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Pier Paolo Pasolini



A raiva

(...)

Por que não reajo, por que não tremo
de alegria ou gozo de pura angústia?
Por que não sei reconhecer
este antigo nó de minha existência?
Eu sei: porque em mim já se fechou o demônio
da raiva. Um surdo, fosco, minúsculo
sentimento que me envenena;
esgotamento, dizem, febril impaciência
dos nervos: mas já não se liberta a consciência.
A dor que pouco a pouco de mim me aliena, 
se me abandono apenas, 
desprende-se de mim, rodopia independente, 
pulsa desgovernada em minhas têmporas,
me enche o coração de pus,
e já não sou mais dono de meu tempo...

Nada, antes, poderia me vencer.
Eu me encerrara em minha vida como no ventre
materno, neste ardente
cheiro de rosa humilde e molhada.
Mas lutava por sair, lá na província
campestre, poeta aos vinte, sempre, 
sempre a sofrer desesperadamente,
desesperadamente a exultar... A luta acabou
em vitória. Minha existência privada
já não se encerra entre as pétalas duma rosa
- uma casa, uma mãe, uma paixão tormentosa.
É pública. E até o mundo que me era alheio
de mim se aproxima, familiar,
e se deu a conhecer, pouco a pouco,
amim se impondo, necessário, brutal.

Não posso agora fingir que o desconheço:
ou não saber de que modo ele me quer.
Que espécie de amor
importa neste laço, que acordo infame.
Não queima uma chama neste inferno
de aridez, e este árido furor
que impede meu coração
de reagir a um perfume é um destroço
da paixão... Já beirando os quarenta anos
eu me vejo na raiva, como um jovem
que de si só conhece a novidade,
e se encarniça contra o velho mundo.
E assim, como um jovem, sem piedade
ou pudor, eu não escondo
meu estado: eu jamais vou ter paz.


La rabbia

(...)

Perché non reagisco, perché non tremo
di gioia, o godo di qualche pura angoscia?
Perché non so riconoscere
questo antico nodo della mia esistenza?
Lo so: perché in me è ormai chiuso il demone
della rabbia. Un piccolo, sordo, fosco
sentimento che m'intossica:
esaurimento, dicono, febbrile impazienza
dei nervi: ma non ne è libera più la coscienza.
il dolore che da me a poco a poco mi aliena,
se io mi abbandono appena, 
si stacca da me, vortica per conto suo,
mi pulsa disordinato alle tempie,
mi riempie il cuore di pus,
non sono più padrone del mio tempo...

Niente avrebbe potuto, una volta, vincermi.
Ero chiuso nella mia vita come nel ventre
materno, in quest'ardente
odore di umile rosa bagnata.
Ma lottavo per uscirne, là nella provincia
campestre, ventenne poeta, sempre, sempre
a soffrire disperatamente,
disperatamente a gioire... La lotta è terminata
con la vittoria. La mia esistenza privata
non è più racchiusa tra i petali dúna rosa,
- una casa, una madre, una passione affannosa. 
È pubblica. Ma anche il mondo che m'era ignoto
mi si è accostato, familiare,
si è fatto conoscere, e, a poco a poco, 
mi si è imposto, necessario, brutale.

Non posso ora fingere di non saperlo:
o di non sapere come esso mi vuole. 
Che specie di amore
conti in questo rapporto, che intese infami.
Non brucia una fiamma in questo inferno
di aridità, e questo arido furore
che impedisce al mio cuore
di reagire a un profumo, è un rottame
della passione... A quasi quarant'anni,
io me trovo alla rabbia, come un giovane
che di sé non sa altro che è nuovo,
e si accanisce contro il vecchio mondo.
E, come un giovane, senza pietà
o pudore, io non nascondo
questo mio stato: non avrò pace, mai.


Trecho do poema "La rabbia" do livro "La Religione del mio Tempo" de Pier Paolo Pasolini, retirado do livro "Pasolini poemas" da editora CosacNaify com tradução de Maurício Santana Dias

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