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Parsifal - Richard Wagner




Onde está Parsifal? Parsifal, após um período soturno, voltou, trazendo minha salvação.”

Este texto não é uma análise crítica da obra de Wagner, se me propusesse a realizar tamanho empreendimento assumiria o provável risco da mediocridade, e tal atitude seria tola, imprudente, insana e pretensiosa. Nunca havia assistido a uma ópera e, portanto, sou incapaz de comentar objetivamente esta nova experiência artística, caso ousasse em escrever algo similar, minhas frases seriam tão incôngruas quanto àquelas oriundas de resenhas literárias, cujo os autores são sujeitos que não possuem qualquer contato substancial com os grandes clássico; para comentar James Joyce ou Marcel Proust, por exemplo, temos, no mínimo, de preencher nossa cultura com alguns exemplares de relevante valor literário.

Apesar das considerações feitas no parágrafo anterior, me sinto completamente capaz de expressar, com palavras, minhas sensações, angústias e pensamentos que incutiram meus espírito durante a tarde de ontem, quando tive o prazer de vencer o tédio e assistir cinco horas e meia de intermináveis cantorias. Minhas próximas frases podem ser enquadradas dentro de um gênero adorável que ainda não publiquei neste blog; tentarei escrever uma crônica sobre a ópera do grande artista alemão, desde já peço desculpas caso meu texto não consiga alcançar meus objetivos previamente anunciados.

Tudo começou quando descobri que a obra “Parsifal” seria apresentada em Juiz de Fora. Uma montagem homérica com grandes músicos, tenores e sopranos (não conheço nenhum, mas, pela pompa da produção, pressuponho que eles sejam famosos, talentosos e incríveis), realizada em Nova York e transmitida ao vivo para diversos países, foi, aos meus olhos, um convite tentador e irrecusável, iria de qualquer forma; mesmo doente, sozinho, cansado ou machucado não perderia o espetáculo por motivo algum. Comprei, com muita antecedência, dois ingressos e um deles seria oferecido a uma acompanhante. Tinha a pessoa certa para convidar, mas a vergonha e o medo da recusa adiaram o pedido, no entanto, após a coragem oriunda de coincidências saborosas e inefáveis, assumi o risco de convidá-la, e para minha surpresa ela aceitou; não poderia ter ficado mais feliz. Estava tranquilamente ansioso, mas sábado, quando o momento de meu encontro se aproximava, o nervosismo tomou conta de todos os meus pensamentos, sensações e sentidos; desta vez estaria sóbrio, meu companheiro de noitada e outras festas, o álcool, não me auxiliaria na censura de minha própria timidez. Como de praxe me atrasei um pouquinho*, quando cheguei ela já estava lá me esperando, minha demora provavelmente a incomodou; não sei, talvez seja apenas uma falsa impressão, mas percebi um ligeiro nervosismo nos olhos, indescritivelmente encantadores, dela. Entramos, um pouco de conversa para quebrar o clima ligeiramente desconfortável me tranquilizou, aliás naquele momento notei que não precisaria interpretar uma falsa personalidade e nem mudar meu tom de voz, poderia assumir minha verdadeira persona; ela me dava liberdade em ser tímido, melindroso e verdadeiro, a doçura de seus gestos, palavras e sorrisos formavam um espectro agradável, atilado e garboso; mesmo com alguma dificuldade em me expressar, o que era natural e esperado, me senti, ao lado dela, confortavelmente feliz.

