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O Retrato de Dorian Gray - Oscar Wilde



Semana passada fui, ao ler o clássico de Oscar Wilde, presenteado por bons momentos de inutilidade artística. A linguagem formalmente aveludada, sem grandes obstáculos que dificultam a caminhada sobre a superfície da estória, facilita e impulsiona a leitura do romance. A companhia das palavras do escritor irlandês é agradabilíssima; tudo, até mesmo sentenças abjetas deglutidas por alguns personagens, é suntuoso, encantador, charmoso, elegante, irresistível e nobre. Por alguns momentos sentimos vontade de participar daqueles colóquios, encontros e festas, temos, não raras vezes, necessidade de ouvir, tocar, abraçar quase todos os pedacinhos magistrais do delicioso, imoral e irônico enredo. Nunca irei me esquecer da elegância e do cinismo de Lorde Henry; ele é o típico personagem que, de tanto odiar, amamos. Durante a leitura fui grifando as melhores partes do romance, aquelas que me faziam congelar o espírito com risadas ou assombro; ao final, todas as linhas humilhadas pela ponta do meu grafite eram, para minha esperada surpresa, extraordinárias falas do delicioso personagem. Lorde Henry, mesmo sendo vil, preconceituoso, libertino, amoral, hipócrita, incoerente, tinha o magnetismo da sedução; ele falava, falava muito e com prazer. Eis algumas geniais bobagens que o caracterizava:

(...)quanto a crer nas coisas, creio em todas elas, desde que sejam inteiramente inverossímeis.”

A consciência e a covardia são, na realidade, a mesma coisa, Basílio. A consciência nada mais é que a firma dessa razão social.”

Faço grande diferença entre as pessoas. Escolho meus amigos por sua boa aparência, meus simples conhecidos por seu bom caráter e meus inimigos por sua boa inteligência.”

(...)o valor de uma ideia nada tem a ver com a sinceridade da pessoa que a expressa. Na realidade, as probabilidades são de que, quanto mais insincero é o homem, mais puramente intelectual a ideia será, uma vez que, naquele caso, não estará colorida por nenhuma das necessidades, dos desejos ou dos preconceitos dele.”

É triste admiti-lo, mas não se pode duvidar de que o Gênio dura muito mais que a Beleza. Isso explica por que nos empenhamos tanto em instruir-nos.”

Toda influência é imoral... imoral do ponto de vista científico.”

(...)é esse um dos segredos da vida: curar a alma por meio dos sentidos e os sentidos por meio da alma.”

A única diferença que há entre um capricho e uma paixão eterna é que o capricho dura um pouco mais.”

As mulheres são um sexo decorativo. Não têm nada a dizer, mas dizem-no de um modo encantador. As mulheres representam o triunfo da matéria sobre a inteligência, exatamente como os homens representam o triunfo da inteligência sobre os costumes.”

Meu caro amigo, os que não amam senão uma vez na vida são os verdadeiros superficiais. Os que eles chamam lealdade e fidelidade eu chamo a letargia do costume ou a falta de imaginação. A fidelidade é, para a vida emocional, o que a estabilidade é para a vida intelectual: uma simples confissão de fracassos. Fidelidade! Algum dia vou analisá-la. Acha-se nela a paixão da propriedade. Há muitas coisas que abandonaríamos se não temêssemos que outros as apanhassem.”

As mulheres, como disse algum francês de muito espírito, inspiram-nos o desejo de produzir obras-primas, e impedem-nos sempre de levá-las a cabo.”

Adoro o teatro é muito mais real que a vida.”

Existem apenas duas classes de pessoas verdadeiramente fascinantes: as que sabem absolutamente tudo e as que não sabem absolutamente nada.”

Quando procuramos sobressair, criamos sempre inimigos. Para ser popular é necessário ser medíocre.”

A paixão romântica vive através da repetição, e esta transforma o desejo em arte. Além disso, quando se ama, é como se fosse a primeira e única vez. A diferença de objeto não altera a unidade da paixão. Pode somente intensificá-la. Durante nossa existência, não costumamos ter senão uma grande experiência. O segredo da vida consiste em repeti-la o maior número de vezes possível.”

Todo crime é vulgar assim como toda a vulgaridade é um crime(...) O crime é propriedade exclusiva da classe baixa. E não a censuro por isso. Imagino que o crime é para ela o que a arte é para nós: simplesmente um meio de alcançar novas sensações.”

Qualquer coisa pode proporcionar prazer, quando a repetimos com muita frequência(...) Este é um dos mais importantes segredos da vida.”

