“Onde está Parsifal? Parsifal, após um período soturno, voltou, trazendo minha salvação.”
Este texto não é uma análise crítica da obra de Wagner, se me
propusesse a realizar tamanho empreendimento assumiria o provável
risco da mediocridade, e tal atitude seria tola, imprudente, insana e
pretensiosa. Nunca havia assistido a uma ópera e, portanto, sou
incapaz de comentar objetivamente esta nova experiência artística,
caso ousasse em escrever algo similar, minhas frases seriam tão
incôngruas quanto àquelas oriundas de resenhas literárias, cujo os
autores são sujeitos que não possuem qualquer contato substancial
com os grandes clássico; para comentar James Joyce ou Marcel Proust,
por exemplo, temos, no mínimo, de preencher nossa cultura com alguns
exemplares de relevante valor literário.
Apesar das considerações feitas no parágrafo anterior, me sinto
completamente capaz de expressar, com palavras, minhas sensações,
angústias e pensamentos que incutiram meus espírito durante a tarde
de ontem, quando tive o prazer de vencer o tédio e assistir cinco
horas e meia de intermináveis cantorias. Minhas próximas frases
podem ser enquadradas dentro de um gênero adorável que ainda não
publiquei neste blog; tentarei escrever uma crônica sobre a ópera
do grande artista alemão, desde já peço desculpas caso meu texto
não consiga alcançar meus objetivos previamente anunciados.
Tudo começou quando descobri que a obra “Parsifal” seria
apresentada em Juiz de Fora. Uma montagem homérica com grandes
músicos, tenores e sopranos (não conheço nenhum, mas, pela pompa
da produção, pressuponho que eles sejam famosos, talentosos e
incríveis), realizada em Nova York e transmitida ao vivo para
diversos países, foi, aos meus olhos, um convite tentador e
irrecusável, iria de qualquer forma; mesmo doente, sozinho, cansado
ou machucado não perderia o espetáculo por motivo algum. Comprei,
com muita antecedência, dois ingressos e um deles seria oferecido a
uma acompanhante. Tinha a pessoa certa para convidar, mas a vergonha
e o medo da recusa adiaram o pedido, no entanto, após a coragem
oriunda de coincidências saborosas e inefáveis, assumi o risco de
convidá-la, e para minha surpresa ela aceitou; não poderia ter
ficado mais feliz. Estava tranquilamente ansioso, mas sábado, quando
o momento de meu encontro se aproximava, o nervosismo tomou conta de
todos os meus pensamentos, sensações e sentidos; desta vez estaria
sóbrio, meu companheiro de noitada e outras festas, o álcool, não
me auxiliaria na censura de minha própria timidez. Como de praxe me
atrasei um pouquinho*, quando cheguei ela já estava lá me
esperando, minha demora provavelmente a incomodou; não sei, talvez
seja apenas uma falsa impressão, mas percebi um ligeiro nervosismo
nos olhos, indescritivelmente encantadores, dela. Entramos, um pouco
de conversa para quebrar o clima ligeiramente desconfortável me
tranquilizou, aliás naquele momento notei que não precisaria
interpretar uma falsa personalidade e nem mudar meu tom de voz,
poderia assumir minha verdadeira persona; ela me dava liberdade em
ser tímido, melindroso e verdadeiro, a doçura de seus gestos,
palavras e sorrisos formavam um espectro agradável, atilado e
garboso; mesmo com alguma dificuldade em me expressar, o que era
natural e esperado, me senti, ao lado dela, confortavelmente feliz.