O espetáculo começou, veio a dúvida: “e se não houver legendas, como compreender o alemão?”, por sorte as legendas estavam lá solidarias e tranquilizadoras. O belíssimo prelúdio enterneceu meus sentidos, minha expectativa era grande, estava depurado, ao lado de uma pessoa encantadora, assistindo a ópera de um personagem especial, feliz e esperançoso; tudo declinava ao meu favor, no entanto a demora do primeiro ato, a estranheza - fruto do meu próprio despreparo cognitivo – diante dos intermináveis diálogos cantarolados, a exaustiva repetição e a falsa teatralidade de situações incomuns e às vezes incompreensíveis foram responsáveis pelo meu ligeiro fastio; ao contrário do início promissor, o desenvolvimento da estória se mostrou massante e enfadonha; ao final, contava os minutos para o intervalo, já estava morrendo de vontade de conversar mais um pouco. Quando as cortinas se fecharam e vieram os aplausos fiquei aliviado, deveria pensar em algo para dizer, contudo deixei que nosso diálogo caminhasse naturalmente. Fui ao banheiro e fiz algo que não faço: comprei pipoca, muita pipoca, e, para acompanhar, um “balde” de refrigerantes; minha compra foi tão exagerada que após várias horas, quando a ópera terminou, o desperdício foi vultuoso e inevitável. Voltamos a sala de exibição e quando vi o cronômetro, anunciando que ainda faltavam 17 minutos para o término do intervalo, fiquei felicíssimo; continuamos a conversar de forma natural e espontânea, entre afáveis banalidades o tempo, infelizmente, passou em um instante.

O segundo ato foi bem mais curto, as imensas estruturas de painéis tecnológicos, que compunham o cenário, ostentavam imagens peculiares que reproduziam um castelo; várias atrizes, moças de uma “beleza infernal”, davam um aspecto lôbrego e ímpio ao ambiente, elas sacolejavam sincronicamente seus imensos cabelos negros; de certa forma, aqueles movimentos ritmados causavam um impróprio humor a toda encenação. Na verdade minhas impressões são insignificantes, sempre me identifiquei com o herói da ópera por ele ser “ingênuo e idiota”**, um eterno coadjuvante das aventuras do rei Arthur que mesmo ao ganhar uma história genuinamente sua, perde o brilho e a importância para outros personagens; aliás, ao final da apresentação, no momento dos aplausos e ovações, alguns cantores foram mais reverenciados do que Parsifal; eis a sina do motejante cavaleiro: ficar eternamente em segundo plano. No novo intervalo, minha doce acompanhante parecia mais animada, e eu ansiava novos diálogos; nosso colóquio, à semelhança dos anteriores, fluiu naturalmente, alguns segundos de silêncio não foram capazes de interferir na minha calma e tranquilidade.

O derradeiro ato começou, mas, ao contrário dos outros, queria que ele se alongasse por um grande lapso temporal; afinal, após o espetáculo, deveria, inevitavelmente, me despedir da minha adorável acompanhante. Todo o teor sacro, místico e de exagerada religiosidade contribuíram para o meu total desinteresse pelos minutos finais da obra, com exceção de alguns efêmeros momentos, em que os instrumentos de sopro compungiam minha alma, tudo foi bastante tedioso. Quando as luzes se acenderam não havia o que fazer, deveríamos ir embora; eu tinha apenas alguns minutos para aproveitar a pujança daquele dia.

Confesso que, antes mesmo do meu encontro, havia racionalizado algumas coisas inteligentes para dizer, e no fim não disse nada. Sempre havia pensado em copiar a frase que Woody Allen utilizou no filme “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”; seu personagem, nesta deliciosa comédia, ao convidar Anne para sair pela primeira vez, diz antes de qualquer conversa: “Me dê um beijo”, e depois explica: “Todo encontro é angustiante, nós ficamos conversando por horas e nunca surge o momento exato e propício do beijo, e se, ao final do encontro, ele não acontecer, fica parecendo que não houve interesse e a relação esmorece; vamos simplificar, nos beijamos agora e tudo ficará mais tranquilo e confortável”***. Anne acha aquilo muito estranho, no entanto acaba concordando. É óbvio que eu nunca teria coragem de proceder da mesma forma, talvez, acompanhado do meu amigo etílico, tivesse a ousadia, mas, neste caso, estaria fantasiado, escondido atrás de uma máscara enganosa e repugnante. Refletindo melhor, meu encontro foi perfeito, manter a pureza dos próprios lábios é até dignificante, e se adéqua com perfeição ao munificente caráter de Parsifal; valeu a pena homenageá-lo, talvez outro dia eu possa, ao fazer mesura a personagens mais incisivos, encontrar a delicada e, ao mesmo tempo, vicejante boca de minha bela acompanhante.