Se um homem encara a vida de um ponto de vista artístico, seu cérebro passa a ser seu coração.”

Ufa. Já estou exausto, no entanto transcrever as falas foi um deleite reconfortante. Agora, os leitores que ainda não conheciam o romance terão de concordar comigo, Lorde Henry é genial e grotesco, garboso e vulgar, cínico e sincero; é um irresistível e indecifrável paradoxo. Só suas frases já valeriam, não obstante o magnífico enredo, o livro inteiro.

Antes que me esqueça, devo resumir a obra, afinal, este texto é uma resenha, e para não fracassar, antecipadamente, devo desvelar a superfície da estória. Muitos devem conhecer o mote do romance; o jovem Dorian Gray, incutido pelo inigualável Lorde Henry, faz um pacto; promete a própria alma caso seu retrato, pintado pelo amigo e admirador Basílio Hallward, envelheça em seu lugar. Os dois primeiros capítulos, brilhantes, narram o primeiro encontro do ainda ingênuo Dorian Gray com Lorde Henry. Sedutor, o aristocrata, comprovando as melancólicas previsões de Basílio, corrompe o caráter do jovem protagonista, e, indiretamente, torna-se responsável pela degradação moral que destruirá a trajetória do personagem-título.

O livro prossegue, e capítulos adiante Dorian se apaixona. Em um despretensioso passeio noturno pelas ruas de Londres, o belo rapaz conhece, em um macilento teatro mal frequentado, Sibyl Vane, atriz extraordinária em beleza e talento. Promete-lhe casamento e um futuro de princesa, mas, após uma medíocre interpretação de Julieta, célebre heroína shakespeariana, rompe seu compromisso, humilha a mulher, mostrando-se mesquinho, ignóbil e covarde. Na mesma noite, Sibyl se mata, e a bela pintura, em resposta ao seu desviu moral, começa a envelhecer. Desesperado, após a tragédia, Dorian, com o incentivo de Lorde Henry, rapidamente se recupera; vira um libertino. Os anos passam e o quadro, já escondido de qualquer olhar alheio, apodrece; Dorian, no entanto, conserva a juventude, a beleza e a cândida face de menino ingênuo. Aos 38 anos, ostentando a fronte de 20, o passado volta a atormentá-lo; seu retrato, já completamente decomposto, era o espelho da sua própria alma, refletia suas incalculáveis imoralidades.

Para quem não leu e gostaria de ler o livro aconselho pular este parágrafo, pois muitos spoliers serão revelados. Feito a advertência, continuemos. O primeiro clímax do romance ocorre com o assassinato de Basílio. Dorian, autor do crime, chega ao ápice da barbárie e inicia sua passagem para o inferno*. Auxiliado pelo “amigo”** (Alan Campbell, químico especialista em transformar matéria em pó), o assassino livra-se da punição institucional; contudo sua alma, enclausurada, exsudaria em putrefação. Mais adiante o marinheiro irmão de Sibyl, que jurava vingar a irmã, encontra Dorian. Ele, na iminência de concretizar seus planos, é ludibriado pela juventude do rapaz, o algoz de sua irmã não poderia aparentar apenas 20 anos. A primeira e mais clara chance de vingança acaba frustrada, a segunda terminaria em morte. Dias depois, na propriedade rural de Dorian, o marinheiro, escondido entre arbustos, é, durante uma caça esportiva, acidentalmente atingido por tiros de espingarda, morrendo a metros de distância do pernicioso protagonista. De volta à cidade, Dorian Gray não resiste mais à fealdade decomposta de seu retrato, apunhala sua alma e morre envelhecido. A pintura, tantos anos escondida, volta a ser bela.

