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A Fábula do Mentecapto



- Conheces a Antuérpia? Cidade das mais belas. Tive o prazer de conhecer Miller; nosso jovem e magistral escritor Henry Miller, naquele paraíso belga - disse o pequeno mentecapto antes de tragar sua cigarrilha.

- Miller!? Ele já esteve na Antuérpia!? Lembro-me de ter conversado sobre viagens com ele. Se me recordo, jurou de pé junto que nunca esteve lá. Aliás, na ocasião me pediu descrições detalhadas dos flandres para poder incluir na primeira edição do "Trópico de Câncer". Relatei os mínimos detalhes daquele lugar paradisíaco; as gôndolas, as mulheres, os artistas - respondeu o grande mentecapto, bebericando chistoso sua dose de whisky.

- Talvez tenha me enganado, mas não me lembro de nenhuma gôndola quando estive na Antuérpia.

- Só as melhores, mais ornamentadas e perfeitas da Europa.

- Andaste em alguma delas?

- Nunca estive na Antuérpia.

- Ora! Então como a descreveu ao nosso amigo escritor?

- Imaginei, meu querido; apenas imaginei. A Antuérpia é tão bela, charmosa e sombria quanto os contornos plúmbeos do seu cigarro. Quando traga a fumaça, um pedaço dela se desenha e Miller; nosso jovem e magistral escritor Henry Miller, conversa à soleira dos meus andrajos.

- Tu és infame, um mentiroso que se entrega a enxovalhos. Por acaso conhece Miller? já conversou com meu nobre amigo?

- Ultimamente, todos os dias; mas não me peça quaisquer recados, sou muito ocupado para me entreter com amigos de ajudantes. Se quiseres uma dose de Miller, beba e largue este cigarro.

Após o comentário imperativo, o grande mentecapto ofereceu, em tom sardônico, o drink que trazia em mãos; o pequeno mentecapto, no entanto, recusou; não quis trocar sua dose de cigarro, por tragos e esfumaços de whisky engambelado.

FG  

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