimo seu ultimo post sobre direito e vem a calhar com meu atual desespero por escolher uma carreira...dentre as minhas possiveis escolhas finalmente cheguei a um dilema entre medicina(na verdade me interesso pela area psiquiatrica) e direito, faculdade que julgo poder ser complementada por um curso de psicologia no futuro...Creio que voce possa me dar um parecer util,conheço muitos advogados, mas quase nenhum idealista que consiga se enquadrar no mercado mantendo-se alheio as corrupçoes e praticando o que gosta sem transgredir seus proprios valores...Sera que é possivel?Quais grandes areas de atuaçao permitem que exerçamos a profissao com liberdade pessoal? Mas uma vez obrigada,sempre bom dialogar com seu blog,postagens sao sempre pertinentes e interessantes =)

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    1. Olá; conheço Volta Redonda, tenho um amigo que é daí. Realmente não é uma cidade tão pequena, não sei quais são os seus atrativos, mas parece ser um local agradável de se viver.
      Acho que não sou a pessoa certa para aconselhá-la sobre carreiras profissionais; confesso que até hoje tenho dúvidas sobre minha escolha. Se você pretende fazer medicina, espero que goste bastante de biologia, é um erro decidir o curso tendo em vista apenas um suposto futuro profissional. O curso de Direito é interessante, porém, principalmente nas disciplinas mais profissionalizantes, perdemos o contado com teorias mais gerais e abstratas em detrimento da análise técnica e instrumental da lei, esta habilitação permite, aos futuros advogados, o manejo das regras do nosso jogo social. A grande verdade é que os estudantes de Direito estudam primeiro os mecanismos de funcionamento das nossas instituições e a relação Estado sociedade, para depois aprenderem a manipular as regrinhas processuais ou não destes órgãos. Saber como funciona o "sistema" tendo a possibilidade de utilizar este conhecimento para fins indeterminados é o que corrobora para o desviu ético de alguns profissionais da minha área.
      Se você gosta de ler as instruções de um jogo antes de jogá-lo terá facilidade em se envolver com as disciplinas jurídicas. Confesso que sempre preferi jogar e ir entendendo as regras com o decorrer do tempo, talvez por isso a maior parte das matérias que sou obrigado a cursar tem sido chatas e maçantes.
      Sinceramente não vejo muito campo unindo o Direito e a psicologia; na área penal talvez, mas é uma relação muito pouco explorada no decorrer do curso.
      Se você realmente gosta de psicologia pode optar por esta carreira, sei que os profissionais da área são pouco valorizados, e isto pode ser um entrave; outra possibilidade é conciliar dois cursos (Medicina - Psicologia ou Direito - Psicologia) não sei. Acho apenas que a escolha da carreira profissional deve levar em conta nossas predileções, para evitar que os cinco anos de faculdade não vire um martírio insuportável. Pense bem e siga sua intuição, às vezes racionalizar em demasia prejudica nossas escolhas.
      Obrigado pelo novo comentário e boa sorte em suas vindouras decisões; abraço.

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