Ufa novamente, um rápido resumo já acalma meu espírito; daqui alguns anos, quando quiser relembrar o enredo, tenho certeza que os estouvados parágrafos acima serão suficientes para reavivar minha memória. Talvez eu releia o romance em um futuro próximo. Fiz uma pesquisa na internet sobre a tradução que tive acesso e descobri que, entre as inúmeras disponíveis, escolhi a pior. A autora de um excelente blog sobre traduções*** critica com violência o trabalho de Oscar Mendes. Estranho, pois gostei bastante da linguagem do romance, cheguei, inclusive, a procurar na biblioteca, para efeito de comparação, outra edição ( LP Pocket) traduzida por um autor diverso; reli o primeiro capítulo, e se fosse escolher entre os dois, ficaria, sem dúvida, com Mendes. Enfim, acho que isto não vem ao caso, mas, como já foi escrito, parafraseando Dostoiévski no curioso prefácio do clássico “Os Irmãos Karamázov”, manterei as palavras como estão. Aliás, um dos fatores que me motivaram a voltar, depois de tanto tempo, a deglutir torpes impressões sobre obras literárias, está intimamente relacionado com a leitura do romance russo. Como é presumível, estou atônito e admirado pelo livro; tão envolvido pela trama que ontem cheguei a pensar: seria um pecado não esboçar algum comentário, mesmo medíocre, sobre a monumental obra. Entrei no blog e reli um texto bem antigo, a resenha de “O Idiota”; fiquei internamente enrubescido pela má qualidade do texto, confuso e um pouco mal escrito. No entanto foi divertido recordar superficialmente detalhes da trama, várias construções mentais, escondidas em lugares obscuros da minha memória, ressurgiram em meus pensamentos. Consegui, em júbilo, relembrar o inesquecível rosto de Agláia; raras vezes minha imaginação atingiu tamanha perfeição estética ao construir mentalmente um personagem. Depois do reencontro decidi: “Os Irmãos Karamazóv” não passará em branco, algo será escrito sobre ele. Hoje, enquanto lia as quase mil páginas de Dostoiévski, pensei: vou exercitar a escrita, Oscar Wilde merece a lembrança. Foi assim que este texto surgiu.

“Hamlet”, até então, fora a última obra analisada. De lá pra cá foram muitas leituras, alguns clássicos como “Ilusões Perdidas” de Balzac, “A Cartuxa de Parma” de Stendhal, “Doutor Fausto” de Thomas Mann, “Luz em Agosto” de Falkner, “Khadji-Murát” de Tolstói, “O Processo” de Kafka, entre outros. Estes livros não ganharam textos, e agora, diante da negligência, me arrependo; em breve minha desgastada memória se encarregará de eliminá-los, terei de me contentar com a tênue satisfação de ter apreciado grandes obras.

Desculpem-me leitores, sou mestre em desviar o assunto, esta sempre foi minha principal estratégia de escrita. No entanto não posso exagerar; devo, antes de terminar esta postagem, voltar ao que interessa. Já comentei, em um texto anterior, sobre o prefácio do livro****, nele Wilde adverte que toda arte é ao mesmo tempo superfície e símbolo. Já desenhei um esboço sobre a superfície, falta o símbolo.

Assim como Dorian Gray, escondemos nossos desvios morais, não compartilhamos pensamentos perniciosos e tentamos evitar condutas abjetas em público. Para conviver em sociedade, usamos máscaras; todos desconhecem a repugnância do caráter alheio, e se o espelho refletisse a alma, não reconheceríamos nosso próprio rosto. Há beleza somente sobre os seres misteriosos. A verdade, o conhecimento não podem ser suportados, quanto mais distante menos ignóbil.

Dizem que o ignorante é o mais feliz; para ele o acender de uma lâmpada já é um milagre, tudo, em sintonia a sua incompreensão, é belo, perfeito, divino. Wilde, com outras palavras, diz que a ciência não pode ser apreciada. Quando existe alguma possibilidade de explicação, a beleza evapora; apenas o inexplicável ou inútil merece a consternação de nossos olhos. A arte e talvez o amor são belos porque não podem ser explicados.

Não obstante as estranhas reflexões dos últimos parágrafos, talvez o livro não fomente a elucidação do fenômeno artístico, suas pretensões provavelmente são mais modestas. Eis a pergunta capital do romance: “a arte pode ser censurada?” Vejamos. O comportamento é amoldado a padrões moralmente impostos pela sociedade. Esta moral construída historicamente é o fator preponderante na resolução da equação estética de nossas vidas. Quando mais distante do ideal ético, mais repugnante nos tornamos. Fazendo uma analogia ou remição à obra, podemos dizer que Dorian Gray, imiscuído à moral de sua época, transformou-se em um monstro; seu retrato era o reflexo da degradação da sua alma. Entrementes, temos de lembrar, a pintura de Basílio era uma grande manifestação artística, com a morte do ímpio protagonista ela readquire beleza. Ao contrário da vida e do modelo inspirador, o quadro, assim como a arte, é eterno. Ainda no prefácio, Oscar Wilde diz que a arte reflete o espectador. Enquanto Dorian vivia, seu retrato refletia seu caráter; com a sua morte, novos espectadores poderiam ter o prazer de apreciar a pintura; esta voltaria a ser bela.