A ópera, apesar de desgastante, foi uma experiência fantástica; agora, quebrando toda estrutura narrativa, irei me dirigir a ela, a responsável por recrudescer a alegria do meu sábado.

Obrigado, sua companhia exultou meus sentidos; estar ao seu lado foi encantador e sublime. Se Parsifal tinha a pureza para manipular o santo Graal, eu, diante de você, me sinto purificado e em estado de paz absoluta; seus olhos, mais belos do que o céu, transformam meu tenebroso estado de pusilânime apatia em força peremptória. A dor de meus sofrimentos passados foram embora, e, coincidentemente, você resolveu aparecer no exato momento em que recebia minha merecida alforria. Espero que não entenda mal minhas palavras, esta crônica convertida em carta, ou o contrário, é apenas uma forma de expressão, tenho a necessidade de recriar minhas dores, alegrias e sensações íntimas; não quero seduzi-la, acochambrando pensamentos e reflexões escusas, tampouco conquistá-la de forma tão mesquinha, ignominiosa e baixa. De qualquer forma, se for mal compreendido, peço perdão. Sei que sou incomum e às vezes afugento as pessoas por isto, mas, por favor, entenda, esta minha suposta originalidade é a forma que encontrei para, diminuindo a distância abissal de meus pensamentos e sentimentos, me aproximar do mundo. Este blog, além de ser um espaço para comentar e resenhar obras do universo literário, é um válvula de escape. Quase tudo que escrevi até então foi motivado por frustrações e tristezas; no último mês, no entanto, voltei a sorrir, sair com meus amigos, encontrar familiares e me divertir com os momentos agradáveis; este novo acordo com a felicidade, misteriosamente, retirou minha inspiração; parei de escrever. Hoje, para minha surpresa, tive necessidade da escrita; mas dessa vez meus dedos eram exortados não por reflexões lancinantes e sombrias, mas por uma originalíssima felicidade; devo isto a você. Não sei se continuarei escrevendo como antes; mas, entre boas sensações e a criação, escolheria, sem pestanejar, a primeira opção; qualquer outra resposta refletiria uma pérfida vaidade.

Após os necessários esclarecimentos, retornarei à crônica. A volta foi um pouco constrangedora, pois pela primeira vez nossa conversa não foi tão natural, falei estouvadamente coisas desnecessárias, estava com medo do silêncio, e entre ele e a artificialidade, não tive escolha. Cheguei em casa feliz, com a esperança de voltar a vê-la; é estranho, mas nosso organismo nos pressiona a buscar a presença de algumas pessoas; parece inevitável não fechar os olhos diante delas. Agora, enquanto escrevo, imagino e anseio um novo encontro, espero, sinceramente, que ele aconteça. Para finalizar este texto, precipitadamente chamado de crônica, direi algo absurdo: me emocionei mais com as lembranças de ontem do que com a ópera; aliás, estou, neste momento, ouvindo o Prelúdio de Parsifal, e não consigo conter as lágrimas; tudo é tão belo e perfeito. Chorar diante da beleza, da felicidade e da paz certamente é um grande aplauso à arte; quero esquecer a tristeza e continuar consternado, estimulado por oceanos de puros e nobres pensamentos.




FG

Obs:*tenho certa dificuldade em ser pontual, peço desculpas por isso.
**não me sinto ingênuo e idiota perto dos outros, mas na solidão do meu quarto, quando paro e reflito, este sentimento me atormenta.
***esta não é uma transcrição literal, escrevi, mais ou menos, o que lembro.
Para quem quiser conhecer o enredo da ópera, aconselho o site do link abaixo:

Comentários

  1. Olá! Interessante seu texto... e com relação as suas observações, perto dos outros você é original e totalmente autêntico!! Orgulhe-se disso!
    Quero ler mais... Não deixe de escrever...

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