O espetáculo começou, veio a dúvida: “e se não houver legendas,
como compreender o alemão?”, por sorte as legendas estavam lá
solidarias e tranquilizadoras. O belíssimo prelúdio enterneceu meus
sentidos, minha expectativa era grande, estava depurado, ao lado de
uma pessoa encantadora, assistindo a ópera de um personagem
especial, feliz e esperançoso; tudo declinava ao meu favor, no
entanto a demora do primeiro ato, a estranheza - fruto do meu próprio
despreparo cognitivo – diante dos intermináveis diálogos
cantarolados, a exaustiva repetição e a falsa teatralidade de
situações incomuns e às vezes incompreensíveis foram responsáveis
pelo meu ligeiro fastio; ao contrário do início promissor, o
desenvolvimento da estória se mostrou massante e enfadonha; ao
final, contava os minutos para o intervalo, já estava morrendo de
vontade de conversar mais um pouco. Quando as cortinas se fecharam e
vieram os aplausos fiquei aliviado, deveria pensar em algo para
dizer, contudo deixei que nosso diálogo caminhasse naturalmente. Fui
ao banheiro e fiz algo que não faço: comprei pipoca, muita pipoca,
e, para acompanhar, um “balde” de refrigerantes; minha compra foi
tão exagerada que após várias horas, quando a ópera terminou, o
desperdício foi vultuoso e inevitável. Voltamos a sala de exibição
e quando vi o cronômetro, anunciando que ainda faltavam 17 minutos
para o término do intervalo, fiquei felicíssimo; continuamos a
conversar de forma natural e espontânea, entre afáveis banalidades
o tempo, infelizmente, passou em um instante.
O segundo ato foi bem mais curto, as imensas estruturas de painéis
tecnológicos, que compunham o cenário, ostentavam imagens peculiares
que reproduziam um castelo; várias atrizes, moças de uma “beleza infernal”, davam um aspecto
lôbrego e ímpio ao ambiente, elas sacolejavam sincronicamente seus
imensos cabelos negros; de certa forma, aqueles movimentos ritmados
causavam um impróprio humor a toda encenação. Na verdade minhas
impressões são insignificantes, sempre me identifiquei com o herói da ópera por ele ser “ingênuo e idiota”**, um eterno
coadjuvante das aventuras do rei Arthur que mesmo ao ganhar uma
história genuinamente sua, perde o brilho e a importância para
outros personagens; aliás, ao final da apresentação, no momento
dos aplausos e ovações, alguns cantores foram mais reverenciados
do que Parsifal; eis a sina do motejante cavaleiro: ficar eternamente
em segundo plano. No novo intervalo, minha doce acompanhante parecia
mais animada, e eu ansiava novos diálogos; nosso colóquio, à
semelhança dos anteriores, fluiu naturalmente, alguns segundos de
silêncio não foram capazes de interferir na minha calma e
tranquilidade.
O derradeiro ato começou, mas, ao contrário dos outros, queria que
ele se alongasse por um grande lapso temporal; afinal, após o
espetáculo, deveria, inevitavelmente, me despedir da minha adorável
acompanhante. Todo o teor sacro, místico e de exagerada
religiosidade contribuíram para o meu total desinteresse pelos
minutos finais da obra, com exceção de alguns efêmeros momentos,
em que os instrumentos de sopro compungiam minha alma, tudo foi
bastante tedioso. Quando as luzes se acenderam não havia o que
fazer, deveríamos ir embora; eu tinha apenas alguns minutos para
aproveitar a pujança daquele dia.
Confesso que, antes mesmo do meu encontro, havia racionalizado
algumas coisas inteligentes para dizer, e no fim não disse nada.
Sempre havia pensado em copiar a frase que Woody Allen utilizou no
filme “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”; seu personagem, nesta
deliciosa comédia, ao convidar Anne para sair pela primeira
vez, diz antes de qualquer conversa: “Me dê um beijo”, e depois explica:
“Todo encontro é angustiante, nós ficamos conversando por horas e
nunca surge o momento exato e propício do beijo, e se, ao final do
encontro, ele não acontecer, fica parecendo que não houve interesse
e a relação esmorece; vamos simplificar, nos beijamos agora e tudo
ficará mais tranquilo e confortável”***. Anne acha aquilo
muito estranho, no entanto acaba concordando. É óbvio que eu nunca
teria coragem de proceder da mesma forma, talvez, acompanhado do meu
amigo etílico, tivesse a ousadia, mas, neste caso, estaria
fantasiado, escondido atrás de uma máscara enganosa e repugnante.