Não sou nenhum especialista na obra de Oscar Wilde, entretanto, após ler a última frase do seu único romance, sinto-me encorajado em afirmar a beleza incomparável do escritor irlandês. Em seus lábios a imoralidade, o sadismo e a corrupção, quando bem reproduzidas esteticamente, devem enfeitar os espaços vazios de qualquer obra de arte; afinal, esta não reconhece regras sociais ou padrões de conduta. Vale lembrar que a apreciação artística é uma atividade genuinamente individual, ninguém compartilha as mesmas sensações ou os mesmos pensamentos sobre determinada obra; aos olhos de cada leitor existe, no deleite estético, uma originalidade intransmissível; todos os livros que lemos são nossos e de mais ninguém. Não há, portanto, uma hermenêutica do belo, sendo assim também não deve haver censura ética em atividades essencialmente dedicadas a homenagear os sentidos; a arte, sobretudo a verdadeira, tem por finalidade negligenciar todos os parâmetros inventados pela moral.  

Avaliação: 9,0/10

FG    


Obs: * frase tosca nem um pouco original, porém divertida.
** provavelmente ex-amante; a obra de Wilde tem muita conotação homossexual, basta lembrar que o autor não fazia questão, mesmo no século XIX, em esconder suas preferências sexuais.
*** pra quem quiser conferir, acesse o link: (sobre as traduções de Oscar Wilde)

Comentários

  1. Ola Felipe,finalmente voltou com as postagens haha nao abandone o blog,pois também nao gostaria de abandonar essas leituras tao pertinentes..Sobre o retrato de Dorian Grey o livro é realmente fantastico assim como as 2 versoes que se transfomaram em filme,embora eu tenho definitivamente preferido a primeira versao....O que me traz aqui é uma nova obra do Milan Kundera que encontrei num acaso maravilhoso em uma feira de trocas ,ou "feira da gratidao" como eles chama que ocorre em minha cidade..O livro que achei ,foi "Risiveis Amores" ele segue a abordagem classica do autor,embora eu tenho considerado a obra menos substancial que as outras dois que tive a oportunidade de ler..é realmente dificil encontrar obras do genial Milan porai mas a cada dia mais encontro em inumeros blogs,redes sociais de livros (skoob),afficionados pelas obras e ideias do autor... A proposito venho lhe pedir uma indicaçao de um livro que seja util a quem precisa tomar decisoes... Obrigada desde ja ,até breve!

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    Respostas
    1. Olá!
      Não irei abandonar o blog, mas também não posso garantir postagens frequentes e regulares. Mesmo desmotivado, é um alento e um grande incentivo saber que ao menos uma pessoa aprecia minhas bobagens e comentários duvidosos.
      Nunca assisti as adaptações do romance, sei que existem três, uma da década de 40, outra dos anos 70 e uma última mais recente de 2009. Fiquei curioso e talvez assista qualquer dia desses os filmes, no entanto as adaptações dos grandes clássicos da literatura geralmente são péssimas; aliás, para não comprometer minhas experiências, tenho evitado assistir este tipo de filme antes de ler os livros.
      "Risíveis Amores" é outro livro do Kundera que tenho na minha pequetita biblioteca em formação. Li a algum tempo e gostei bastante, alguns contos são excelentes. "A Imortalidade", livro que você tanto procura, também é um dos exemplares da minha coleção, todos os quatro livros do escritor que possuo foram comprados no sebo aqui de JF; o estranho é que foi muito fácil encontrá-los, por isso fico espantado com o seu martírio em adquirir boa literatura em sua cidade. Um conselho: compre livros pela internet, o site estante virtual oferece muitas opções de sebos e livrarias do Brasil inteiro, os preços variam muito e sempre é possível encontrar livros bem baratinhos.
      Ah... não respondi seu último comentário porque só fui descobrir que ele existia a pouco tempo. Quando alguém comenta os textos do blog, eu não sou notificado; dessa forma, preciso ficar conferindo se há ou não algum comentário publicado.
      Livro útil para tomar decisões? Não faço ideia, só não aconselho livros de auto-ajuda; os gibis da turma da Mônica certamente possuem maior qualidade do que estes Augustus Curys da vida, passe longe dessas excrescências literárias.
      Leu Erich Fromm? O que achastes?
      Morango Silvestre é magnífico, aliás Bergman é magnífico. Se ainda não assistiu, assista A Hora do Lobo, você irá gostar.
      E só pra não dizer que eu não dei nenhuma dica de livro, leia Dostoiévski, qualquer livro dele vale à pena; não sei se irá ajudá-la a tomar decisões, mas...
      Abraço e até a próxima.

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