Refletindo melhor, meu encontro foi perfeito, manter a pureza dos
próprios lábios é até dignificante, e se adéqua com perfeição
ao munificente caráter de Parsifal; valeu a pena homenageá-lo,
talvez outro dia eu possa, ao fazer mesura a personagens mais
incisivos, encontrar a delicada e, ao mesmo tempo, vicejante boca de
minha bela acompanhante.
A ópera, apesar de desgastante, foi uma experiência fantástica;
agora, quebrando toda estrutura narrativa, irei me dirigir a ela, a
responsável por recrudescer a alegria do meu sábado.
Obrigado, sua companhia exultou meus sentidos; estar ao seu lado foi
encantador e sublime. Se Parsifal tinha a pureza para manipular o
santo Graal, eu, diante de você, me sinto purificado e em estado de
paz absoluta; seus olhos, mais belos do que o céu, transformam meu
tenebroso estado de pusilânime apatia em força peremptória. A dor
de meus sofrimentos passados foram embora, e, coincidentemente, você
resolveu aparecer no exato momento em que recebia minha merecida alforria. Espero que não entenda mal minhas palavras, esta
crônica convertida em carta, ou o contrário, é apenas uma forma de
expressão, tenho a necessidade de recriar minhas dores, alegrias e
sensações íntimas; não quero seduzi-la, acochambrando pensamentos
e reflexões escusas, tampouco conquistá-la de forma tão mesquinha,
ignominiosa e baixa. De qualquer forma, se for mal compreendido, peço
perdão. Sei que sou incomum e às vezes afugento as pessoas por
isto, mas, por favor, entenda, esta minha suposta originalidade é a
forma que encontrei para, diminuindo a distância abissal de meus
pensamentos e sentimentos, me aproximar do mundo. Este blog, além de
ser um espaço para comentar e resenhar obras do universo literário,
é um válvula de escape. Quase tudo que escrevi até então foi
motivado por frustrações e tristezas; no último mês, no entanto,
voltei a sorrir, sair com meus amigos, encontrar familiares e me
divertir com os momentos agradáveis; este novo acordo com a
felicidade, misteriosamente, retirou minha inspiração; parei de
escrever. Hoje, para minha surpresa, tive necessidade da escrita; mas
dessa vez meus dedos eram exortados não por reflexões lancinantes e
sombrias, mas por uma originalíssima felicidade; devo isto a você.
Não sei se continuarei escrevendo como antes; mas, entre boas
sensações e a criação, escolheria, sem pestanejar, a primeira
opção; qualquer outra resposta refletiria uma pérfida vaidade.
Após os necessários esclarecimentos, retornarei à crônica. A
volta foi um pouco constrangedora, pois pela primeira vez nossa
conversa não foi tão natural, falei estouvadamente coisas
desnecessárias, estava com medo do silêncio, e entre ele e a
artificialidade, não tive escolha. Cheguei em casa feliz, com a
esperança de voltar a vê-la; é estranho, mas nosso organismo nos
pressiona a buscar a presença de algumas pessoas; parece inevitável não fechar os olhos diante delas. Agora, enquanto escrevo, imagino e
anseio um novo encontro, espero, sinceramente, que ele aconteça.
Para finalizar este texto, precipitadamente chamado de crônica,
direi algo absurdo: me emocionei mais com as lembranças de ontem do
que com a ópera; aliás, estou, neste momento, ouvindo o Prelúdio
de Parsifal, e não consigo conter as lágrimas; tudo é tão belo e
perfeito. Chorar diante da beleza, da felicidade e da paz certamente
é um grande aplauso à arte; quero esquecer a tristeza e continuar
consternado, estimulado por oceanos de puros e nobres pensamentos.
FG
Obs:*tenho certa dificuldade em ser pontual, peço desculpas por isso.
**não me sinto ingênuo e idiota perto dos outros, mas na solidão do meu quarto, quando paro e reflito, este sentimento me atormenta.
***esta não é uma transcrição literal, escrevi, mais ou menos, o que lembro.
Para quem quiser conhecer o enredo da ópera, aconselho o site do link abaixo:
Olá! Interessante seu texto... e com relação as suas observações, perto dos outros você é original e totalmente autêntico!! Orgulhe-se disso!
ResponderExcluirQuero ler mais... Não deixe de escrever...